quarta-feira, 16 de julho de 2025

Verso de Filipe Furtado

 Diz-me se a dor desvanece

Dos Gregos

     "Não há como imaginar o mundo sem a contribuição da Grécia. Está nos mares, nos céus...Não nos conseguimos livrar dos gregos."

Theodor Kallifatides, in Público, 3 de Julho de 2022

Nómadas de Naná da Ribeira

Não resistem por ali muito mais tempo 
Ouvem das casas de passagem ordem de despejo
Mudam-se vezes sem conta e com eles surge 
A vontade de serem lidos em silêncio 
Duvidam, pois, do tempo que ali permanecerão 
Ainda que transportem visões, anseios, melancolias
Sobejando utopias, acalentam permanências 

terça-feira, 15 de julho de 2025

Antero de Quental

para ti era a chama e não o fogo,
a arca secreta da verdade, 
lugar coberto de dor e pó de lágrima,
onde a memória guarda o sudário do futuro.

Emanuel Jorge Botelho e Urbano in a vida e uma manhã, Publiçor, 2010.

Sistema Naturae#45 de Urbano

Urbano 
Técnica mista sobre tela 
 


As Amoras de Sophia de Mello Breyner

O meu país sabe a amoras bravas 
no Verão
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce 
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo 
me traz amoras bravas 
os seu muros parecem-me brancos 
reparo que também no meu país o céu é azul 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Ciclo Imaginário de Cinema ao Ar Livre(2)

       O segundo filme deste ciclo imaginário de cinema ao ar livre seria para “Maria do Mar”, uma curta-metragem de João Rosas, realizada em 2015, seguido de “The Florida Project”, Sean Baker. O primeiro aborda a adolescência de Nicolau (Francisco Melo), a vida de um jovem que acompanha o irmão mais velho e amigos, num fim de semana estival até à cidade de Sintra. Esta curta-metragem continua a ser uma delicada estranheza, muito pela cumplicidade com que o personagem Nicolau vai estabelecendo com o espectador ao longo do filme. Agora que João Rosas estreou “Vida Luminosa”, e que completa a trilogia, seria de bom tom mostrar este “Maria do Mar”.  Quanto a  “The Florida Project”, o filme de 2017 do super oscarizado Sean Baker, é um fortíssimo cartão postal para conhecer a obra deste realizador. Trata-se da história de uma pequena criança de seis anos de idade, Moonee (Brooklynn Prince), que partilha com a mãe Halley (Bria Vinaite) um apartamento de um motel a beiras com a fantasia da Disney World. Podemos mesmo dizer que não há melhor projecto de enfrentamento de uma canícula abafada e lassa. Este filme é o retrato de uma Flórida à margem, com as contradicções e as típicas aventuras de um mundo precário e plastificado, em que a Disney World surge como a glorificação do desejo humano.

Verão de Naná da Ribeira

Voltamos lestos antes que tudo isto acabe
Estamos agora onde devíamos estar
Ruas nuas, praias de basalto quente 
Arde a fogueira interior dos vulcões
Onde a lassitude impera e o salitre cura 

terça-feira, 8 de julho de 2025

Citações

       É bom ter livros de citações. Gravadas na memórias elas inspiram-nos bons pensamentos.
Winston Churchil (1874-65), in Notícias Editoral. 

domingo, 6 de julho de 2025

Quarteirão de PDL: A Energia a Despontar

        
Fotografia de Carlos Olyveira
     A Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada reuniu no seu interior, num dos seus múltiplos espaços, um conjunto de fotografias sobre o Quarteirão de PDL. As fotografias encontram-se, assim, espalhadas pelas paredes e pilar de uma sala dedicado à música e aos filmes, sendo que  o seu número é bastante considerável tal como os seus autores. O que une estas fotografias é a memória dos que aqui vivem, trabalham, convivem e usufruem deste espaço citadino que ganhou relevância com a abertura do espaço aéreo, a 29 de Março de 2015. Nascia ali um novo espaço de convivialidade, um lugar feito de cumplicidades e abraços, brotavam quotidianamente encontros, projectos, vontades criativas. Eram uma nova energia que despontava, naquele conjunto de ruas com gente dentro e que começaria a designar-se por O Quarteirão. Tenho, por isso, uma memória viva daquele fulgor, ainda que rápida e fugaz, é certo, mas retenho sobretudo uma lembrança de pessoas, acontecimentos e a uma variada panóplia de actividades artísticas a acontecer. Das muitas coisas por ali vividas, relembro duas ou três situações que gostaria de evocar – a peça na Galeria Miolo “Será que Podemos Controlar o que os Outros Pensam de Nós?”, com o João Malaquias a solo na Galeria Miolo, o Henrique António  vestido de Filípides, bem como os demais, para a performance/exposição fotográfica “Alvo Périplo Rua Abaixo Movimentado”, da trupe da Sala de Embarque e  do fotógrafo Jorge Kol de Carvalho junto da Igreja do Colégio ou ainda as fotografias do Carlos Olyveira que, quotidianamente, fotograva os seus novos habitantes e espaços. 

sábado, 5 de julho de 2025

Sobre o Caos

         "Em sociedades onde a ameaça é maior, a expectativa é menor e as pessoas não têm tanto medo. O medo é psicológico, somos muito medrosos. Agora andamos cheios de medo dos imigrantes. Têm o mesmo papel que teve os toxicodependentes dos anos 1990, quando andei nos bairros. É o papel do diabo à solta, que veio provocar caos na nossa ordem. Temos sempre que polarizar numa figura qualquer algo que não sabemos resolver que é o caos. Desde o nosso caos interno ao caos social. O nosso caos interno resolve-se projectando as nossas paranoias em quem temos à nossa volta: no filho, na mulher, no sogro, no patrão, na empregada doméstica...a projecção social das frustrações de uma sociedade que não funciona bem, fazemo-la na figura do outro. Hoje, o outro  é o migrante que vem de longe. Não o migrante europeu, não é o norte americano. Não é o sueco que compra casa no Algarve. São aqueles indivíduos que vem para aí  e que, coitados, têm de sobreviver com os os restos que sobram para eles."

Luís Fernandes, entrevista de João Pacheco, Revista do Expresso, 3 de Junho de 2025.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

A Ilha de Almeida Firmino

Sempre o mesmo horizonte 
-mar, névoa, a ilha em frente
Dizem os garajaus ao voltar
Que não mais será diferente 
in The Sea Within, Gávea-Brown, 1983. 

Crepúsculo na Ilha de Marcolino Candeias

 I
O dia morre como se adormecessem vozes 
nas bocas dos animais 
tecidas
num esvoaçar de sons 


II
O lavrador vestido de suor
planta no bater da estaca 
o gesto último
de querer prender à terra toda a sua vida
 

III
No cheiro a erva 
um sonoro subtil soar do silêncio 
brota um crepúsculo de flores esmagadas 


IV
No ar
paira um odor calado a maresia
in  The Sea Within, Gávea-Brown, 1983.

Ciclo Imaginário de Cinema ao Ar Livre (1)

       Todos os anos, quando a permanência no interior das casas se torna insustentável, dou por mim a imaginar a programação de sessões de cinema ao ar livre, isto é, a propor à minha freguesia de bairro uma selecção de filmes que primem pela qualidade narrativa, uma banda sonora irrepreensível, boa cadência e ritmo cinematográfico. É claro que não posso descurar que haja uma boa amplificação do som e que estejamos todos bem sentados. Assim, será uma boa sessão de cinema ao ar livre em que nada possa ficar de fora. Então, a sessão inaugural teria o filme de Emir Kusturica, Gato Preto, Gato Branco, realizado em 1998. Pela película andam ciganos que habitam nas margens do Danúbio, os seus negócios mal afamados com os russos, desvios de comboios com gasolina de Belgrado com destino à Turquia, uma atiradora furtiva que atira aos barcos sobre as águas e ainda Dadan, o patriarca da comunidade que possui um harém. Enfim, a desbunda típica dos filmes de Kusturica com muita música e charangas à mistura.

domingo, 29 de junho de 2025

Verso de Maia Friedman

 I would sense you there, but you wouldn´t care 

Da Saúde

        "O problema não é a escassez de camas ou profissionais. É a ausência de políticas públicas com rosto humano. Falta-nos saúde de proximidade, apoio social continuado, articulação entre as instituições. As autarquias sabem quem são, onde vivem, o que precisam, mas não têm meios para intervir. O Estado empurra para o terceiro sector, que responde como pode, muitas vezes com boa vontade, mas com meios limitados e serviços inconsistentes. A caridade não pode substituir o que é - deve ser - público."

João Mendes Coelho, médico-psiquiatra, in Açoriano Oriental,  dia 29 de Junho de 2025. 

terça-feira, 24 de junho de 2025

Verso de Nicola di Bari

 Il mondo è grigio, il mondo è blu 

Projecto de Rui Costa

Fernando comprou um livro de poesia com oitocentas páginas
mas só conseguiu ler quinhentas

António sonhou com o Evereste na magnitude
mas só precisava de mudar uma lâmpada 

Rita imaginou um poema para Fernando 
mas só tinha que aceitar o jantar de quinta 

A lâmpada pensou que era um poema
e fundiu-se sem iluminar a sala 

Luís aproveitou a escuridão da sala
para dizer a Rita um poema com montanhas 

Trezentas páginas que nunca foram lidas 
arquitectam com a lâmpada a salvação do mundo

in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Quasi Edições, Março de 2005. 

Queixa de um Utente de José Miguel Silva

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já. não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
Já não me lembro se o médico
me disse ser esta a receita indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for, 
não estou a ver resultado nenhum.

in Ulisses Já Não Mora Aqui, &etc Edições Culturais do Subterrâneo, 2002.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Um Poema de Mário Cesariny

Dicen?
Olvidan.
No dícen?
Envídian.  

Hacen?
Fatal
No hacen?
Igual.

Para que 
`Sforzar?
Todo es 
Hurgar. 

in O Virgem Negra, Assírio&Alvim, 1989

Sagres de Jorge Sousa Braga

Só tenho uma ponta de
cigarro para fumar
E para apagá-la:
todo o mar.

in  O Poeta Nu, 2014. 

domingo, 22 de junho de 2025

O Que Faz Falta...

      "O que faz falta é reconhecer que o outro pode ter a sua verdade, embora discordemos dela. Sem calçar os sapatos do outro não há diálogo ou negociação possível, nem nas sociedades nem no casamentos. A polarização não responde a argumentos lógicos, racionais; é um problema de emoções. Porque as discussões estão condicionadas pelo filtro do medo, do ódio, do preconceito, assentam na ideia de que o outro é um inimigo, com quem não podemos chegar a nenhum tipo de acordo. A polarização é também ela uma guerra, com a sua violência específica. Clausewitz definia a guerra como imposição da nossa vontade ao inimigo."

Antonio Monegal, in "As Guerras Começam na Linguagem", A Revista do Expressso, 30 de Maio de 2025.  

sábado, 21 de junho de 2025

Timoneiro: Um Postal Antibelicista!

         
Cartaz daqui: http://www.cinemadg.com
    Actualmente há
 bombas a cair e aviões nos ares do Médio Oriente, um desassossego que não cessa, no entanto há sempre quem pense que a vida bem poderia ser outra coisa. Outra coisa certamente muito melhor do que guerras, fome, desespero e caos. Já passaram, no entanto, dez anos da estreia de Timoneiro, um filme de Majid Esmaeli-Parsa, rodado no Irão em  2015. Filme visto na sala de cinema do Teatro Ribeiragrandense, esta adaptação cinematográfica de um original do escritor norte americano Philip Roth,  narra a história de uma criança de onze anos que, após o desaparecimento do pai, depara-se com a possibilidade de recuperar o navio famíliar para o aniversario paterno, onde à sua frente se encontra o Lago de Urmia enxuto. Não tarda nada e outras crianças seguirão os passos de Hassan e com a sua amizade erguerão aquele projecto em marcha.
       O realizador Majid Esmaeli-Parsa filma, portanto, o seu pequeno herói Hassan naquela paisagem árida, onde a ausência da água, a seiva da vida, condena o futuro de quem ali vive ao fracasso. A esperança reside, pois, nas crianças, na aprendizagem escolar do quotidiano, são elas que nos dão a uma nova visão poética do mundo. A poesia surge aqui sob a forma de acções quotidianas comuns - a pintura do navio, a dança em conjunto, o conto das histórias, a beleza de uma paisagem em ruínas. Timoneiro é um retrato duro, cruel, expressa na ansiedade de quem espera por algo que quer muito e de que vive dos seus pequenos detalhes, da música que aparece e desparece, daquele teatro de sombras e dos gestos e  feições que nos vão eternecendo. Mesmo com algumas fragilidades narrativas, Timoneiro é um belíssimo postal poético e propositivo de um novo mundo antibelicista.

É oficial: Começou o Verão!

Garajau Rosado, Andorinha-do-mar-rósea 
Nome Científico: Sterna Dougali 
Fotografia:
Ricardo Guerreiro
in Avifauna no litoral dos Açores
(Amigo dos Açores) 
 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Avenida Marginal: Contos à Beira-Mar!

      
     Saiu em Abril do ano passado e tem na capa a ilustração Rapaz do Calhau, de João Amado, numa edição que conta com a coordenação de Maria Helena Frias e, da sua casa editora, a Artes e Letras. A publicação Avenida Marginal vai, assim, no seu número cinco  e esta edição contou com um conjunto de narrativas em torno das ilhas e dos ilhéus. Esta súmula de contos/ficções apresenta diferentes autores, quase todos eles relacionados com este território insular: Alexandre Borges, Carlos Bessa, Carolina Bettencourt, Catarina Ferreira de Almeida, Herberto Gomes, Judite Canha Fernandes, Leonardo Sousa, Luiz António Assis Brasil, Maria Brandão, Maria das Mercês Pacheco, Marta Ávila e Teresa Canto Noronha.
      A leitura de Avenida Marginal abre com o conto Demónios à Tua Beira-Mar, de Alexandre Borges, onde é retratado um ambiente sui generis de conferências, bebidas brancas e psicólogas, com diabretes à mistura. Segue-se Aurea Mediocritas, do poeta Carlos Bessa, numa descrição de uma relação longínqua e prolongada no tempo, marcada pelo desgaste e pela rutura. A presença do futebol na ilha, a força deste desporto e das suas paixões, pressente-se em Capitão de Equipa, de Carolina Bettencourt. A autora Catarina Ferreira de Almeida compõe um retrato de uma mulher virada para o mar, com uma história intitulada Memória de uma Onda. O conto Enganos e Desenganos de Desidério Domingos traz-nos a primeira ficção de Herberto Gomes, jornalista de profissão, que nos conta a história de um soldado que falha na sua missão, no entanto cumpre o seu  traumático regresso a casa carregado de aventuras. Em Carta de um Vulcão para o Mundo, Judite Canha Fernandes, expõe na ficção a presença e influência do Vulcão dos Capelinhos na vida insular aquando da sua erupção, a partir de alguém que hoje lhe envia uma carta. Whatever People Say I Am, de Leonardo, é uma narrativa ficcionada e autobiográfica de uma improvável personagem, de seu nome  Biografia. Curiosa é também a conversa que o brasileiro Luiz António de Assis Brasil, mantém com a ilha, com este espaço e, mais concretamente, com escritor José Martins Garcia, neste caso em modo Grapefruit. Embuste é a proposta de Maria Brandão, autora micaelense que ironiza por aqui a sua relação com a editora da casa, evitando as "divagações íntimas", mas onde ambas têm muitas cumplicidades passadas. Daqui do Alto, de Maria das Mercês Pacheco, é um conto vivenciado no passado em que este "é um vulcão adormecido sob lençóis de cinza e musgo; o futuro, a promessa de incandescência". Um cheirinho da natureza extrema que, por vezes aqui se vive, é contada em Há Anos que Não Ne Lembrava de um Dia Assim, por  Marta Ávila. Esta rica e variada plêiade de autores e narrativas termina com o texto A Touca Branca, de Teresa Canto Noronha, num mergulho singular à sua infância insular com sabor a “salada de atum, com maionese, rosbife, e gelados da carrinha que apita ao pé do bar”. 
      É, sem qualquer dúvida, uma boa leitura de estio e, com páginas suficientes, sobretudo para que estas se possam encher de areia negra e fina, para lá da Avenida Marginal!

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Erik Satie: Arcueil por Joana Gama

     Arcueil era o o bairro parisiense onde vivia Erik Satie, o músico peripatético da transição do século XIX para o século XX. A música dele assemelha-se a um passeio contemplativo e filosófico constante, aproximando-se do ritmo humano nas caminhadas e paragens, sendo esta uma actividade preferida do músico para se inspirar enquanto transportava o seu guarda-chuva, fizesse sol ou chuva, talvez um da centena de exemplares que deixou como herança na sua modesta casa. 
  Joana Gama, pianista portuguesa, dedicou-lhe, aliás, continua a render-lhe concertos vários e diferentes evocações carregadas de afinco e solenidade. Nste disco, editado pela Mia Soave, a pianista coloca Satie a dialogar com outros autores da sua estima: John Cage, Morton Feldman, Vítor Rua, Marco Franco ou Frederico Pompou. A acompanhar as gravações há ainda os desenhos e as gravuras de Ricardo Jacinto, André Laranjinha, Vítor Rua, Nuno Moura, Tiago Cutileiro e Marco Franco. Um disco para ouvir e sentir enquanto as flores rebentam e os árvores se enchem de pássaros ao fim da tarde. Boa audição. 

Música para Encerrar a Primavera

-Andata async, 2017 - Riuchy Sakamoto
-Diver - Dwellers On The Threshold, 2002 -Tarwater
-Verdes Anos remix part 1 e 2 - Bairro da Ponte, 2019 - Stereosauro (Com a participação de Dj Ride)
-Andava Eu - Rapaz da Montanha, 2025 - Rodrigo Leão (Com a participação de Francisco Palma)
-Recomeçar - Recomeçar, 2018 - Tim Bernardes
-In My Mind -Ruhige Music, 2022  - The Wallners
-Spike Island - More, 2025 -The Pulp
-Tao - Drama, 2025 - Rodrigo Amarante
-Ada - Como se Matam Primaveras, 2025 - Trio Filipe Furtado
-O que fomos e o que somos - O que fomos e o que somos, 2024 -  Lena d'Água
-Russian Blue - Goodbye Long Winter Shadow, 2025 - Maia Friedman
-Good Old World (Gypsy)Night on Earth, 1992 – Tom Waits e Kathleen Brennan
-Nocturno das 7 - Amplitude, 2016 - Danças Ocultas e a Orquestra Filarmonia das Beiras  

terça-feira, 17 de junho de 2025

Maravilha: O Festival da Ilha do Faial!

         

     Começou hoje o Festival Maravilha(https://festivalmaravilha.pt/), na Horta, Ilha do Faial. A organização pertence à Associação Cultural Fazendo que há seis anos celebra a condição atlântica de tão importante centralidade naútica. Durante quatro dias a cidade insular enche-se de festa, música, diversão, cinema, arte urbana e criatividade. Lembro-me, por isso, da sua edição debutante em que narrei para o Fazendo a minha relação com os barcos e veleiros que atracavam naquela incansável marina das ilhas do Triângulo.
        
    Infelizmente, o Boletim Cultural Fazendo já não sai faz tempo...teve 108 edições! Eram cerca de quinhentos exemplares distribuídos gratuitamente, sendo que esta versão impressa abarcava, para além do Faial, o Pico, a Terceira e São Miguel. Aqui este escriba associou-se ao projecto em 2009 - os seus conteúdos giravam em torno da arte, da atividade cultural e da ciência - ao participar em mais de meia centena de números com a escrita de crónicas, entrevistas, reportagens e artigos variados. O Fazendo, como carinhosamente lhe chamávamos, foi uma tocha no meio do oceano, essa emanação de uma possível coesão arquipelágica quase sempre carregada de utopia e ilusão. Uma maravilha, portanto!

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Orgias de Praga: A Privação de Liberdade!

Daqui: https://www.filmcenter.cz
         O título envia-nos para um ambiente estranho, ali para os finais de 70 do século passado, numa das capitais mais bonitas da Europa Central e que se encontrava a viver um regime opressor e totalitário. Alguns anos antes, Alexander Dubcek, antigo Chefe de Estado da comunista Checoslováquia, forçou uma abertura do regime e logo seria esmagado pelos tanques soviéticos. Aquele período ficaria marcado pela “Primavera de Praga”, mas seria sol de pouco dura já que o regime se tornou cruel para os dissidentes e o ar tornar-se-ia irrespirável. E a razão do título, melhor, a razão do filme? Um escritor judeu norte-americano viaja para Praga à procura avidamente de um manuscrito inédito que lhe trará histórias de um país asfixiado, privado de liberdade. A trama adensa-se com o final do filme em que a inevitabilidade da expulsão do escritor  Nathan Zuckerman (Jonas Chernick), conclui o processo de sufoco presente em todo o drama. Realizado por Irena Pavlásková, o filme foi decantado do romance do escritor Philip Roth,  com o mesmo nome. Uma película que, sem ser muito entusiasmante, valeu pelo reavivar de memórias de quem por ali passou nos idos anos 90.

domingo, 15 de junho de 2025

Noite na Terra: Há Salsifré no Táxi!

       Decorriam os anos noventa do século passado quando "Night on Earth" estreou e este foi, certamente, o filme mais amado pelo público, no que toca a Jim Jarmusch. Cineasta de nicho, "Night on Earth" trazia para o grande público o realizador de "Stranger Than Paradise" ou "Down By Law", a partir de cinco narrativas no interior de táxis em cinco diferentes cidades, a saber: Los Angeles, Nova Iorque, Paris, Roma e Helsínquia. A música é de Tom Waits e nas interpretrações encontramos: Winona Rider, Gena Rowlands, Giancarlo Esposito, Rosie Perez, Armin Mueller Stahl, Isaac de Bankolé, Béatrice Dal, Roberto Begnini (o incrível táxista romano!) e Matti Pellonpaa. 
       "Noite na Terra" é, antes de mais, uma película que nos remete para a riqueza da diversidade humana, tal é o  encanto na sua revisão três décadas depois. Não é um filme genial mas é um hino à compreensão e tolerância humanas neste tempo de rejeição da diferença e o desprezo pelos mais frágeis e vulneráveis.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Descalça vai para a Fonte de Luís Vaz de Camões

Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
 
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
 
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Terra Natal de Rui Lage

A bacia range sob o peso da roupa 
que há muito a mãe já não lava
nas águas da terra natal. 

in Berçário, Quasi Edições, 2004.

No Inimigo Público do Expresso...

"Velejador açoriano que terminou volta ao mundo em iate durante sete anos desolado por perceceber que António Costa não fez as reformas estruturais.

   O velejador Norberto Serpa partiu numa volta ao mundo quando o primeiro minsitro António Costa tinha apoio parlamentar de toda a esquerda, tendo o açoriano deixado o seu país em boas mãos, apenas para descobrir esta semana, ao regressar de sete anos de viagem, que Portugal está pior, tendo mesmo dado boleia no veleiro a uma grávida dos Açores para ir ter o filho a uma maternidade pública de Lisboa. Já um aviador açoriano que deu a volta ao mundo durante sete anos ficou espantado ao descobrir que não podia aterrar nos novos aeroportos internacionais de Lisboa do Montijo, Moita e Alcochete."   

 V.E. in Inimigo Público, Jornal Expresso,  3O de Maio de 2025.  

domingo, 8 de junho de 2025

O Novo Flâneur de Ana Hatherly

 O novo flâneur urbano
herdeiro 
do velho alegorista baudelariano
deambula 
pelas grandes superfícies
do consumo 
onde se exibem
da produção
os ruidosos traços 

Aí 
tudo está encenado
e entre a carência e a oferta
personagens principais
deste espectáculo
o novo flâneur
contempla 
e depois sucumbe 
no mercantil mar iluminado
onde cintila
a avidez jamais satisfeita 
do mais querer 

Porque algo sempre falta
e o desejo 
tudo dilacera 
numa batalha
de antemão perdida
em que o sangue-frio 
não serve p´ra nada.
II
O novo flâneur
navega 
num informático oceano
feito de simulacros
de imaginadas redes de sentido

Olha o écran
o novo espelho 
que figura e desfigura 
o seu medo maior

Onde é que há 
um espelho que tranquilize?
A imagem é só ela:
uma constelação de impasses
um palimpsesto 
feito de interfaces

in Itinerários, Quasi Edições, 2003.

Da Insensibilidade

      "Somos constantemente bombardeados por imagens de violência que se tornam parte daquilo que consumimos nos media, ao lado de anúncios, pinturas, poemas ou bocados de diálogos. E com tantas atrocidades a acontecer no mundo, o modo como as enfrentamos é importante. Como chegamos a este lugar onde podemos parar e pensar, onde podemos estar nessa solidão, encontrar o nosso centro moral? A resposta está em parar de consumir, de agarrar no telefone, de abrir o computador, de olhar para fora de nós mesmos. Porque parte da insensibilização acontece através do consumo, mediado hoje pela tecnologia."

Samantha Rose Hill, em entrevista a Luciana Leiderfarb, in Revista do Expresso, dia 6 de Junho.

Verso de A Garota Não

Tudo começa numa estrada que termina no Alaska 

Ferry Gold, 2025 

Verso de Anna Järvinen

Ge mig hopp, ge mig tro, ge mig nåt

sábado, 7 de junho de 2025

Yuzin: Junho Verde Alface

Capa da Yuzin
Mês de Junho, 2025
          A Yuzzin do mês de Junho  mostra-nos uma ilha em movimento, um conjunto de atividades para que nos possamos deixar levar pela sua modesta “movida cultural”. Desta vez, aposta numa capa colorida onde sobressai o verde claro e vibrante, típico das planícies açorianas por esta altura. É hora, pois, da meteorologia fazer o seu caminho, dado que foi um Inverno demasiado longo e nublado, momento para guardar as roupas mais quentes e sair à rua com outras mais arejadas. Esta agenda é, sem dúvida, um serviço público que é prestado à comunidade micaelense, já que permite estar atento à diversificada programação estival insular. Com tanto festa em impérios, bailaricos e festivais fora de portas, não faltam  escolhas para ver, ouvir, sentir, ou, simplesmente, contemplar.

Ontem, escrito numa parede da cidade

Os miúdos largam balões ficando apoquentados os aviões

Andrea Santolaya: A Ilha de Sam Nunca

         
Homem Pássaro, 2023
Não há sorrisos nestas fotografias e não há nenhum problema nisso. Só rostos fechados, pés e asas em movimento, gente dorida em romaria, dia de festa ou celebração. É a ilha, o arquipélago, é Rabo de Peixe longe dos holofotes mediáticos e dos preconceitos sociais. Enquanto observadora atenta, Andrea Santolaya destaca o fascínio de quem aqui aporta e faz o registo de quem se aproximou e acaba por se deparar, muitas vezes, com a lonjura, o fechamento e a separação. Esta é, sem qualquer dúvida, uma sensibilidade particular, um mergulho bem fundo na interioridade que precisamos saber apreciar.
       Esta súmula de fotografias intitulada “A Ilha de Sam Nunca”, de Andrea Santolaya, é para levar a sério, digna de um espelho comunitário, tem tanto de real como ficcional, que até parece exclusivamente verídica! Há, no entanto, uma fotografia de cortar a respiração - três mulheres, aparentemente trata-se de uma mãe e duas filhas, encontram-se junto à porta e paredes de uma casa da freguesia, pintada com as cores da bandeira nacional – aqueles rostos magoados e esgares cerrados é pura poesia visual! Creio que foi Roland Barthes que afirmou que se uma fotografia nos prendesse um minuto que seja da nossa a atenção, isso revelaria  a  intencionalidade e relevância daquele gesto! E que gesto! 

Nota: As fotografias encontram-se expostas no Museu Carlos Machado (Núcleo de Santo André) e na Galeria Fonseca e Macedo

domingo, 1 de junho de 2025

Verso dos Pulp

 Spike Island come alive by the way 

Da Saúde

      "Quanto mais doente for uma sociedade, quanto mais desesperadas estiverem as pessoas, mais elas querem ser saudáveis. 70% dos adultos americanos tomam um medicamento. Comem lixo! A cultura vende-lhes lizo para comer! E o stress aumenta por causa dessa comida. Claro que as pessoas estão desesperadas por serem saudáveis. Mas não estão à procura das causas, estão só a ver os efeitos."
Gabor Maté, in Ípsilon, 2 de Maio de 2025. 

Factory

         
        "A música da Factory (Joy Division, A Certan Ratio, Durutti Column, Crispy Ambulance, Repetitio) tem sempre prazer na languidez, estende-se muito por toda a parte, na chaise longue mal estofada da existência, estimulando-se com pitadas parcimoniosas de rapé, e procurando lentamente uma expressão lúgrube e calmamente tenebrosa para o deleitamente depressivo de massas estudantis. Se António Nobre estivesse vivo e tocasse umas bacalhoadas, a Factory mandaria um emissário a Portugal, de contrato e gabardina na mão."

Miguel Esteves Cardoso, in Escrítica Pop - Edição Completa, Bertand Editora, 2022. 

Ontem, escrito numa parede da cidade

 O Bem Amalado

sábado, 31 de maio de 2025

CPC PDL26: Como será?

  "Desarticulada do Ministério, e desvinculada do tema que lhe deu propósito; perdida a experiência e contactos que o processo CEC27 trouxera; extemporânea à Bienal do Walk and Talk; num começar de novo sem tempo nem dinheiro; sediada no continente; assalariada pelo Coliseu Micaelense; restringida ao munícipio de Ponta Delgada, quando até o Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas fica de fora; esquecido do munícipio o lugar de sócio fundador de Serralves; forçada da erosão que as eleições autárquicas lhe provocarão, por sujeita aos empurrões dos candidatos; a Capital Portuguesa da Cultura/PDL26 facilmente se alinhará ao colo do Coliseu, mamando na sua sua programação, reconfigurando a cultura, em espectáculo, como "Lugar do Amanhã", a que Mário Vargas Losa se referiu."

Jorge Kol, in Açoriano Oriental, 31 de Maio de 2025.

Domingos Rebelo e Luca Sampayo no Centro Municipal de Cultura de PDL

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Uma Visão Alegre destes Dias

Anteontem houve deslocação até ao Casino Açores para ver a exposição “Cor e Fantasia: Um Guião para a Utopia’, do pintor micaelense, Carlos Carreiro. Com o barulho das slot machines ininterruptamente presente,  primeiramente o foco foi para os títulos e, só depois, para os delírios figurativos e cromáticos da sua pintura. De seguida, o natural mergulho naquele humor que é parte daquela inesperada fantasia e que compõe a narrativa surrealista dos seus quadros. Uma verdadeira folia policromática reveladora de um universo singular. Para quem escreve, Carlos Carreiro será sempre o pintor do políptico presente na Sala de Sessões Plenárias da Assembleia Regional dos Açores bem como o autor da capa do álbum “Valsa dos Detetives”, do agrupamento pop GNR, editado em 1989, com a belíssima faixa “Morte ao Sol”. Por agora, as pinturas e quadros de Carlos Carreiro merecem uma renovada e merecida atenção.
     Algum tempo depois, o destino foi a Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada para assistir ao lançamento da obra “Crónicas Alegres”, de Manuel Zebrone. Estas crónicas foram escolhidas e organizadas pelo historiador Carlos Lobão e o escritor Urbano Bettencourt, com a chancela do Núcleo Cultural da Horta. Éramos poucos na assistência para tão valioso objeto em presença e nem por isso os palestrantes deixaram de incitar e estimular tão alegre leitura. É que Manuel Zebrone, senhor de uma verve muito particular, questiona-se na crónica 86 deste seu livro: “A minha pena, sempre que lhe pego para escrever uma crónica, pergunta-me invariavelmente: «Esta semana o que temos?». E nós...o que temos no cardápio? Certamente o dever de o ler!

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Da Moderação

           "A moderação perdeu encanto. Exige contenção, compromisso, tempo num tempo frenético, a mediania parece fraqueza.Vivemos entre extremos."

João Mendes Coelho, in Açoriano Oriental, 26 de Maio de 2025. 

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Nulos e Brancos

           "Contexto. No passado dia 18, não votaram nos Açores, cerca de 130 mil inscritos (mais 6 mil do que em 2024), o que não é novo, mas se somarmos todos os votos dos partidos com propostas populistas iliberais o resultado ultrapassa, folgadamente, o segundo partido mais votado, e isso já é novo e desafiador. 
      Ninguém notou, mas o quarto partido mais votado foi o dos "brancos e nulos", com 4.178 votos a subir, consistentemente, desde 2022, o seu resultado superou 10 partidos. Acredito que se esses muitos concidadãos, ainda, se deslocam às urnas é porque acreditam no processo democrático, mas espantam-me que não se decidam por um mínimo denominador comum perante 13 opções no boletim do voto."

Guilherme Marinho, in "E se o Povo quiser ir para o Inferno?", Açoriano Oriental,  26 de Maio. 

Verso de Rui Machado

teria amado o destino de pássaro

in Língua dos Frutos e dos Peixes, Espaço xxi, 1995, Ponta Delgada.  

domingo, 25 de maio de 2025

Em Nome da Terra de Dorota Kobiela & Hugh Welchman

           O desconhecimento completo  da origem e  género deste filme despertou ainda mais a curiosidade à medida que se viu a ação da película ser transformada em animação, por sinal, toda ela pintada à mão. Os autores do filme, Dorota Kobiela & Hugh Welchman,  já tinham realizado “A Paixão de Van Gogh”, 2017, utilizando a mesma técnica de animação e pintura a óleo. 
         A narrativa de “Em Nome da Terra”, 2023, acompanha a saga e a tragédia da jovem aldeã, Jagna (Kamila Urzedowska), sendo esta portadora de uma graciosidade singular, para além da sua vontade de autonomia e exaltação da liberdade em período de amarras e tradições. Esta animação pretende, por isso, ser um retrato de uma monótona aldeia polaca do século XIX, as suas hierarquias, os defeitos e virtudes de uma sociedade campestre no centro da Europa. 

sábado, 24 de maio de 2025

Música Para o Findar de Maio

-Who Knows Where The Time Goes - Sandy Denny, 1967 - Sandy Denny

-Love, Try Not To Let Go - Pre Pleasure, 2025 - Julia Jacklin

- Happiness - Live at Revolution Hall, 2024 - Adriane Lenker

-Este País Não é para Mães - Ferry Gold, 2025 - A Garota Não

-Se Por Acaso - 1970, 2007- J.P.Simões&Luanda Cozeti 

-Lilac Wine -Wild is the Wind, 1966 - Nina Simone

-Te Recuerdo Amanda - mid-eighties, 1983 - Robert Wyatt

-Hoje Já Não é Tarde - Salvador&Sílvia, 2025 - Salvador Sobral&Sílvia Pérez Cruz

-Mohabbat - Vulture Prince, 2021 - Arooj Aftab

-Jelena Solun Devojko - Songs of Thessaloniki, 2015 - Savina Yannatou

-Ge mig hopp, ge mig tro, ge mig nåt - Sex, 2024 - Anna Järvinen

-Pra Não Falar Mal - Novo Mundo, 2025 - Arnaldo Antunes e Ana Frango Eléctrico

-Malaika -Myriam Makeba Live in Paris, 1977 - Miriam Makeba

Verso de Fred Neil

 The old world may never change 

A Saudade de Rolando de Viveiros

É um suave misto de tristeza 
e de dor, de vago ansiar e nostalgia...
misto de indefinível poesia, 
de esperanças, de sonhos, de incerteza...

É uma sensação, bem portuguesa,
de que se morre, um pouco, dia a dia...
Lembrança triste de uma simpatia,
que, para sempre, n´alma ficou presa...

É um sentimento vago e nebuloso,
em que há um não sei quê de misterioso,
cheio de encanto e de suavidade...

...Só quem, em vão, aspira a um bem ausente,
ou que, um dia, amou sinceramente,
pode saber, ao certo, o que é - saudade! 

in Versos, 1979.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

O Silênco dos Poetas de Naná da Ribeira

Os poetas andam estranhamente silenciosos 
à mingua de versos e vocábulos, calaram-se
ninguém os ouve ecoar no futuro  
nem mesmo em Primaveras amargas, inconsistentes,
segregam prestimosos ecos sensíveis do seu ofício
recusam elevar-se em saltos substantivos ou 
dar piruetas metafóricas 

Absolutos requerentes de cuidados e atenção
os poetas foram subtraídos, 
olvidados,
já não reivindicam estações de poesia 
a febre dos fenos e a fruta da época 
adormecem à sombra de uma lenhosa árvore 
hibernam de promessas e serenas canções
até que a tinta das raizes lhes exploda
pela grafia escorreita 
nos dedos das mãos.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Cartas da Suécia: o que mudou?

 
    “Os Suecos sentem evidentemente orgulho na maneira de ser única da Suécia, no seu papel de vanguarda no panorama internacional. Tal soa bastante americano, não é verdade?  Mas o deles é um tipo muito diferente de orgulho. Os americanos revestidos também dum sentido de supremacia única como nação e da sua identificação com a virtude, não só consideram a sua própria virtude como exportável, mas possuem ainda um mandato para a sua exportação (e lucram com a mesma: imperialismo). Os suecos vêem-se a eles mesmo exemplares num estilo mais passivo. Não estão nem em posição nem dispostos, por temperamento, a exportar agressivamente aquilo que eles praticam – costumes sexuais pós-puritanos, bom gosto e generosidade para as artes, planeamento económico racional, justiça social sem atritos, cuidado com o ambiente urbano-,mas aguardam com confiança os inevitáveis movimentos da história que levarão outras nações a imitá-los. O que acontece na Suécia, tem-me sido dito por mais de um sueco, acontece cinco, dez, ou quinze anos mais tarde em qualquer outra parte adiantada do mundo.”

Susan Sontag in “Carta da Suécia, Suécia: Mito Ou Realidade?”, cadernos d. quixote, 1969.

          "Suécia? Um dos países europeus mais seguros e acolhedores enfrenta na atualidade uma das maiores crises securitárias da Europa, com o número de crimes com armas de fogo ser apenas ultrapassado pela Albânia. Cada vez mais jovens são recrutados por gangues de traficantes de droga e a situação atingiu tal ponto que o governo decidiu aprovar uma lei que permite à polícia pôr escutas em telemóveis de menores de 15 anos. Uma advogada sueca confirmava: As crianças já não estão a usar as mochilas para levar livros, antes para transportar o mercado de droga sueco nos seus próprios ombros."

Ana Cristina Leonardo , Ípsilon, Jornal Público, 16 de Maio de 2025

FUSO INSULAR 2025

Informações aqui: https://fusovideoarte.com/
 

terça-feira, 20 de maio de 2025

Ilustração de António Pedro

 

O Interior

             “Os candidatos a primeiro ministro dos maiores partidos, nos bocadinhos que tiram à pressa para vir ao interior durante a campanha eleitoral, falam sobre como estas regiões importam, sobre o perigo da desertificação, sobre os transportes públicos que quase não temos e sobre o envelhecimento da nossa população. Mas na hora em que, efectivamente, podem fazer alguma coisa e dar-nos pelo menos um voto com a mesma representatividade do litoral, escolhem antes ficar sossegadinhos e não mexer no que está instituído. Porque antes do interior estão eles e os interesses do partido.
             O interior? É bonito! Eles depois voltam cá nas férias.”

 Carmen Garcia,  in Público, 18 de Maio de 2025

sábado, 17 de maio de 2025

NAPA: Deslocados Venceremos!

     É uma canção bonita, inusitada para este tipo de certame, à semelhança de Amar pelos Dois de Salvador Sobral, cantada em português, com um significado etéreo e intenso, aquela que nos irá representar no Festival da Eurovisão, logo à noite. Quem é que neste país de gente errante nunca se sentiu "deslocado" que ponha o dedo no ar? Quem é que não se revê nesta nostaclgia dolente de uma voz anasalada a pedir um coro geral? Por isso, serão muitos os estudantes, professores, portugueses emigrantes ou viajantes que irão entoar estes versos: "Por mais que possa parecer/ Eu nunca vou pertencer àquela cidade/ O mar de gente, o Sol diferente/ O monte de betão não me provoca nada/Não me convoca casa". Só por isso, já ganharam!

Verso de Cátia Mazari Oliveira

 é preciso colocar bondade em dia 

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Em Escuta...

Ferry Gold, 2025
A Garota Não
A primeira audição de A Garota Não foi de absoluta surpresa: alguém que assumia o legado dos grandes cantautores nacionais – José Mário Branco e José Afonso. “Liberdade/querida Liberdade/ o nosso chão tem sonhos e vontade”, cantava Cátia Mazari Oliveira acompanhada  pela guitarra de Sérgio Miendes. Para além dessa assunção da herança, havia a firmeza de trilhar um caminho próprio, um desejo de partilhar canções que estivessem focadas na esperança e na transformação. Uma voz de veludo que nos incitava à urgência e à resistência de viver num país com tanto por mudar e concretizar.  
       O disco “Ferry Gold”, o terceiro de originais da “Garota Não”, chegou via caixa do correio. São 19 temas carregados de colagens, citações, apropriações, interlúdios e demais montagens. O CD, mais o livro, foram “costurados à mão, papel reciclado, muita paciência e amor”, com a assinatura do Artwork e costura da Ana Polido, contém ainda no seu interior as pinturas a óleo por Joana Batista. Para já, o tema “Alaska”, poema de João Quadros, encontra-se em modo repeat: “tudo começa numa estrada que termina no Alaska”. Em escuta atenta!