terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Azorean Folk

Mário Roberto 

Nuvens

 81
I love the cloud in you, she said, looking at my shirt
Amo a nuvem em ti, disse ela, ao olhar para a minha camisa

Mark Strand, in 89 nuvens, tradução de Jorge Sousa Braga.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Agenda AR 2026

Oficinas de São Miguel
 

Feira Gráfica: 5ª Edição

       Todos os anos, por esta altura, os amantes das artes gráficas das ilhas dos Açores vão em romaria à Feira Gráfica, um evento que se realiza na Vaga-Espaço de Arte e Conhecimento, ali na Travessa das Laranjeira, 51, em Ponta Delgada. 
       Esta feira anual congrega os trabalhos e talento de vários criativos a viver em solo insular: João Amado, Paula Mota, Emese Bándi, Mário Roberto, Raquel Vila Arisa (Lapa Brava), Augusto Rocha, Sofia Caetano, Sara Azad, Catherine Gallagher, Elliot Sheedy, Araucária Edições, Azores Atlantic Surfers, Selo de Trácia, Espelho Voador Associação, Julia Mattos, Magma, Nuno Simas, Mão Azul, Gal la Edery, Tat Onofre, Neuza Furtado, Sofia Brito, Miguel Bettencourt 
Cartaz de Raquel Vila Arisa
NANO (Núcleo Artístico do Nordeste), Anita Nemet, para além da criatividade da Oficina de São Miguel com as suas já afamadas agendas, postais e calendários. Na verdade, são muito materiais fresquinhos acabados de sair do prelo e impressoras regionais e continentais. É, sem qualquer dúvida, um acontecimento de "fina estampa”, pena só existir uma vez por ano – porque não já outro no novo Mercado da Graça? - dada as diversas impossibilidades de muitos ou de quem procura dar conta de tantos eventos dispersos pela época natalícia.        Em suma, quem lá vai acaba por contactar com os seus artistas de eleição, vê-los em plena actividade tal como ninguém se sente na obrigação de comprar bem como contribuem para consolidar a cada mais crescente comunidade das artes visuais insular. Aos respectivos organizadores do evento, a Vaga - Arte e Conhecimento, os mais que íntegros e francos parabéns por esta quinta edição!

Azorean Beauties

Mário Roberto
 

domingo, 14 de dezembro de 2025

Da Mobilidade

        Quando chegamos a uma cidade e percebemos que há mulheres e crianças a andar de bicicleta, à partida é uma cidade bem estruturada e segura. 

Nuno Labrador, in Expresso, dia 14 de Dezembro de 2025

sábado, 13 de dezembro de 2025

Feira Gráfica da VAGA

Dia 13 de Dezembro 
10h00-19h00

PONTA DELGADA 
Travessa das Laranjeiras, 51
 

Fox Trot nº3

O mar não é tão fundo que me tire a vida
nem há tão larga rua que me leve a morte
sabe-me a boca ao sal da despedida 
meu lenço de gaivota ao vento norte

meus lábios de água limão de amor
meu corpo de pinhal à ventania
meu cedro à lua minha acácia em flor
minha laranja a arder na noite fria

António Lobo Antunes, Letrinhas de Cantigas, Dom Quixote edições, 2002.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Mar Português

Ilustração de André Carrilho 
Auto-Psycografia en trente autres Poèmes
de Fernando Pessoa e George Monteiro.
Dilúvio, outubro de 2025.
 
 

Mer Portugaise

Ó mer, pour que tes eaux soiente si salées
Que de larmes le Portugal a dú verser !
Pour t´avoir croisée, que de mères émues,
Que de prères de leurs fils déçues !
Que de fiancées restièrent célibataires
Pour que tu nous appartiennes, ô mer !


Cela en valait-il la peine? Tout en vaut la peine
Si tant  est que l´âme n´en soit pas vaine.
Qui le cap Bojador veut traverser
La douleur se devra dépasser.
Dieu conçut la mer de péril et d´abime,
Mais du ciel en fit le reflet sublime.

Fernando Pessoa, “Mar Português” – Auto- Psychographie en trente autre Poémes, tradução Miguel Lopes, editado por George Monteiro.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Arquitectura do Desejo

Mergulhar as mãos no teu corpo
até dos seios irradiar uma luz suave 
- essa iridescência é o amor
Pereirar diamantes na areia do momento
para depois os lapidar entrre as tuas coxas
Assim construo ogivas de prazer
assim me entrego ao gume do desejo

Só nessa arquitectura se conhece o silêncio.

Paulo Ramalho in Manual de Sobrevivência para Náufragos, Douda Correria, 2020.

Origem do Museu

       "Do grego mouseion, literalmente, o «lugar onde habitam as Musas». Como estas eram as patronas das artes, «museu» passou a ser o local onde se armazenam e expõe as obras de arte."

Orlando Neves, Dicionário do nome das coisas e outros epónimos, Editorial Notícias. 

Esperar de Kol de Carvalho

Convento de Santo António, Lagoa
Dia 13 de Dezembro, às 17 horas
 


domingo, 7 de dezembro de 2025

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

A Razão de Sonho Alucinado dos WE SEA

    "Combinámos que o Zeca Medeiros escreveria a letra e eu ficaria responsável pela composição das vozes. Ele escreveu a letra numa noite de insónia e passou-ma por telefone." 

Rui Rofino, in Blitz, entrevista de Paulo André Cecílio, 1 de Dezembro de 2025

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A Vida do Homem de Giusepe G. Belli

Nove meses no fedor, depois nas faixas,
por entre crostas, beijocas, lagrimonas,
depois à trela, na andadeira, em camisinha,
pára turras na testa, cueiros por calções.

Depois começa o tormento da escola,
o á bê cê, a vergasta e as frieiras,
a rubéola, a caca na cagadeira
e um pouco de escarlatina e de bexigas.

 Depois o ofício, o jejum, a trabalheira,
a pensão a pagar, as prisões, o governo,
o hospital, as dívidas, a crica,

 o sol no Verão, a neve no Inverno…
E por último – e que Deus nos abençoe –
vem a morte, e acaba no inferno.
 Tradução de Alexandre O’Neill
(escutado aqui:www.estudioraposa.com) 

Sistema Naturae #43 de Urbano

Técnica Mista sobre tela 
2019
in De Natura Maris, 2019
Letras Lavadas 
 

Verso de Garota Não

 Não deixes endereços. Por favor: 

Filipe Furtado na FLOP

      Filipe Furtado, o músico e autor de “Prelúdio” e “Como se Matam Primaveras”, irá tocar no próximo dia 6 de Dezembro, na Biblioteca Arquivo Municipal, em Ponta Delgada, num concerto ilustrado no FLOP – Mercado da Banda Desenhada e do Fanzine. Há poucos dias falámos com ele sobre a possibilidade deste voltar a tocar em solo açoriano.

DM: Onde e quando é que gostarias de tocar nos Açores?
FF: Qualquer contexto para tocar nos Açores é uma espécie de dádiva e divida. É algo que estimo muito, que só tenho a oportunidade de fazer muito de vez em quando. Sinto-me muito realizado quando posso tocar para a família e amigos das ilhas. Tenho a certeza que esse sentimento é comum a muitos dos camaradas que saíram das ilhas em busca de melhores condições para desenvolver os seus projectos artísticos. O panorama artístico nos Açores, em particular em S. Miguel, que é o que acompanho com melhor conhecimento de causa, mudou bastante. Tenho conseguido tocar em salas bonitas e em contextos que me desafiam. Quando posso não só apresentar o trabalho que venho a desenvolver com o meu trio, mas, do mesmo modo, também ter espaço para sair dessa zona de conforto e fazer trabalho que se insere noutras hipóteses multidisciplinares. Vou puxar a brasa à tua sardinha, monsieur Fernando, e relembrar a banda sonora para o "Três Haikais, um Peixe Surfista e uma Canção de Amor para o Areal"; o trabalho desenvolvido em residência artística com a Juliana Matsumura na In.Fusão #2 da Vaga, em 2023, no qual escreve um dos poemas que integram o álbum: "Transplantar é Possível". O concerto ilustrado no FLOP, no próximo dia 6 de Dezembro, por exemplo. Interessam-me esses desafios de me colocar como músico, mas não só. Quero pensar outros objetos artísticos. Fazê-lo nos Açores é uma forma de apaziguar alguns dos desenraizamentos que se apoderam de mim. São oportunidades de fazer aquilo me realiza mais em casa.

Dos Hábitos

      "Quando, em Portugal inteiro, incluindo, portanto os Açores, nos habituamos, desde há séculos, a preferir conhecer o namorado da filha do cozinheiro do ministro, porque, assim, pela porta da cozinha, conseguimos resolver quase tudo o que realmente nos interessa."

Francisco Maduro Dias, in Açoriano Oriental, 1 de Dezembro, 2025. 

Vulcões no ARQUIPÉLAGO

Dia 4 de Dezembro no Arquipélago CAC
18h30 
Araucácia Edições 
 

Dos Direitos

         "Vejo a violência doméstica à luz da conflitualidade humana, mas repudio-a. Acredito no entendimento, na busca pelo equilíbrio. No diálogo. Na concórdia. Não se ama uma mulher num momento, e no outro enfia-se-lhe uma faca no ventre. Não podemos baixar a guarda na defesa dos direitos, não só das mulheres, mas também de quem é mais vulnerável, seres humanos como eu."

Mário Roberto, in "Nas Asas da Igualdade", Açoriano Oriental, 30 de Novembro de 2025. 

Bicicletas

     "Portugal era um país pobre, quem usava bicicleta era pobre. Hoje ainda há preconceito, quem me compra bicicletas é malta estrangeira." 

Salvador Esteves, dono da Salva Biclas, in Jornal Expresso. 

domingo, 30 de novembro de 2025

XVI Curtas Açores: Há Cinema Insular?

     Terminou ontem o Curta Açores na Ribeira Grande, após 30 fimes a concurso, vistos na sala do Teatro Ribeiragrandense, com abertura a toda a população e, sobretudo, aos que ainda valorizam a sétima arte na tela grande. Durante os dias da semana houve também sessões de cinema dedicadas à juventude estudantil a residr no concelho com dois blocos de curtas-metragens pela manhã e outra à tarde. 
A Mulher que Morreu de Pé 
de Rosa Coutinho Cabral 
   As sessões de sexta e sábado foram marcadas pela exibição de dois filmes realizados em território açoriano: São Miguel e Ilha do Pico. O primeiro foi "A Mulher que Morreu de Pé", da realizadora, Rosa Coutinho Cabral, acompanhada pela sua trupe de actores: Leonor Cabral, Lídia Franco, João Araújo, Carolina Bettencourt, Paula Guedes, João Cabral, Mariana Pacheco Medeiros, Leonor Seixas, Sergio Ferrajota e ainda a bailarina Milagros Paz e a escritora Ângela Almeida. Trata-se de um documentário ficcionado em torno de uma figura açoriana maior do século XX: Natália Correia. Aqui vemos uma mulher multifacetada que se diversificou em acções e funções, espelhada neste mosaico de interpretações e situações a que estes actores e actrizes lhe deram corpo e voz, como se de uma colagem se tratasse. Um documento visual importante para revivermos e relermos a figura controversa e dilacerante de Natália Correia. O filme de sábado foi "First Date", de Luís Filipe Borges, trouxe-nos dois actores, Ana Lopes e Santiago Melissa, em torno de um primeiro encontro à volta do colosso do Pico. Esta curta-metragem de quinze minutos acabaria por levar o prémio "Curta Açores" bem como esteve na origem a um debate plural e bastante crítico sobre o papel da sétima arte e dos filmes realizados em solo insular. Durante a sessão de encerramento foram também homenageados o professor e cineclubista, Paulo Ruas, a realizadora açoriana, Rosa Coutinho Cabral, e ainda o actor, Ricardo Carriço. 

sábado, 29 de novembro de 2025

O Corpo Ardeu

Atirámos um homem do penhasco abaixo,
Toda a aldeia reunida  no adro;
corremos sobre ele aos gritos 
fizemo-lo cair de grande altura.

O padre disse que agora, sim, é
que começa a verdadeira vida 
e eu pensei com muita força e muita fé:
mete a verdadeira vida no cu.

Acordo a meio da noite com uivos das pessoas sãs.
Prendem um homem no manicómio
atam-no à cama, enfiam-lhe comida
pela goela abaixo, engordam-lhe o fígado.

Ele tinha um anjo dentro da cabeça 
sempre a lavá-lo, a voá-lo muito 
para lá das nuvens, repuxava-lhe os fios
forçava-os a uns esgares, uns dizeres obscenos.

Quando o deixava a planar a meia altura
a uns quinhentos metros, digamos, uma
corrente inesgotável de lenços coloridos
saia-lhe da cartola, com as músicas mais belas 

Tanto medo da loucura,
tantas verdades incómodas ali à mostra,
tantos segredos insuportáveis.
Vamos estabilizá-lo, disseram.

Quero escapar, morrer,
arder-vos por entre os dedos
ó boas pessoas, ó sãos de espírito,
ó assassinos, adeus.

João Paulo Esteves da Silva, in Doutor Tristeza, Mia Soave, 2015.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Sozinho de Ângelo de Lima

Quando eu morrer m´envolva a Singeleza,
Vá sem Pompa o caminho do coval, 
Acompanhe-me apenas a tristeza 
Não vá do bronze o som de val´em val!

Chove o céu sobre mim de orvalho as bagas
Luz do sol-posto fulja em seu cristal,
Cantem-me o «dorme em paz» ao longe as vagas,

Gemente a viração entoe o «Amén»
Vá assim té ermas, afastadas plagas...
Lá...fique eu só! 

Não volte lá ninguém!
in Doutor Tristeza, Mia Soave, 2015

terça-feira, 25 de novembro de 2025

59 de Manuel Zerbone

       "(...) Não sei bem porque sinto esta necessidade de deixar transparecer uma melancolia triste que me envolve, sem causa que eu possa precisamente determinar. Mas, todavia, é assim.
      Nem já os campos me alegram, essas crianças eternas, que despem cada Inverno o manto suavíssimo das suas ilusões, para novamente se enfeitarem com ele nas suas Primaveras que se sucedem; nem o mar com os seus suspiros de ternura, nem com os seus rugidos de cólera, nem com a sua vastidão imensa, por cima da qual o meu espírito paira e se agita às vezes, como a pena caída da asa de uma pomba, pode vogar em baldões, à tona de uma niágara que se despenha em cascatas de espuma. 
       Quando assim anda enlutado o nosso espírito, a ponto que nem mesmo a música
, esse bálsamo consolador de todas as amarguras, pode fazer-lhe bem, em tudo vemos um motivo tristeza, e os nossos corações abrem-se facilmente para receber e compreender as mágoas daqueles que nos parecem ainda mais infelizes que nós."

14 de Novembro de 1886, in Crónicas Alegres, 1884-1888, Organização Carlos Lobão e Urbano Bettencourt, Edição Núcleo Cultural da Horta. 

Novembro de Almeida Firmino

Vão em romagem de silêncio
Ao cemitério do seu berço 
(Os crisântemos junto ao peito
Num jeito de contrição)
Depor as pétalas de saudade 
Nas compras do perdão.

No aceno breve do seu olhar 
O diálogo mudo de mágoa
Só memória e asa...
E se vão calados, tristes e sós 
Mais tristes e sós voltam a casa.

Não estão longe os seus mortos, não...
Vivem aqui perto e felizes 
À sombra dos ciprestes 
Bem junto ao coração.

Mas os meuss que ficaram 
(Feitas as malas e a viagem)
Para lá do mar a distância...
Como tocar a sua imagem?


in Narcose, Obra Poética Completa, Colecção Gaivota/27, 1982, Secretaria Regional da Educação e Cultura

Da Terra...

        Mas pouco a pouco descobrimos que não ouviremos mais o riso claro daquele companheiro; descobrimos que aquele jardim está fechado para sempre. Então começa o nosso verdadeiro luto, que não é desesperado, mas um pouco amargo. Nada jamais, na verdade, substituirá o companheiro perdido.  Ninguém pode criar velhos companheiros. Nada vale o tesouro de tantas recordações  comuns, de tantas horas vividas juntos, de tantas reconciliações, de tantos impulsos afecxtivos. Não se reconstroem essas amizades. Seria inútil plantar um carvalho na esperança  de ter, em breve, o abrigo de suas folhas. 

Antoine de Saint-Exupéry, Terra de Homens. 

Verso de David Sylvian

 Come lead me through the morning for the land that I long to see again 

Do Outono

       O facto pelo qual prefiro o Outono à Primavera é porque no Outono olhamos para o céu, na Primavera para a terra. 

Soren Kierkegaard 

Debaixo do betão...

Fotografia de Jorge Kol de Carvalho 
 

domingo, 23 de novembro de 2025

Deriva Litoral de Sofia Barata

Clube de Cinema da Ribeira Grande 
Exibido dia 21 de Novembro de 2025
18h30
           O documentário de Sofia Barata sobre a erosão costeira conta já uma década de existência da sua realização mas só agora foi possível vê-lo nestas paragens. O diagnóstico é preciso – as praias estão cada vez mais pequenas, o mar vai ganhando terreno e ameaça a segurança de pessoas e dos seu bens materiais.
        As razões desta erosão? Essas são múltiplas, aqui esclarecidas por Ana Carrilho, Bruno Pedrosa, Cátia Azevedo Clife, Pedro Hugo, Domingues Laura Tubarão e Tiago Abreu. Ao longo dos seus 75 minutos, Deriva Litoral mostra-nos imagens da costa portuguesa e a acentuada erosão das suas praias. Uma reflexão da situação actual será cada mais premente e necessária. 

Do Abrigo

   "Talvez o problema seja confundirmos segurança com hostilidade. Queremos cidades aparentemente perfeitas, mas a humanidade é desarrumada por natureza. Faz barulho, ocupa espaço, cheira a sopa e cigarro. Uma cidade que não tolera isso é uma cidade que deixou de ser casa."
 Catarina Valadão, in "A Cidade que não sabe ser um abrigo", Açoriano Oriental, 22 de Novembro, 2025. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Filipe Furtado: As Primaveras Outonais!

  “Como Se Matam Primaveras” é o título do novo trabalho musical de Filipe Furtado Trio, três anos depois de “Prelúdio”, álbum debutante. Este novo trabalho anuncia uma transição gradual da guitarra para o piano, onde Filipe Furtado partilha o palco com os músicos Paulo Silva (bateria) e ao Filipe Fidalgo (saxofone). 
       Desta feita a solo, o músico açoriano prepara-se para voltar a casa em Dezembro e tocar num concerto ilustrado no FLOP – Mercado da Banda Desenhada e do Fanzine, no próximo dia 6 de Dezembro, na Biblioteca Arquivo Municipal, em Ponta Delgada. Entretanto, a Douta Melancolia conversou com ele para atestar o seu estado musical.

Douta Melancolia: “Como se Matam Primaveras” é o teu novo álbum editado no fim de Maio. Como é que foi o processo até chegares à edição?
Filipe Furtado: Quando o Prelúdio sai a público, com as demoras inerentes a um primeiro lançamento, já estava noutra fase de pensar a minha linguagem e a minha composição e já a iniciar o processo de fazer novas canções, de continuar a compor material novo. Depois foi começar a trabalhar esses temas com o restante trio, integrar alguns nos repertórios ao vivo, de forma a muscular essas composições, perceber que caminhos poderiam seguir. Nas questões pragmáticas de gravações, mistura e masterização levamos quase dois anos a terminar o álbum.
DM: O que é que estás a preparar para os concertos ao vivo?
FF: Os concertos ao vivo são onde a magia acontece. Todos os concertos são diferentes, principalmente, onde pode haver mais improvisação. Tento sempre pensar como posso fazer as coisas melhor ou de forma diferente, muitos vezes ajustando também ao estado de espírito com que subimos a palco. Alguns poemas do álbum ganham um outra vida em palco, trocamos as sonoplastias e os floreados minimalistas por uma nova vida harmónica e melódica, de forma espontânea que nós os três seguimos intuitivamente. 
DM: Quais são os motores essenciais à criação/processo criativo das novas músicas?
FF: Penso que, em primeiro lugar, essa transição gradual da guitarra para o piano. Sentia que a guitarra, o meu primeiro instrumento, já não me permitia percorrer os caminhos que começava a imaginar para a música que queria fazer/escrever. O tempo também é um factor de mudança grande. O "Prelúdio" havia sido o primeiro álbum, inevitavelmente para mim um compêndio com as primeiras experiências a compor, a escrever, a musicar poemas e, ainda para mais, já desfasado no tempo. Um segundo álbum já vem com outra maturidade, menos desconhecimento sobre todo o processo de gravar um álbum, vem com essas outras referências que passara a escutar com outra atenção. Vem, certamente, muito da experiência em palco que fui adquirindo e desenvolvendo com o Paulo e com o Fidalgo enquanto trio. Em função dessa possível maturidade também uma escrita que também transmita maior pensamento e questionamento político e filosófico. Claro, a tentativa de abordar a música próxima de linguagens do cinema ou da fotografia. Interessa-me muito essa ideia de viagem, da viagem que esses formatos nos permitem também pela nostalgia, pela melancolia, porum contexto do tempo e espaço. Foi propositado todo o processo fotográfico analógico para as capas de singles e do álbum "Como Se Matam Primaveras". Os livros são sempre uma foto importante para imaginar e dar corpo a canções. A "Ada" é uma leitura musical sobre um romance de Vladimir Nabokov com o mesmo título, por exemplo, um dos escritores que lia ainda nos tempos das aulas de literatura russa na Faculdade de Letras de Coimbra.     
DM: Este disco dá continuidade ao “Prelúdio”?
FF: Acho que o único elo de ligação é ao single do "Prelúdio", a canção "Uma Coisa Linda de Morrer", que havia sido a última a integrar o alinhamento do primeiro álbum e já representava uma transição para o piano, para os teclados. Entre nesses novos horizontes instrumentais e cinematográficos que começava a procurar. Há um afastamento óbvio da guitarra, até dessa influência muito grande do cancioneiro do Brasil, da Bossa Nova. Estava a voltar a querer abraçar o jazz, pelo menos nas suas formas contemporâneas menos verticais, mais abrangentes. Comecei a ouvir muito a cena UK Jazz, que é uma mistura muito grande e muito versátil. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Tira o Disco e Toca ao Vivo

A Indústria Musical em Portugal
João Gobern

     A pequena indústria musical portuguesa  mudou muito nas últimas décadas, parece ser esse o diagnóstico  feito pelo jornalista João Gobern. A começar pela ideia de que "antes faziam-se concertos para vender discos. Agora editam-se dicos para conseguir concertos.". A difusão das bandas e dos seus trabahos é a norma visível num tempo em que as plataformas electrónicas de divulgação jogam um papel fundamental no acesso do público às bandas com mais audiência, que depois podem ou não realizar concertos. A edição deste ensaio do antigo director do semanário musical Se7e pertence à Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Do Estudo

 Estudo sugere que primeiro beijo pode ter surgido há 21 milhões de anos
in Jornal Expresso, Lusa. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Ceausescu...até Brejnev

Surda de Eva Libertad

Surda de Eva Libertad, 2025 

 Esta película põe em causa o nosso sentimento básico de vivermos de acordo com a dita normalidade. Àngela é surda e vive uma vida feliz com Héctor, o seu companheiro. Entretanto, eis que chega um novo membro à família e tudo se altera. Eva Libertad consegue dar-nos essa dimensão de inadequação do personagem principal, torna-nos cúmplices desse desconforto ao jogar com o som e o silêncio, a incomidade de quem pouco ou nada escuta. Trata-se de "outro mundo" a precisar de compreensão, quem sabe, outro olhar e, porque não, outro sentir. 

Bestiário dos Rios

BD de Filipe Felizardo
Coletivo Guarda Rios 
   Como podemos conhecer as novas espécies que se encontram nos nossos rios? O Coletivo Guarda Rios fomenta acções artísticas participadas, apelando ao envolvimento das comunidades - caminhadas, dinâmicas de grupo, jogos, desenhos, instalações na paisagem - e que para isso junta gente das artes plásticas, tecnologia, arquitectura, ecologia e outros interessados. Recentemente estiveram nos Açores, na Ilha de São Miguel, na Bienal do Walk&Talk onde apresentaram, conjuntamente com a comunidade escolar da Ribeira Grande, um projecto junto das quedas de água e ribeiras.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Um Poema de Gastão Cruz

 Where are the songs of Spring? Ay, Wheree
are they?
Think not of them, thou hast thy music too.

Keats, To Autumn

Não penses nas canções da Primavera que
duraram o tempo que deviam
é do Outono o som destas planícies
destes corpos talvez demasiado
consumidos

Ouve os frutos da música é o tempo
de nebulosos frutos 
cede às livres tempestades
do vento à 
alegria que te magoa os lábios 

Não penses nas canções da Primavera na
beleza que morre
no veneno da terra
consumirás ainda a parte do meu corpo
mais tardia

A beleza que deve então
morrer 
dentro da alegria escolherá 
ruína terra som melancolia

in "Os Poemas - 1960-2006", Assírio &Alvim.

O Sítio Inverso

Um sítio 
onde o mar corre prós rios
onde a luz que há de dia 
é de noite que alumia

e o verão é a estação dos frios

Um sitio 
Onde as coisas que há de pé 
Estão sentadas 
E onde o vento ao soprar 
deixa as coisas mais paradas

Um sítio branco
um sítio tal que o deserto aqui
é floresta tropical 
e o lume é gelo 
e a montanha vale

Um sítio roxo
um sítio que é o inverso dos lugares 
aqui o são é coxo
e o cego rasga os mares

Inventar um sítio assim:
fazê-lo de tão sábios traços
que ao supores fugir de mim
me venhas cair nos braços
.

João Habitualmente, in  Poemas em Peças - Quase Dito, Fevereiro de 2014. 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Era uma vez uma Capital da Cultura...

       Não havia apenas mais filmes para ver na tela grande, peças de teatro para fruir, bons concertos de música para assistir, mas também muito mais gente envolvida nas ditas actividades culturais, mais gente capacitada para realizar peças de teatro e estar em palco, outras ainda que pudessem arriscar realizar filmes, interpretar papéis no cinema português e estrangeiro, mais juventude a tocar nas filarmónicas, pessoas mais capacitadas para organizar e promover actividades culturais. Sim, é verdade, mais espectadores emancipados, críticos e intervenientes do espaço público, impulsionadores de eventos exigentes, reflexivos, aglutinadores, divertidos, etc. Enfim, que possa ser um momento de partilha e reunião, uma possibilidade de mobilizar e convocar a esperança...

Verso dos Divine Comedy

 The heart is a lonely hunter 

domingo, 16 de novembro de 2025

O Homem de Argila de Anaïs Tellenne

O Homem de Argila, 2023
   Dois  actores surpreendentes, Raphael Théry e Emmanuelle Devos, um cenário bucólico, esteticamente imponente, compõe este instigante filme da  Anaïs Tellenne. O tema gira em torno da arte e os limites do artista na sua relação com o objecto da sua arte, o seu modelo, a sua paisagem. Até que ponto podemos usar o objecto da nossa arte e logo abandoná-lo quando este se encontra concluído? Anaïs Tellenne filma com sensibilidade, sabe esculpir esta narrativa com foros de fantástico mas que é sobretudo um hino à arte, à poesia visual e à criatividade.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Espera-me

Nas praias que são o rosto branco das amadas mortas
Deixarei que o teu nome se perca repetido

Mas espera-me:
Pois por mais longos que sejam os caminhos 
Eu regresso

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Coral, Caminho, 1958.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

O Mundo Aqui: Batucadeiras de Santiago!

           Todos os anos em Novembro, por esta altura, a AIPA (Associação de Imigrantes dos Açores) agrega e promove uma festa com gente de muitas proveniências num único espaço: o Multiusos das Portas do Mar, em Ponta Delgada. É comum encontrar comida, artesanato, artes visuais e muita música para fruir naquele espaço em apenas dois dias. Neste evento podemos saborear as comidas e bebidas dos países e povos que aqui vivem e trabalham – da cachupa à muamba de galinha, da feijoada ao cuscuz, passando pelos tacos, chamuças, ou ainda beber um grogue, provar uma caipirinha ou degustar uma sobremesa como o bolo de coco ou cenoura, tudo é possível nesta gastronomia rica e variada.

Herança di nós Terra
Fotografia de Jorge Kol de Carvalho
  A boa surpresa da edição deste ano foram as batucadeiras, mulheres que nos trouxeram a raiz tradicio
nal da música de Cabo Verde - Herança di nós Terra, oriundos de São Domingos, naturais da Ilha de Santiago e que vieram até São Miguel celebrar o batuco e as suas composições que retratam o seu modo vida, as inquietações e a cultura cabo-verdiana. São, assim, mulheres de todas as idades que utilizam o batuco, expressão musical candidata a património cultural imaterial, e que durante uma hora dançam e cantam num ritmo harmónico e frenético. Animados em palco pela Ineida Sena, que é polícia de profissão, e que nos foi elucidando quanto aos temas e a forma de os “traduzir” a partir do criolo, sobretudo para um público interessado, vibrante e rendido.
         Parabéns, portanto, às batucadeiras de Santiago e votos renovados de estímulo e incentivo aos organizadores desta iniciativa de enorme valor comunitário.

domingo, 9 de novembro de 2025

CAC: Nova Direcção

       "Um aspecto que me parece realmente importante é reforçar a proximidade com a comunidade, com o lugar e, neste caso, com a Ribeira Grande. Precisamos de encontrar formas para derrubar um conjunto de "muros invisíveis". Como referi anteriormente, a linguagem contemporânea não é próxima para a maioria da população (dos Açores), e é fundamental estratégias para chegar a públicos menos familiarizados com o tipo de propostas artísticas que desenvolvemos..
       (...) É fundamental que as crianças e jovens vão ao Arquipélago, mas também que se desenvolva trabalho de proximidade continuado. Um dos grandes desafios de hoje são as dificuldades financeiras associadas ao transporte destes jovens. Os autocarros e transportes públicos são, de facto, um constrangimento, sobretudo na deslocação dos mais novos."

Alexandre Pascoal, in Açoriano Oriental, 9 de Novembro de 2025.

Verso dos WE SEA

Quero o fulgor de velhas canções

Do Medo

        "O medo de sair (da sociedade autoritária do medo) fez com que nunca realmente se saísse do medo. Como se voltou à velha tendência nacional de não conflitualidade social e política, ela infiltrou-se naturalmente na ausência de conflito inerente à sociedade globalizada de controlo. O salazarismo havia obtiddo a supressão dos conflitos com a repressão, mas a passagem actual para a mundialização reactiva a tendência, democraticamente, graças à existência da norma única (que é ausência de norma e de autoridade visíveis)."

José Gil, Portugal, Hoje. O Medo de Existir, Relógio D´Água Edições, 2005

sábado, 8 de novembro de 2025

Alfredo, O Coleccionador de Borboletas

S.A Marionetas
Teatro & Bonecos no CAC

na 2ªEdição do FIO
S
  Ali estavam as crianças e os professores acompanhantes para assistir ao "Alfredo, Coleccionador de Borboletas" pela S.A Marioneta Teatro & Bonecos, sediada em Alcobaça desde 1997. A blackbox estava cheia e ansiosa para assitir às peripécias de um coleccionador de borboletas vermelhas, por sinal  oriundo de um país distante que um dia repara que já não possui as suas duas pernas. Entretanto Alfredo irá deixar de ser lepidopterista pelo seu amor à liberdade e à vontade de ser livre. Um espectáculo bonito, sem dúvida! O texto do espectáculo é de autoria de José Manuel Valbom Gil, sendo a manipulação dos bonecos de José Gil e Natacha Costa Pereira.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Adeus, Gianni Berengo Gardin

 DM: Gianni, conosce la parola portoghese “saudade”? Le dice qualcosa?
GBG: Sì, certo. Credo che alcune mie fotografie possano indurre un simile sentimento.
 in FALTA fanzine, 2018, Tradução Eva Giacomello.
        
          
      Gianni Berengo Gardin faleceu no Verão deste ano, com 94 anos. Só me dei conta do seu trabalho fotográfico em solo açoriano, decorria o ano de 2018 e foi um acontecimento surpreendente dado que desejei de imediato conhecer a sua obra e entrevistá-lo para a FALTA fanzine, uma publicação com seis números que um grupo de amigos se disponibilizou a editar. Trabalhávamos, portanto, nas Oficinas de São Miguel no número inicial da fanzine FALTA quando nos deparámos com uma mala cheia de revistas da publicação alemã intitulada Mare. Entre elas o número 18 - uma edição dedicada àquela cidade “familiar e estrangeira”, de seu nome Veneza. Ele ficaria para sempre conhecido pelo “fotógrafo de Veneza”, apesar de ter nascido na Ligúria, tendo editado ao longo de 50 anos de carreira mais de 250 livros, tal como aquele em que expõe a sua descaraterização pelo turismo de massas -“Veneza e le Grande Navi”.
        Naquela edição da revista Mare soltava-se, assim, o nome de Gianni Berengo Gardin, encontrando-se por lá alguns registos fotográficos das construções venezianas sobre o mar, as gôndolas que varrem a paisagem líquida desta cidade italiana, o Vaporetto com gente de todas as classes, os jovens clérigos que passeiam pelas avenidas, outros jovens reunidos na praia do Lido a ouvir música desde uma grafonola. Demorou pouco tempo até procurarmos a origem e biografia deste fotógrafo. O fascínio pelas suas imagens fez com que gostaríamos que este estivesse presente no número 1 da nossa revista marcada pelas artes gráficas. Será que ele aceitaria?
        O pedido da entrevista começou por ser feito através da sua Agência Fotográfica, Contrasto, que só depois de algum tempo nos concedeu o contacto pessoal de Gianni. A resposta demorou – foi necessário enviar o nº0 da FALTA – mas o remetente vinha carregado de amabilidade e generosidade. A verdade é que um dos mais antigos fotógrafos italianos em actividade tinha acedido conversar com uma fanzine/revista sediada no meio do atlântico. A sua filha, Susanna Gardin, conhecida por tratar do acervo fotográfico de seu pai, fez-lhe chegar as perguntas bem como nos enviou, prontamente, as respostas. Entretanto, o encarte pretendido não se consumou, pois havia uma verba envolvida que não conseguíamos comportar. Sobraram duas belíssimas fotografias para o interior da revista e a certeza de que lhe endereçaríamos um exemplar.
        A satisfação da curiosidade, nesta entrevista inesquecível, deu-se pela  afirmação de uma fotografia enquanto “documento, testemunho do mundo em que vivemos” e do trabalho do fotógrafo feito de estudo nesse “aprender como ver e contar as coisas”. O espanto surgiu do seu desconhecimento de Portugal ainda que conhecesse (e bem!) a obra de Gérard Castello-Lopes ou que reconhecesse nas suas próprias fotografias um sentimento semelhante à  saudade. Logo na abertura do mês de Agosto passado, Gianni Berengo Gardin deixou de fotografar…o futuro dir-nos-á da sua importância!

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Viva a Democracia sem pancadaria 

Verso de Garota Não

 Abram portas e janelas 

Da Proximidade

      "Sabendo que as políticas sociais têm mais hipótese de eficácia quando desenvolvidas em proximidade, seria importante mapear o concelho para identificar zonas sensíveis ao abandono escolar, pobreza e droga, e criar equipas de intervenção para intervir no terreno."

Rui Pedro Paiva, in Carta Aberta ao Futuro ou um Ensaio Sobre a Passagem do Tempo,  in Avenida Marginal (Re) Imaginar Ponta Delgada, edição Artes&Letras, Julho de 2025.

E à Esquerda Nada de Novo?

     "Catherine Connoly, Zohran Mamdani ou até Sónia Nicolau, de Ponta Delgada, podem mostrar que há outra formas de inclinar a escolha política para outro lado, mas são exceções a uma regra de desnorte. Se na semana passada, quiséssemos olhar para a regra, bastaria evocar o fim ao ralenti de Mariana Mortágua, ou a dispersão de candidaturas presidenciais à esquerda, para qual o Livre deu mais um incompreensível contributo embrulhado num processo de decisão esdrúxulo. Claro que que António José Seguro também não ajuda, surdo ao apelo de Nanni Moretti de dizer "qualquer coisa de esquerda". Uma falta de coragem e de clarividência que também é regra."

David Pontes, in "E à Esquerda Nada de Novo?", editorial Público, 27 de Outubro de 2025. 

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Fim de Semana com o Fuso Insular

         O mar está revolto neste final de Outubro, após queda de tantas águas e enxurradas com prenúncio de tempestades para o Inverno  que se avizinha. 
         O Fuso Insular existe há sete anos mas esta é a sexta edição do Laboratório da Imagem, atividade que decorre durante o verão e que tem, no final de Outubro, o seu apogeu com a apresentação dos trabalhos visuais dos seus participantes. Com propostas pessoais, autobiográficas ou relacionadas com o arquipélago em questão, as obras mostram-nos o empenho e a criatividade de quem se submete ao olhar e escrutínio de quem assiste. A realizadora convidada deste ano foi Cláudia Varejão, que nos deu a conhecer os seus dois documentários mais recentes - "Haverá Eleições" e "Kora". O primeiro é uma deliciosa montagem de imagens de arquivo e depoimentos sobre as primeiras eleições livres em Portugal (92% de participação), com especial pendor no feminino. O segundo é uma visão testemunhal de mulheres estrangeiras que habitam no nosso país - as suas alegrias, dores e sentimentos de quem deixou a sua vida anterior para trás e que procura, nestas paragens, uma nova vida com paz e esperança. Esta última é, sem dúvida, uma peça documental de fina beleza e com a música delicadíssima de Joana Gama.

"De Perto Ninguém é Normal" no Ribeiragrandense

  De Perto Ninguém é Normal, uma comédia "obssessiva" de Laurent Baffie com encenação de Rafael Medrado, teve lugar no último fim de semana no Teatro Ribeiragrandense. A peça, situada num consultório de um psicanalista, dá-nos a ver um grupo de pacientes que são portadores de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Numa conjuntura social algo fascinada pelo tema da Saúde Mental, mas pouco eficaz nas suas soluções, a peça encontra facilmente eco, riso e público assegurado. O palco é, assim, espelho das nossas sociedades contemporâneas que assentam muitos dos seus comportamentos sociais na demonstração da eficácia, produtividade ou perfeição, no entanto, escondem nas suas estranhas um número cada vez maior de indivíduos fragilizados, imperfeitos e reticentes à noção de falha ou fracasso. Entre a dor interior e a medicação farmacológica  são muitos os que nos vão mostrando que "De Perto Ninguém é Normal". Foi nisso que apostou esta encenação plena de boa disposição e criatividade de Rafael Medrado bem como o seu elenco, algo "transtornado", mas muito seguro e inspirado - André Melo, José Jorge, Katarina Rodrigues, Marta Aguiar, Nuno Pequeno Rei e Pilar Silvestre. Em jeito de conclusão e, tal como diz o poema, "e...se fossemos rir de tudo?". 

sábado, 25 de outubro de 2025

As Ondas

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim

Sophia de Mello Breyner Andresen 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

17

A notícia irrompia como uma fenda numa estrutura. Estava estirado num cadeirão, à frente do computador e o nome da rua era jogo da bola. A urgência vinha do outro lado da linha, a diligência urgente pela aceitação do horário, ao mesmo tempo implicava a despedida rápida de pessoas e o desfazer de coisas para a prontidão da viagem. Lembro-me como se fosse hoje: a humidade altíssima, a escassez de ar, a diminuição de energia, a lassitude dos dias ainda estivais, o confronto com o mormaço, que transformava tudo em suor, em cansaço. A interrogação inicial girava em torno do tempo, a adaptação à vida insular, passando da estalagem para o hotel como se não houvesse mais nenhum lugar disponível. À memória salta, pois, a visão idílica da baía de Porto Pim, com mergulho e paragens certas no café Vinte. Eram os primeiros passos, as impressões essenciais do colosso do Pico, uma respiração desconhecida, original, fundamental. Não era a primeira vez, mas foi como se fosse. 

Ontem, escrto numa parede da cidade

 Mais vale vivo do que mal acompanhado

Das Flores

Ainda não se olhou o suficiente para as flores, para um caule de erva,
ainda não se deu a atenção devida à natureza.
Uma flor é umu universo de beleza.
Ver, ver...como se fosse a primeira vez.
A cor, fantástica.

Lourdes Castro, in "Existe Luz na Sombra", CAC, 2025

Sobre Goiabas e Migrações

     “Raramente pensamos nisso, mas os Açores são, porventura, o mais perfeito exemplo do resultado dos fluxos migratórios. Nada é autóctone. Tudo veio de algum lado. É um primeiro ponto.
         Antes de haver Atlântico nem as ilhas existiam. Foi preciso e tem sido preciso haver vulcões e erupções para aparecerem terras à superfície do oceano. Até a própria lava migra das profundezas, se quisermos ver isso em termos poéticos, misturando-se material magmático de anteriores erupções e criando, alterando, acrescentando as ilhas e os seus territórios.
        Quanto às plantas, mesmo as hoje descritas como endémicas, resultaram essencialmente de sementes deixadas por aves de arribação, e tudo se foi instalando, com tempo e vagar, acabando por formar aquele ambiente que Gaspar Fructuoso refere como existente à data do povoamento, nas suas “Saudades da Terra”.
        Chegados os humanos e verificando que frutas e cereais não existiam, coisa essencial à sua subsistência, toca de plantar essas e outras novidades onde melhor lhes parecia. Primeiro foram coisas do velho mundo, depois começaram a ser as que as viagens marítimas iam tornando conhecidas, sempre de cada vez mais longe.”

Francisco Maduro Dias, in “Sobre goiabas e migrações", Açoriano Oriental, 20 de Outubro de 2025.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Uma Capa

Ilustração de André Carrilho
Capa do Público 
Domingo, 5 de Outubro de 2025
     

Da Dissimulação

      Dissimular o que se é, simular o que não se é...Isso implica inegavelmente não dizer - nunca o que se pensa e o que se crê; e também : dizer - sempre - o contrário. 
Alexandre Koyré, in Reflexões sobre a Mentira, frenesí, 1996.