Não sei exactamente de onde vem aquela voz, a origem daquele longevo eco, mas lembrei-me do sul. Lembrei-me ocasionalmente do flamenco, viajei também pelas ruas e becos de Alfama, Mouraria e Madragoa. Dei por mim a entrar nas casas de fados, a sentir o cheiro da mistura, da mestiçagem, a calcorreear os degraus e as pedras da calçada da cidade antiga. Apaixonei-me de novo pelas memórias olisiponenses e fui transportado de livre vontade para a desalmada mágoa, a paixão e vício do gosto de existir. Embalado por aquele gesto que, diga-se, julgo ser sido intenso e genuíno, rendi-me perante aquela postura e o timbre dolente daquele canto. Por instantes, o sul era um local palpável, tangível. E...era a voz de Ricardo Ribeiro que me servia de transporte.
domingo, 3 de dezembro de 2017
Agradecer Basta
“É
justo e de bom-tom agradecer algo que nos dão ou um serviço que nos prestam,
por mais insignificante que este seja. Pode ser uma convenção, mas não o é
apenas: representa sempre um gesto de cortesia e de civilidade que sela uma
espécie de pacto de entreajuda entre pessoas que se entendem e respeitam. E é
também o reconhecimento do esforço do outro. Sempre o fiz e continuo a fazer,
mas o inverso – agradecerem-me por aquilo que ofereço a alguém – tem vindo
ultimamente a ocorrer cada vez menos vezes, em especial com interlocutores que
detêm uma conceção utilitarista da vida social ou têm dos outros uma imagem
instrumental.”
Rui Bebiano, in A Terceira Noite, 17 de Novembro de 2017
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Raul Brandão nos Açores
«Vinte e seis anos depois da primeira edição, o referido artigo de Pedro da Silveira num prestigiado suplemento literário, em Junho de 1953, não foi suficiente para motivar um editor - nacional ou regional - a reparar no livro, pese embora a ênfase colocada nas suas qualidades: "Não hesito em classificar as Ilhas Desconhecidas como dos maiores livros portugueses de literatura de viagens de todos os tempos da Literatura Portuguesa.(...) Ao pé disto, tudo o mais que estranhos escreveram acerca dos Açores é música desafinada. As belas páginas de Chateaubriand sobre a Graciosa, o livro dos sagacíssimos Joseph e Henry Bullar, o americano Webster, os escritos de Alberto do Mónaco, de Knud Andersen e de tantos outros podem considerar-se quase nada ao pé de As Ilhas Desconhecidas.»
pequeno excerto do texto "Raul Brandão e os Açores" de Vasco Rosa, in Revista Atlântida, 2017.
Da Ética
"Deixou de haver ética na criação artística. Deixou de haver compromisso. Deixou de haver sangue. É raro encontrar-se uma obra, mesmo de menor qualidade estética, em que se sinta a preocupação de comunicar."
José Mário Branco, in Ípsilon, 1 de Dezembro de 2017.
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
À Noite Vou Cantar à Namorada
À
noite vou cantar à namorada
canções
que a Lua canta na altura de namorar
ela
acha ela acha muita piada
quando
eu à noite as vou cantar
Canções
que a Lua canta na altura de namorar
à
noite eu vou cantar à namorada
ela
assoma ela assoma com a continuação era notada
quando
eu à noite as vou as vou cantar
E
ela acha ela acha a isso muita piada
e
eu lá as vou eu lá as vou cantar
que
ela à noite ela assoma com a continuação era notada
e
a continuação era notada não é para desperdiçar
Assim
quando alta noite a Lua é já luar
e
ela aparece toda amarrotada
eu
imagino-a nua a se deitar
a
das canções à noite namorada.
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
Da Atlântida
![]() |
Revista Atlântida com capa de Luís Godinho |
António Pedro Lopes, in Revista Atlântida, 2017
terça-feira, 28 de novembro de 2017
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
Sobre as lideranças
"As lideranças ocidentais não têm mostrado criatividade alguma. Mas encontro enorme criatividade na China, por exemplo na ideia que tiveram de convidar todo o mundo a usar a nova rota da seda, a infra-estrutura de estradas e caminhos de ferro e portos que estão a construir. Com esse projecto eles conseguiram abrir África muito mais do que em todo o período do colonialismo. Claro que não estão a fazê-lo só por generosidade, estão à espera de recolher os seus lucros. Mas estão a mostrar como se podem encontrar novas oportunidades. E os africanos estão gratos. A China tem a vantagem de tratar os africanos de uma maneira muito diferente e melhor do que fizeram os britânicos, os franceses, os belgas, os portugueses. O que se passou no (período colonial) não foi nada bonito."
Johan Galtung, in Público, 24 de Novembro de 2017
sábado, 25 de novembro de 2017
Esplanada
Naquele
tempo falavas muito de perfeição,
da
prosa dos versos irregulares
onde
cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos
todos, tu, eu e a discussão,
agora
lês saramagos & coisas assim
e
eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando
as tuas pernas que subiam lentamente
até
um sítio escuro dentro de mim.
O
café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob
Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora
as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e
não caminhos por andar como dantes.
Do Contexto
"É verdade que uma pessoa se habitue ao conforto de um hotel, de um voo, etc. Quando nos habituamos a que alguém tome conta de nós, tornamo-nos um pouco mais ignorantes. Mas pensei sobretudo no modo como representamos os pobres no cinema, que é muito sentimental e não é forçosamente verdade: os pobres são mais solidários uns com os outros, etc. Não quis retratar os pobres de modo sentimental, nem criticar as classes altas. Acho apenas que todos nos comportamos de acordo com a posição que temos na sociedade, ao longo de uma hirerarquia económica. Pensamos em nós próprios como indivíduos livres independentemente do contexto em que vivemos mas a verdade que estamos completamente dependentes desse contexto."
Ruben
Östlund, in Ípsilon, 24 de Novembro de 2017
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Novembro Teima em Despedir-se
![]() |
Fotografia de Carlos Olyveira |
Novembro teima em despedir-se, faço-lhe a vontade,
inclino a cabeça para o futuro e avisto navios no horizonte. Não tarda nada
entrará Dezembro, o último mês do ano. A água do mar está mais quente do que
aquela que corre no chuveiro. A temperatura do ar continua irrepreensível,
permitindo-se em jeito de reflexão pensar no frio que virá... ou será que não teremos frio?
Bebemos agora muito muito mais chá já que assumimos que os dias são curtos, os
agasalhos alinhados, e eis que a claridade esvai-se muito cedo. De súbito,
estremecemos com a passagem dos dias que cortam o fôlego de tão lestos,
ansiosos e demasiado rápidos sem darmos conta. Entramos assim na recta final do
ano dezassete deste século XXI.
Celebramos, portanto, a melancolia típica da estação.
Julgamos ser este o mês dos fotógrafos, dos pintores, dos músicos e das artes
que exultam esta morrinha existencial tão própria do Outono. Por isso a cidade é lugar de
exposições, espaço de renovação deste nosso olhar que queremos atento, na busca
curiosa ou demanda das artes visuais na contemporaneidade. Que arte e artistas
para este tempo? Em lugar de visionamento e contemplação ali está, no Núcleo de
Arte Sacra, a exposição de fotografia “Prece Geral”, mergulho interior nas
imagens veneráveis e privilegiadas de Daniel Blaufucks aquando andou em visita
pelo Mosteiro da Cartuxa. Em exibição também e, até à Primavera do próximo ano,
ficará “Interior/Exterior”, com curadoria de Nuno Marques da Silva e Luísa
Cardoso, que nos revelam a riqueza e singularidade das obras presentes nas
colecções do Museu Carlos Machado. Visitamos a mostra com essa delicadeza da
ocupação do espaço e o cheiro a criptoméria, aproveitando assim para ver obras
de artistas plásticos - Ana Vieira, Domingos Rebelo, Tomaz Borba Viera,
Ernesto Canto da Maia, Duarte Faria Maia, Pedro Palma, entre tantos outros que
aqui viveram, vivem ou por aqui deixaram obra. Do mesmo modo, que quem quiser
ver os animais que vivem à noite enquanto dormimos, pode sempre dar um salto à
Miolo, galeria multi-artes, na rua Pedro Homem, e assistir assim à proposta de Mariana
Lopes, que regressa muito mais intimista, quase secreta, fortalecida neste seu
trabalho solitário e luminoso, percorrendo veredas e mato, em busca dos
segredos escondidos da Ilha do Faial. Ao observarmos esta exposição retiramos
outra perspectiva/abordagem imagética do arquipélago e, talvez por isso, estas
imagens necessitassem de uma maior amplitude e profundidade.
Ainda nestes últimos dias de Novembro, para lá das
castanhas nos pratos e o vinho tinto nos copos, aqui esteve em delícia, sumptuosidade e arrojo -“Viagens na
Nossa Terra", recital de Joana Gama, interpretando obras de Amílcar Vasques-Dias e
Fernando Lopes Graça, mais aquela tarde de sábado com sonhos e pesadelos de
“Nocturno”, num espectáculo de Victor
Hugo Pontes e Joana Gama, a partir das surpreendentes composições sonoras de João Godinho. E...agora que
recordamos as promessas por cumprir no ano que vai rapidamente encerrar, conviria recordar
que, muito embora o fim deste ano esteja próximo, sempre nos restam os versos de Ruy Belo: "Não temas porque tudo recomeça/ Nada se perde por mais que aconteça / uma
vez que já tudo se perdeu”.
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
Enquanto o novo disco não chega...
"Ou como dirá Carlos Medeiros: "Fala-se da música tradicional como algo distante, lá do campo. Não vejo a "música do povo" como distante. Quem sou eu? Eu sou do povo. Quando falo da música tradicional falo da minha música e mudá-la não faz de mim menos genuíno ou autêntico."
in Visão, 16 de Novembro de 2017
terça-feira, 21 de novembro de 2017
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