quarta-feira, 30 de julho de 2025

Enfim...a Canícula!

        O calor abafado, enfim, voltou. A água salgada do mar faz o seu vaivém nas praias de areia preta que, entretanto, amornam e, com as temperaturas do ar cálidas, retornam também os garajaus, essas andorinhas insulares que nos devolvem a visão do seu voo e beleza.
       Abandono, assim, mais uma casa, aquele quarto, mais uma morada (quantas moradas? dez, quinze?), permaneço com os nomes de bairros e ruas gravado na memória – Casal de Malta, Canal, Calouste Gulbenkian, Jogo da Bola, Senhora do Almurtão, Barão de Roches, Miragaia, D´Agoa, Guilherme Poças Falcão, Laureano, Rua Nova da Misericórdia, Gaspar Fructuoso, Ladeira das Águas Quentes, Pópulo Pequeno, Livramento, etc…a convicção também de que em breve irei encontrar outro destino, outros olhares, novas memórias.
 Todos os verões, eis que regresso às águas gélidas que povoam a minha infância e adolescência, torno às sessões de cineclube às quintas-feiras e aos filmes ao ar livre na cidade vizinha, cidade onde procuro em vão a professora F. – ensinou-me a língua francesa apenas com o seu sorriso – ou visito, quando posso para uma longa charla, a professora M., de Filosofia, tal como ainda provisiono uma ou várias barrigadas de sardinhas para o jejum insular que se seguirá.
         Proclamo, por agora, um até já às minha coisas e às que julgo pertencer, despeço-me dos locais onde repousei o olhar, abraço as pessoas que conheci e as outras tantas que gostei de conhecer. Interrompo, entretanto, as conversas com os mais próximos com quem conversei, relembro os momentos partilhados, os bons e os maus. Aproveito para implorar absolvição pelas ocasiões em que excedi a sua paciência quando exalto o prazer no presente ou a existência de melhores dias vindoiros. Não me canso de referir o peso de que somos feitos, este desconsolo que nos tolhe os movimentos, inclusive, a melancolia a escrever, tão implicada de dor e culpa, e que vejo entrar quarta invasão francesa, já enunciava o Alexandre O´Neill, com assertividade e sem ela. Um poeta maior que nos abandonou em Agosto, pois já não conseguia contrariar o vento, a morrinha, a nortada. E que frequentemente tropeçava de ternura…

sexta-feira, 25 de julho de 2025

A Paixão de Dodin Bouffant: O Napoleão da Arte Culinária!

       
Imagem daquihttps://revistadeguste.com/
Comer é uma actividade essencial do ser humano mas convenhamos que este verbo tem um vasto leque de signficados, com diferentes ligações à existência. No que diz respeito a este filme - La Passion de Dodin Bouffant, de Tran Anh Hung - que obteve em português a tradução de "O Sabor da Vida" - trata-se de uma incursão exclusivamente sensorial a partir do universo de uma cozinha partilhada por dois esmerados cozinheiros. A acção cinematográfica decorre entre tachos, panelas e fogões, degustando sabores, aprimorando paladares e seguindo sugestões de aprendizagens efectuadas aquando da ingestão de alimentos e reconhecimento dos aromas. É um agradável filme de seguir, não só pelo facto de ficarmos sugestionados e com apetite, bem como pelas interpretações competentes dos dois actores em presença:  Juliette Binoche e Benoît Magimel.

Despedida de Naná da Ribeira

A chegada do verão afasta-nos do centro
os dias esfumam-se lentamente
todo o azul e toda a claridade
ouve-se um saxofone no corredor
ninguém diz nada, ninguém sabe nada
o motor é o escape possível no asfalto
as unhas de gel carregam no telemóvel
produzem um enervante som de plástico

À noite a almofada evoca o esconderijo
único mistério guardado da existência
amanhã não subsistirá mais nada
apenas uma algibeira de memórias
e a habitação de uma descoberta desfeita 

terça-feira, 22 de julho de 2025

Verso de Nena

 Riefen krieg und wolten macht

Um Poema de Afonso Braga

Amor era a palavra que dizias 
quando a boca se fechava no silêncio da noite como um cravo incendiado 
pela temperatura da idade como um cravo tocado pela morte 
a entrar na vida como um animal à procura de alimento devastando as veias
do teu sangue sumptuoso até outro corpo ser imaginado e outras palavras reflorescerem nas escarpas do teu ventre perfumado a queda 
nos esgotos da eternidade
onde não há tempo nem medo que te obriguem ao amor 

in Locomografia, Editora Atelier Produção, 2009.

CAC: Saber Fazer; Saber Ver

Duas exposições para ver no Centro de Artes Contemporâneas da Ribeira Grande: “Produção Artesanal Portuguesa: A Atualidade do saber fazer Ancestral” e “O Tempo de Estar”. A primeira propõe-se valorizar a produção artesanal portuguesa de norte a sul e ilhas, um olhar múltiplo sobre o saber fazer nacional, quanto à segunda pretende dar relevância à década de abertura expositiva do Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, ao expor obras da colecção do Arquipélago em fala aproximada com obras de outras instituições, galerias e colecções particulares.
         Desta feita, a exposição “Produção Artesanal Portuguesa: A Atualidade do saber fazer Ancestral” acaba por ser uma panorâmica do artesanato nacional, pois  há tapetes de arraiolos, cocharros, viola campaniça ou ainda peças oriundas do arquipélago açoriano, tais como a viola de dois corações (São Miguel) a Joeira de Santa Maria, o Lenço do Faial, entre tantas outras. É a nossa riqueza artesã e beleza dos nossos labores manuais a precisar de ser vista e apreciada. Quanto à exposição  “O Tempo de Estar”, com curadoria de Beatriz Brum e Sofia Carolina Botelho, esta pretende ser uma reflexão com o espaço museológico deste espaço, isto é, pensar a relação dos artistas e do público com este lugar de afirmação artística que perdura no aqui e agora. Parte, por isso, da necessidade de conceber um acervo referencial deste lugar que seja um verdadeiro mosaico da arte contemporânea ao qual se vai acrescentado pensamento, diálogo e memória com outros trabalhos em destaque. 

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Conselho

       "Num dos grandes filmes dos anos 2000 - Quase Famosos, de Cameron Crowe - o extraordinário Philip Seymour Hoffman interpreta o papel de um crítico de música da década de 1970 que vai dando sábios conselhos a um jovem jornalista que se prepara para acompanhar a banda em digressão. "Tu não podes ser amigo das estrelas de rock", explica-lhe ele. "Se tu escreves sobre rock, em primeiro lugar nunca vais ganhar muito. Mas vais receber discos de borla da editora. E vão pagar-te bebidas, vais conhecer miúdas, vais viajar de graça, vão ofercecer-te drogas...Eu sei. Parece incrível. Mas eles não são teus amigos. São pessoas que que querem que escrevas histórias grandiloquentes sobre o génio das estrelas rock. Estão a querer comprar respeitabilidade." Este continua a ser o melhor conselho que se pode dar a um crítico, a um comentador, até a um jornalista."

João Miguel Tavares, in Público, 17 de Abril de 2025. 

domingo, 20 de julho de 2025

Da Fobia

          "A xenofobia, por exemplo, é tão larga que poderia incluir várias outras fobias que assentam no medo do que não se conhece. Para combater a xenofobia - tão debilitante, tão estúpida, tão aleatória, tão cruel  e violenta - porque não a claustrofobia?
       A claustrofobia é que é o contrário de xenofobia: é o medo de ficar fechado, de ficar preso, de não poder sair, de não nos podermos mexer.
   Imagine-se a claustrofobia de só podermos comer comida portuguesa (ou lisboeta), só ouvir música portuguesa (ou alentejana) ou só ler livros portugueses (ou minhotos).
        Claustrofobia é o terror de ficarmos fechados em casa,  a aturar a nossa própria família, infinitamente protegidos pelas paredes de pedra da nossa casa e obrigados a proclamar a toda a hora o nosso orgulho de pertencermos àquela cultura tão rica e tão particular. 
        Não há horror que não mereça um horror maior."

Miguel Esteves Cardoso, in Elogio da Fobia Justa, Público, Abril de 2022. 

O Anzol de Raquel Vila Arisa

Lapa Brava, 2024


Atena de Ana Paula Inácio

nem dórica 
nem jónica 

dorsal 
a coluna majestática 
da infância 

das saias 
das irmãs 
a goma barata
rocegando-te 
as pernas descobertas 
do Verão

o pêlo eriçado 
um gato 

in Anónimos do Século XXI, Averno, 2016. 

sábado, 19 de julho de 2025

É na Horta...

Festival Maravilha 
De 17 a 20 de Julho de 2025

 

Pico

Fotografia: Tânia Neves dos Santos 
 

Da Cobardia

     "José Gil tem razão quando nos diz, de uma forma elegante, que nos ficou a cobardia, dos tempos do obscurantismo, temos muita dificuldade em expressarmos livremente o que sentimos. Mas já passaram 50 anos e várias gerações. Não diz, mas digo eu, que preferem mostrar a sua insatisfação através de radicalismos anónimos, expressos, cada vez mais, nos atos eleitorais."

José Gameiro, in Amorfos Felizes, Expresso, 11 de Julho de 2025.