domingo, 3 de dezembro de 2017

Ricardo Ribeiro no Teatro Micaelense: Voltar ao Sul!

       

       Não sei exactamente de onde vem aquela voz, a origem daquele longevo eco, mas lembrei-me do sul. Lembrei-me ocasionalmente do flamenco, viajei também pelas ruas e becos de Alfama, Mouraria e Madragoa. Dei por mim a entrar nas casas de fados, a sentir o cheiro da mistura, da mestiçagem, a calcorreear os degraus e as pedras da calçada da cidade antiga. Apaixonei-me de novo pelas memórias olisiponenses e fui transportado de livre vontade para a desalmada mágoa, a paixão e vício do gosto de existir. Embalado por aquele gesto que, diga-se, julgo ser sido intenso e genuíno, rendi-me perante aquela postura e o timbre dolente daquele canto. Por instantes, o sul era um local palpável, tangível. E...era a voz de Ricardo Ribeiro que me servia de transporte. 

Agradecer Basta

         “É justo e de bom-tom agradecer algo que nos dão ou um serviço que nos prestam, por mais insignificante que este seja. Pode ser uma convenção, mas não o é apenas: representa sempre um gesto de cortesia e de civilidade que sela uma espécie de pacto de entreajuda entre pessoas que se entendem e respeitam. E é também o reconhecimento do esforço do outro. Sempre o fiz e continuo a fazer, mas o inverso – agradecerem-me por aquilo que ofereço a alguém – tem vindo ultimamente a ocorrer cada vez menos vezes, em especial com interlocutores que detêm uma conceção utilitarista da vida social ou têm dos outros uma imagem instrumental.”

Rui Bebiano, in A Terceira Noite, 17 de Novembro de 2017

Um Verso de Morrissey

Please, please, please let me get what I want 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Raul Brandão nos Açores

              
                   «Vinte e seis anos depois da primeira edição, o referido artigo de Pedro da Silveira num prestigiado suplemento literário, em Junho de 1953, não foi suficiente para motivar um editor - nacional ou regional - a reparar no livro, pese embora a ênfase  colocada nas suas qualidades: "Não hesito em classificar as Ilhas Desconhecidas como dos maiores livros portugueses de literatura de viagens de todos os tempos da Literatura Portuguesa.(...) Ao pé disto, tudo o mais que estranhos escreveram acerca dos Açores é música desafinada. As belas páginas de Chateaubriand sobre a Graciosa, o livro dos sagacíssimos Joseph e Henry Bullar, o americano Webster, os escritos de Alberto do Mónaco, de Knud Andersen e de tantos outros podem considerar-se quase nada ao pé de As Ilhas Desconhecidas.»
pequeno excerto do texto "Raul Brandão e os Açores" de Vasco Rosa, in Revista Atlântida, 2017.

Da Ética

    "Deixou de haver ética na criação artística. Deixou de haver compromisso. Deixou de haver sangue. É raro encontrar-se uma obra, mesmo de menor qualidade estética, em que se sinta a preocupação de comunicar."
José Mário Branco, in Ípsilon, 1 de Dezembro de 2017.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

À Noite Vou Cantar à Namorada

À noite vou cantar à namorada
canções que a Lua canta na altura de namorar
ela acha ela acha muita piada
quando eu à noite as vou cantar

Canções que a Lua canta na altura de namorar
à noite eu vou cantar à namorada
ela assoma ela assoma com a continuação era notada
quando eu à noite as vou as vou cantar

E ela acha ela acha a isso muita piada
e eu lá as vou eu lá as vou cantar
que ela à noite ela assoma com a continuação era notada
e a continuação era notada não é para desperdiçar

Assim quando alta noite a Lua é já luar
e ela aparece toda amarrotada
eu imagino-a nua a se deitar
a das canções à noite namorada.

António Gancho, in 'O Ar da Manhã [Semblance]', edições Assírio&Alvim.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Da Atlântida

         
Revista Atlântida com capa de Luís Godinho
"Precisamos de estimular a criação de nova música açoriana., os seus criadores e a comunidade artística em geral. Criar referências contemporâneas, valorizar territórios, defender novos valores, estimular-lhes a experimentar, fazer, mostrar e dar-lhes plataformas de expansão dos seus projectos e carreiras. Eles não são o "artista local" dos cartazes das festas que estão antes das estrelas nacionais e internacionais. Eles são a possibilidade perto de ler o mundo, e de levá-lo além, eles são os Açores de agora. Eles carregam o mundo. Precisamos deles para fixar os artistas na região, despertar a curiosidade do público, envolver a população nos processos artísticos, reforçar a nossa identidade cultural e a identificação das nossas comunidades com a cultura e os seus processos de renovação. Precisamos da nossa comunidade artística para escrever de novo e de novo a nossa história. Eles são o tertemunho do nosso tempo aqui e agora."

António Pedro Lopes, in Revista Atlântida, 2017

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Sobre as lideranças

         "As lideranças ocidentais não têm mostrado criatividade alguma. Mas encontro enorme criatividade na China, por exemplo na ideia que tiveram de convidar todo o mundo a usar a nova rota da seda, a infra-estrutura de estradas e caminhos de ferro e portos que estão a construir. Com esse projecto eles conseguiram abrir África muito mais do que em todo o período do colonialismo. Claro que não estão a fazê-lo só por generosidade, estão à espera de recolher os seus lucros. Mas estão a mostrar como se podem  encontrar novas oportunidades. E os africanos estão gratos. A China tem a vantagem de tratar os africanos de uma maneira muito diferente e melhor do que fizeram os britânicos, os franceses, os belgas, os portugueses. O que se passou no (período colonial) não foi nada bonito." 
Johan Galtung, in Público, 24 de Novembro de 2017

sábado, 25 de novembro de 2017

Esplanada

Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

Manuel Pina, in 'Um Sítio onde Pousar a Cabeça'.

Do Contexto

       "É verdade que uma pessoa se habitue ao conforto de um hotel, de um voo, etc. Quando nos habituamos a que alguém tome conta de nós, tornamo-nos um pouco mais ignorantes. Mas pensei sobretudo no modo como representamos os pobres no cinema, que é muito sentimental e não é forçosamente verdade: os pobres são mais solidários uns com os outros, etc. Não quis retratar os pobres de modo sentimental, nem criticar as classes altas. Acho apenas que todos nos comportamos de acordo com a posição que temos na sociedade, ao longo de uma hirerarquia económica. Pensamos em nós próprios como indivíduos livres independentemente do contexto em que vivemos mas a verdade que estamos completamente dependentes desse contexto." 
Ruben Östlund, in Ípsilon, 24 de Novembro de 2017

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Novembro Teima em Despedir-se

Fotografia de Carlos Olyveira
Novembro teima em despedir-se, faço-lhe a vontade, inclino a cabeça para o futuro e avisto navios no horizonte. Não tarda nada entrará Dezembro, o último mês do ano. A água do mar está mais quente do que aquela que corre no chuveiro. A temperatura do ar continua irrepreensível, permitindo-se em jeito de reflexão pensar no frio que virá... ou será que não teremos frio? Bebemos agora muito muito mais chá já que assumimos que os dias são curtos, os agasalhos alinhados, e eis que a claridade esvai-se muito cedo. De súbito, estremecemos com a passagem dos dias que cortam o fôlego de tão lestos, ansiosos e demasiado rápidos sem darmos conta. Entramos assim na recta final do ano dezassete deste século XXI.
Celebramos, portanto, a melancolia típica da estação. Julgamos ser este o mês dos fotógrafos, dos pintores, dos músicos e das artes que exultam esta morrinha existencial tão própria do Outono. Por isso a cidade é lugar de exposições, espaço de renovação deste nosso olhar que queremos atento, na busca curiosa ou demanda das artes visuais na contemporaneidade. Que arte e artistas para este tempo? Em lugar de visionamento e contemplação ali está, no Núcleo de Arte Sacra, a exposição de fotografia “Prece Geral”, mergulho interior nas imagens veneráveis e privilegiadas de Daniel Blaufucks aquando andou em visita pelo Mosteiro da Cartuxa. Em exibição também e, até à Primavera do próximo ano, ficará “Interior/Exterior”, com curadoria de Nuno Marques da Silva e Luísa Cardoso, que nos revelam a riqueza e singularidade das obras presentes nas colecções do Museu Carlos Machado. Visitamos a mostra com essa delicadeza da ocupação do espaço e o cheiro a criptoméria, aproveitando assim para ver obras de artistas plásticos - Ana Vieira, Domingos Rebelo, Tomaz Borba Viera, Ernesto Canto da Maia, Duarte Faria Maia, Pedro Palma, entre tantos outros que aqui viveram, vivem ou por aqui deixaram obra. Do mesmo modo, que quem quiser ver os animais que vivem à noite enquanto dormimos, pode sempre dar um salto à Miolo, galeria multi-artes, na rua Pedro Homem, e assistir assim à proposta de Mariana Lopes, que regressa muito mais intimista, quase secreta, fortalecida neste seu trabalho solitário e luminoso, percorrendo veredas e mato, em busca dos segredos escondidos da Ilha do Faial. Ao observarmos esta exposição retiramos outra perspectiva/abordagem imagética do arquipélago e, talvez por isso, estas imagens necessitassem de uma maior amplitude e profundidade.
Ainda nestes últimos dias de Novembro, para lá das castanhas nos pratos e o vinho tinto nos copos, aqui esteve em delícia, sumptuosidade e arrojo -“Viagens na Nossa Terra",  recital de Joana Gama, interpretando obras de Amílcar Vasques-Dias e Fernando Lopes Graça, mais aquela tarde de sábado com sonhos e pesadelos de “Nocturno”, num espectáculo de Victor Hugo Pontes e Joana Gama, a partir das surpreendentes composições sonoras de João Godinho. E...agora que recordamos as promessas por cumprir no ano que vai rapidamente encerrar, conviria recordar que, muito embora o fim deste ano esteja próximo, sempre nos restam os versos de Ruy Belo: "Não temas porque tudo recomeça/ Nada se perde por mais que aconteça / uma vez que já tudo se perdeu”.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Enquanto o novo disco não chega...

Pedro Lucas e Carlos Medeiros
         

              "Ou como dirá Carlos Medeiros: "Fala-se da música tradicional como algo distante, lá do campo. Não vejo a "música do povo" como distante. Quem sou eu? Eu sou do povo. Quando falo da música tradicional falo da minha música e mudá-la não faz de mim menos genuíno ou autêntico."


in Visão, 16 de Novembro de 2017