Caro Doutor Mara,
Noticio-lhe de forma entusiasta o seguinte
acontecimento: Eu, Janeiro Alves, vou de férias. Finalmente ausentar-me-ei da
minha presente localização geográfica, para surgir num desses resorts com tudo incluído e abanadores
de folha de palmeira, vestido a rigor e preceito, com camisa às flores e colar
ao peito. Já tenho comigo os panfletos, e posso dizer-lhe que o empreendimento
para onde vou é de segmento alto, bem climatizado e bem frequentado, e com ambiente
exótico e ornamentos tropicais, apesar de ser no Algarve junto a uns estaleiros
navais. Se o Doutor pudesse vislumbrar estas fotos coloridas de encher o olho,
poderia fazer uma pequena ideia da sensação caribenha que me invade neste momento.
E imagine que tudo isto não me custará um tostão! Apenas tenho de ir levantar o
voucher a um hotel aqui nas
redondezas, e assistir a uma pequena reunião de apresentação de um colchão. É
coisa para meia hora.
Doutor Mara, neste momento tenho os olhos
como que raiados de sangue e o coração a palpitar como uma criança, pela
efémera e ilusória felicidade proporcionada por esta incursão ao fantástico
mundo do turismo. Já me imagino bronzeado a dançar quizomba junto às piscinas
com as belas monitoras e animadoras culturais. Vai ser demais, Doutor! Debruço-me
porém sobre uma problemática, a meu ver razoável dentro daquilo que são os
padrões superiormente estabelecidos para a boa saúde mental, mas esgotante
neste meu processo de circunstancial euforia: E se eu não voltar? Conheço alguns
indivíduos que foram de férias e nunca mais voltaram. Inclusivamente Doutores e
Engenheiros, que estavam bem na vida. O mais longe que tenho ido ultimamente é
a Sacavém, e como o Doutor bem sabe, tenho uma certa tendência para viver as
consequências do meu constante deslumbre. Hoje posso ter uma certa contenção,
amanhã já não. Hoje sou o respeitável Senhor Janeiro, boa tarde, como está,
prazer em vê-la, e amanhã já sou o Janeirinho rei da festa da espuma, venha
mais uma, esta pago eu!
Mas se bem me conhece, não me deixarei
vencer por esta grave e hipotética situação. Estou neste momento a fazer as
malas onde, pelo sim pelo não, incluo um fato completo, que usarei apenas em
situações extremas de necessidade de reposição do meu estatuto e dignidade.
Por fim, manifesto o desejo de saber da
sua pessoa, e de como espera atravessar o período estival. Aceitarei a sua
habitual resposta - “esperarei sentado que passe a correr” – pois sei que
aprecia mais a frescura outonal e as folhas caducas a crepitarem por debaixo
dos seus sapatos italianos de cetim afivelados, e assim nada mudará e tudo
ficará como sempre foi, ou seja, na mesma. Mas conjecturas à parte, aguardarei
a sua resposta enquanto saboreio um cocktail à beira da piscina e lavo as vistas
com cloro de alta qualidade.
Deste seu amigo em turismo,
Janeiro Alves
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