sexta-feira, 2 de abril de 2021

Viajantes nos Açores

"O Arquipélago dos Açores constitui actualmente uma das mais prósperas províncias do reino de Portugal. Um grande número de factores contribui para o crescimento incessante de uma riqueza generalizada. Um clima ameno, um solo fértil, uma situação geográfica eminentemente favorável ao desenvolvimento de relações comerciais, uma população inteligente e laboriosa, uma administração liberal e benevolente são elementos de prosperidade – uma dependendo da acção do homem, outros inerentes à própria Região. A estas vantagens juntam-se as maravilhosas belezas naturais de que os Açores disfrutam."

             Ferdinand Fouqué, excerto de “Les Eaux Thermales de L´Ile de San-Miguel”, 1873, in Viajantes nos Açores” de Maria das Mercês Pacheco, edição Artes e Letras, 2021.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Canção Normal (Cole Porter Interpreta Martin Mull)

 Vamos ser normais

Amor

Para quê querer mais

Amor?

Vamos ser normais no dia-a-dia 


No quotidiano

Amor

E ao longo do ano

Amor

Ser tradicionais

Amor

E ser mais normais que a tua tia


Vamos ler jornais

Amor

Ser como os teus pais

Amor

Fazer como o pai dos pais fazia

 

Para quê tanto ardor

Amor?

 Vamos perder cor

Amor

E até no amor

Amor

Abracemos a monotonia.

 

Sebastião Belfort Cerqueira, in “Música Normal”, edição Companhia das Ilhas, 2021.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

É Apenas um Pouco Tarde

 Ainda não é o fim

nem o princípio do mundo

calma

é apenas um pouco tarde

 

Manuel António Pina

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Da Educação


           

         "Hoje, no dia do aniversário de Nélson Mandela, que nunca deixou de valorizar a aprendizagem, a educação e o conhecimento como forma por excelência de afirmação da liberdade humana, e que enquanto esteve detido em Robben Island completou um curso universitário por correspondência, lembremos as suas inspiradoras palavras para nos guiar na acção e dar força na luta pela construção de um mundo mais próspero, justo, livre e pacífico - "A educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo."


              Jorge Sampaio, Público, Sábado, 18 de Julho de 2020.

Um Verso de José Afonso

Vem devagarinho para a minha beira

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Escultura de Canto da Maya

Exposição "Canto da Maya" no Núcleo de Santa Bárbara 

Relógio de Sol

o rapaz sobre a amurada 
vai casar com a rapariga
mais magra de todas 
mas ainda é novo
lança alimento à praia
onde as gaivotas 
se encontram
é o sítio onde mora
irá casar,
não passa da madrugada,
repousa agora,
é cedo

a irmã desse rapaz
deixou o pai morrer 
casou com um libertino
amando-o como a uma profecia
dela a mulher de crença
gasta-se 
com a luz do dia

o irmão de ambos 
prá cidade servir 
crivou a arma de balas
-sabe-se que a a alma é um número-

o homem enche-lhes o copo
d´água tinge-se-lhes o coração
plúmbeo cor de pedra
inevitável os persegue 
são três as horas 

que se lhes esgotam no corpo.


Ana Paula Inácio in "As Vinhas do Meu Pai", Quasi Edições, Junho de 2000. 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

"Um Passo para Sul" de Judite Canha Fernandes

"-Professora! - gritou uma voz.
Fingiu que não ouvia. O pior que lhe podia acontecer naquele momento era ter de falar com alguém.
-Professora! Professora!!
Continuou.
-Professora Ângela!
A voz dizia-lhe qualquer coisa (talvez das turmas dos anos anteriores?), mas já alguém lhe tocava no ombro. Um rapaz alto e magro, polo vermelho por fora das calças de ganga escura, aí pelos vinte anos, sorria à sua frente com ar nervoso. O volume na garganta aumentou. Enquanto dava aulas a uma turma, lembrava-se dos nomes de toda a gente, sem excepção, porém, depois de registar as últimas notas na pauta, esquecia nomes e sobrenomes para sempre e desejava com profunda intensidade nunca mais encontrar os respectivos seres humanos.
-Como está, professora?-perguntou.
-Tudo bem - respondeu, tentando sorrir. 
-Há uma coisa que tenho de lhe dizer...- balbuciou, torcendo as mãos.
-Sim?
-A senhora foi a melhor professora que alguma vez tive....mudou a minha vida. 
Dito isto, afastou-se rapidamente. 
Ângela suspirou e continuou a andar. Só ao dobrar a curva, a duas ruas da casa, se deu conta do bonito e enorme daquilo. As aulas, as aulas. O seu precioso e surpreendente prazer. Fechava a porta da sala atrás de si e deixava cada turma engoli-la, voraz, o quadro, os olhos, os livros, recentemente também os vídeos, os links, a conversa, as perguntas, tudo encaixava perfeitamente. Parecera ter nascido para dar aulas magníficas, um poder mágico que nunca soube de onde vinha. Nos intervalos perdia-se de aborrecimento. Às vezes tomava café no bar, outras lia qualquer coisa quando ouvia o que diziam à sua volta, em geral conversas que pareciam discursos, coisas do individualismo hedonista contemporâneo de self-change, sublimadas em vaga espiritualidade. Inevitavelmente, surgia uma frase do tipo: «Eu sei o que isso é, passei por isso, mas tive a força de mudar. Mas até para isso tinha alguma paciência, se alguém lhe dirigia a conversa, ficava calada, sorria, às vezes até anuía com ar compreensivo. Só as aulas lhe interessavam.Talvez por isso os dias de ataques como aquele acontecessem mais ao fim de semana. Ao contrário de muita gente, trabalhar era a actividade mais saudável."

Judite Canha Fernandes, in "Um Passo para Sul", Gradiva, Setembro de 2019.

quarta-feira, 8 de julho de 2020