"A primeira palavra dita em Citizen Kane, de Orson Wells, é também a última palavra de um protagonista que morre: «Rosebud». No ano seguinte - 1942 - sai Casablanca, tendo como protagonista Humphrey Bogart, que só morrerá na década seguinte, logo após afirmar:« Nunca devia ter trocado o Scotch pelo Martini.»
Nesse mesmo dia morre um velho escocês, um bêbado, cujas últimas palavras se dirigem à filha mais velha: «Passas tu pela lavandaria?»
Uma milionária muda o testamento, privando os netos de tudo, e deixa o seu vasto império ao gato Tobias. Nomeio o irmão como cuidador, a quem deixa alguns milhões. Deixa-se morrer em silêncio, regozijando com a imagem de assombro na cara dos netos quando descobrissem.
«O papel de parede ou eu!» Terá dito Oscar Wilde em 1900. Não muito longe morre uma octogenária junto ao marido desolado. Ela diz-lhe com doçura: «Estes sessenta e três anos de casamento vivia-os todos outra vez...», e morre de olhos abertos.
«Mais luz!», terá bradado Goethe em 1832.«Estou farto!», terá confessado Winston Churchil antes de cair num coma. «Tenho de ir, o nevoeiro adensa-se», terá sido o verso final de Emily Dickinson em 1886.«Preparem o figurino de cisne», as palavras que pontuaram a vida da bailarina Anna Pavlova, e «o Teodósio não é teu filho», as palavras que mudaram a vida do Adalberto.
«I Know not what tomorrow will bring» terá sido a última frase escrita por Fernando Pessoa, um antes da morte em 1935. O biógrafo João Gaspar Simões, no entanto, assegura que as palavras finais do poeta terão sido: «Dá-me os óculos.»
O som preferido por milhares e milhares de homens e mulheres nos instantes antes de partir terá sido um gemido. Muitos terão dito «Adeus», tantos quantos «Não quero morrer». Um número considerável pediu perdão, um número menor que cuidassem da sorte de um animal de estimação, e um número ainda menor agradeceu.
Um número considerável de mulheres e homens prestes a morrer confessam um segredo, um pecado, libertam-se de um peso que não querem ter de carregar. Muitos rezam, em todos os idiomas e todas as fés, a diferentes deuses. Alguns perguntam: «Porquê?»"
Joana Bértholo, in Ecologia, Editorial Caminho, 2019.