segunda-feira, 3 de julho de 2017

Um Verso de Rui Duarte Rodrigues

Tardes de queda amortecida 

Ontem, escrito numa parede da cidade

Quem tem dinheiro nunca passa fome

Do Estudo de Si Mesmo

         "O neoliberalismo fez as pessoas vaidosas, narcisistas e competitivas e fá-las pensar bastante em si mesmas e a maior parte das vezes, pensar em nós mesmos é uma perda de tempo. A única maneira útil de pensar em nós mesmos é em relação a outras pessoas, o modo como somos afectados por elas e as afectamos com o que fazemos. O estudo de si mesmo só faz sentido quando nos faz pensar em nós e nos outros enquanto unidade, em relação. Quando penso nessas imagens no facebook penso que essas pessoas nunca sabem qual é o valor da solidão porque estão sempre a tentar ser validadas. É desesperante."
Hanif Kureiishi in Ípslon, 30 de Junho de 2017.

sábado, 1 de julho de 2017

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Ítaca

Quando saíres a caminho da ida para Ítaca,
faz votos para que seja longo o caminho,
cheio de aventura, cheio de conhecimentos.
Os Lestrígones e os Ciclopes,
o zangado Poséidon não temas,
coisas assim no teu caminho não acharás nunca,
se o teu pensamento permanecer elevado, se emoção
requintada o teu espírito e o teu corpo tocar.
Os Lestrígones os Ciclopes,
o selvagem Poséidon não encontrarás,
se com eles não carregares na tua alma,
se a tua alma não os colocar à tua frente.

Faz votos para que seja longo o caminho.
Para que sejam muitas as manhãs de verão
Nas quais com que contentamento, com que alegria
entrarás em portos vistos pela primeira vez;
para que páres em feitorias fenícias,
e para que adquiras as boas compras
coisas de nácar e coral, de âmbar e de ébano,
e essências de prazer de qualquer espécie,
quanto mais abundantes puderes essências de prazer;
para que vás a muitas cidades egípcias,

Deves ter sempre Ítaca na tua mente.
A chegada ali é o teu destino.
Mas não apresses em nada a tua viagem.
É melhor durar muitos anos;
e já velho fundeares na ilha,
rico do que ganhaste no caminho,
sem esperares que te dê Ítaca riquezas.

Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem Ítaca não terias saído ao caminho.
Mas já não tem para te dar.

E se um tanto pobre a encontrares, Ítaca não te enganou.
Sábio como te tornaste, com tanta experiência,
Já hás-de compreender o que significam Ítacas.

Kostandinos Kavafis, edições Relógio D´Água, tradução, prefácio e Notas de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis.

Ontem, escrito numa parede da cidade

-E que tal o Alaska?
-É frio!

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Resposta a Janeiro Antes Deste ir a Banhos

Caro Janeiro Alves,

Acuso a recepção entusiasta da sua ferial missiva, típica de um homem que sabe que só o verão vale a pena e que esta é a mais louca, livre e estouvada das estações. Na canícula, creio, temos tudo para sermos felizes excepto os grilos. Nada contra os seus cânticos mecânicos e repetitivos mas desconfio que na infância suportava muito melhor o seu rebarbativo rumor. De certeza que e, fazendo jus à sua carta estival sobre os doutores e engenheiros que partiram de férias e que não mais regressaram, estes deverão, pelo menos, lembrar-se do trilar, ou melhor, do “gri-gri” de outros verões.
Também eu, amigo Janeiro, continuo entusiasmado com o turismo e sobretudo com a sua capacidade de irradiação. Imagine só que há instantes, nesta cidade em que me calhou viver, me vieram interrogar se estaria disponível para vender esta missiva que me encontro a escrevinhar para si. Segundo o casal de jovens turistas, no seu país de origem desconhecem já o que é a caligrafia e o próprio acto de escrever missivas em esplanadas. Este acto quotidiano tornou-se, porventura, excêntrico. Por sinal, até me queriam oferecer bom dinheiro mas disse-lhe que podiam fazer um registo fotográfico e que procurassem um lugar na sombra. Curiosamente, enquanto insistiam na aquisição da missiva, o empregado do café proferiu num português arrematado e doce: “Vocês querem é mamar!”. Estes, embebecidos e discretos, afastaram-se da mesa sem antes dizer: “You are really an artist!”
E o aluguer de casas? O meu amigo nem queira saber mas há dias passei nas ruas do agora denominado "Centro Histórico" e reparei que as casas onde tinha morado são agora sítios de alojamento local. Ainda bem que fui salvo a tempo pela nossa amiga Miriam que me arrendou um pequeno tugúrio baratinho junto do mar e que me serve, essencialmente, para assentar a moleirinha e o costado durante a noite. 
Por último, auguro-lhe assim umas férias inesquecíveis e espero que volte pois estou já a salivar pelo envio dum tupperware de filetes de peixe que seguramente me enviará da cidade mais piscatória do sotavento algarvio: Olhão!
 Com elevada estima,
Doutor Mara

Uma Ferial Missiva de Janeiro Alves

Caro Doutor Mara,

Noticio-lhe de forma entusiasta o seguinte acontecimento: Eu, Janeiro Alves, vou de férias. Finalmente ausentar-me-ei da minha presente localização geográfica, para surgir num desses resorts com tudo incluído e abanadores de folha de palmeira, vestido a rigor e preceito, com camisa às flores e colar ao peito. Já tenho comigo os panfletos, e posso dizer-lhe que o empreendimento para onde vou é de segmento alto, bem climatizado e bem frequentado, e com ambiente exótico e ornamentos tropicais, apesar de ser no Algarve junto a uns estaleiros navais. Se o Doutor pudesse vislumbrar estas fotos coloridas de encher o olho, poderia fazer uma pequena ideia da sensação caribenha que me invade neste momento. E imagine que tudo isto não me custará um tostão! Apenas tenho de ir levantar o voucher a um hotel aqui nas redondezas, e assistir a uma pequena reunião de apresentação de um colchão. É coisa para meia hora.
Doutor Mara, neste momento tenho os olhos como que raiados de sangue e o coração a palpitar como uma criança, pela efémera e ilusória felicidade proporcionada por esta incursão ao fantástico mundo do turismo. Já me imagino bronzeado a dançar quizomba junto às piscinas com as belas monitoras e animadoras culturais. Vai ser demais, Doutor! Debruço-me porém sobre uma problemática, a meu ver razoável dentro daquilo que são os padrões superiormente estabelecidos para a boa saúde mental, mas esgotante neste meu processo de circunstancial euforia: E se eu não voltar? Conheço alguns indivíduos que foram de férias e nunca mais voltaram. Inclusivamente Doutores e Engenheiros, que estavam bem na vida. O mais longe que tenho ido ultimamente é a Sacavém, e como o Doutor bem sabe, tenho uma certa tendência para viver as consequências do meu constante deslumbre. Hoje posso ter uma certa contenção, amanhã já não. Hoje sou o respeitável Senhor Janeiro, boa tarde, como está, prazer em vê-la, e amanhã já sou o Janeirinho rei da festa da espuma, venha mais uma, esta pago eu!
Mas se bem me conhece, não me deixarei vencer por esta grave e hipotética situação. Estou neste momento a fazer as malas onde, pelo sim pelo não, incluo um fato completo, que usarei apenas em situações extremas de necessidade de reposição do meu estatuto e dignidade.
Por fim, manifesto o desejo de saber da sua pessoa, e de como espera atravessar o período estival. Aceitarei a sua habitual resposta - “esperarei sentado que passe a correr” – pois sei que aprecia mais a frescura outonal e as folhas caducas a crepitarem por debaixo dos seus sapatos italianos de cetim afivelados, e assim nada mudará e tudo ficará como sempre foi, ou seja, na mesma. Mas conjecturas à parte, aguardarei a sua resposta enquanto saboreio um cocktail à beira da piscina e lavo as vistas com cloro de alta qualidade.
Deste seu amigo em turismo,
Janeiro Alves 

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Dois Poetas do Norte da Europa

 Difícil de dizer

Difícil de dizer que tudo é sem sentido
para um homem que sabe que um sentido
viria a mudar tudo.

Um dia o teu nome será ungido
pelo mar!
O mundo perdeu o seu teor salino
mas a tua boca tem um gosto a sal.

Lars Forssell

No Outono

No Outono
ou na primavera –
o que é que importa?
O mar respira tão pesadamente
O mar fica tão polido depois disso
As catástrofes esquecem-se tão rapidamente
depois disso e a partir de agora

Gunnar Ekelof

(Tradução de Vasco Graça Moura)

Do Roubo do Tempo

           "Procuro alguma pureza do estado de decadência em que estamos a viver. Por outro lado a minha fotografia é também uma forma de resistência à violência do progresso, que está a roubar-nos tempo. Já não há tempo para pensar, só queremos o fútil."
Paulo Nozolino