"Acordou, abriu os olhos. O quarto
pouco ou nada lhe dizia; ele estava profundamente imerso na consciência donde
acabara de vir. À falta de energia para determinar a sua posição o tempo e espaço faltava-lhe o desejo disso. Estava
algures, regressara de parte nenhuma através de várias regiões; no fundo da sua
consciência havia a certeza de uma infinita tristeza, mas uma tristeza
tranquilizadora, familiar. Não precisava de outro consolo. Nesse conforto,
nessa tranquilidade, repousava, entretanto, tão absolutamente calmo,
mergulhando depois num daqueles sonos leves, momentâneos, que acontecem após um
prolongado, profundo sono. De repente, voltou a abrir os olhos e consultou o
relógio de pulso. Não foi mais que um acto reflexo, pois ao saber as horas
continuava confuso. Sentou-se, observou o quarto espalhafatoso, levou a mão à
testa e, suspirando profundamente, deixou-se cair na cama. Mas agora estava
desperto; alguns segundos depois já se sabia onde se encontrava, que era o fim
da tarde, que dormira o som das chinelas sobre o chão liso, de ladrilhos, e
esse som confortava-o, agora que atingira outro nível de consciência, em que a
mera consciência de estar vivo não era suficiente. Mas como era difícil aceitar
aquele quarto alto, estreito, com o tecto de vigas, os enormes e patéticos
desenhos, estampados em cores neutras à volta das paredes, a janela de vidro
vermelho e laranja, fechada. Bocejou: não havia ar no quarto. Mais tarde
saltaria da cama alta, abriria a janela de par em par, e então lembrar-se- ia
do sonho. Sim, apesar de não se lembrar de nenhum pormenor, sabia que sonhara.
Do lado de fora da janela haveria ar, telhados, a cidade, o mar. Quando
contemplasse o vento do anoitecer refrescar-lhe-ia o rosto, e nesse momento o
sonho estaria lá. Agora só lhe restava ficar onde estava, deitado, respirando
lentamente, quase a cair de novo no sono, paralisado naquele quarto sem ar, não
à espera do crepúsculo mas deixando-se estar como estava até que ele chegasse."
in“O Céu que nos Protege”(The
Sheltering Sky) – Paul Bowles, 1949
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