sábado, 19 de fevereiro de 2022

"À Sombra dos Jacarandás" de Ana Hatherly

Porque estou assim
tão melancólica
quando os jacarandás
derramam seu lilás
pelas ruas onde eu caminho
tão de azul
tão cheia de olhos para tudo?

O chão é duro
ó corolas!

O basalto das funduras
atormenta-nos os passos

in Itinerários, Quasi Edições, Março de 2003

Da Classe Social

    "Penso que a Psicanálise nos impede de ver a realidade dos fenómenos que nos estruturam. É a questão da classe social que me determina, muito mais que a relação individual com o meu pai e a minha mãe." 

Didier Eribon, Revista Electra, nº14, Outubro de 2021. 

Os Filhos da Madrugada: Vitor Cardoso

      "Eu não sou político, não vou fazer afirmações políticas. Mas creio que era quase impossível (ter o mesmo percurso). Teríamos de ajudar a família. As famílias eram enormes para ajudar os pais. A partir desse momento (democracia) houve o abono de família. Lembro-me das minhas senhazinhas para comer na cantina. Lembro-me do meu passe escolar que me permitia andar de autocarro."

in "Os Filhos da Madrugada", Anabela Mota Ribeiro, Temas e Debates, Novembro de 2021. 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

"Rock n Roll Consciência - Letras”, de Thurston Moore ao Cair da Tarde


            Dou por mim a ler um caderno antigo que me acompanhou no regresso à ilha onde agora habito e fixo uma citação do músico norte-americano, Thurston Moore, fundador dos Sonic Youth, ao “Açoriano Oriental”, a 1 de Março de 2016, aquando da sua passagem por aqui: “A primeira coisa para que me alertaram quando cheguei aqui foi para o estado do tempo, com as quatro estações a acontecerem no mesmo dia. Fiquei espantado, mas já me apercebi que é mesmo assim: o sol, a chuva, o céu azul, ou o céu nublado podem caber num intervalo de apenas seis horas…contudo achei logo os Açores um óptimo lugar para a inspiração. Pelo que me dizem, esta é uma terra de poetas e sempre me interessei pelos lugares que levam as pessoas a escrever e sobre os ambientes que as inspiram.”. Lembro-me, portanto, de ver este músico em cafés que eu próprio frequentava, numa postura acessível de quem sabe que a fama do rock sónico não rimava com ilha verdejante de tempo lento, para lá das variações climatéricas a meio do atlântico.
     Entretanto, estamos no final de mais uma semana e, ao cair da tarde, recebo um telefonema de uma amiga de visita à cidade, a convocar-me para reencontro. Eis que chego já tarde ao local combinado e, em cima da mesa da livraria da respeitada instituição, avisto um livro com o título “Rock n Roll Consciência - Letras”, de Thurston Moore, realizado na Tipografia Micaelense, com os dizeres na contracapa de edição com apenas 100 exemplares, todos eles assinados pelo autor. Folheio o livro, ávido e atónito com a impressão em tipografia, observo as canções nas duas línguas e contemplo as fotografias do livro (uma paisagem, uma árvore, o respetivo músico sentado na soleira de casa de pedra, uma fotografias de composição na tipografia e uma do tipógrafo Diniz Botelho). De imediato, pergunto o preço do livro aos funcionários da livraria que, após alguma demora, alegremente soltam a resposta; “- É gratuito!”. Saio para esse reencontro do café com chocolate com uma sensação de ter encontrado um tesouro, provavelmente um acaso carregado de simbolismo, cinco anos depois. Desconhecia tal feito, eu que observei ao longe a passagem pela ilha de tão ilustre personagem do mundo sónico, não fazia ideia de tal publicação. Talvez, por esse motivo, sinto-me agora agradecido. No entanto, o meu amigo, Diniz Botelho, mestre de tipografia, já cá não se encontra, e, esse, sim, era uma pessoa a quem me habituei a agradecer! Em consciência!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Um Verso de Adoniran Barbosa

 Não posso ficar nem mais um minuto com você

"Cataratas" de Jorge Sousa Braga

    Nenhum rio consegue voar durante muito tempo. Uns segundos no máximo e ei-los se despenham de muitos metros de altura. Ainda mal refeitos da queda começam logo a correr a uma velocidade vertiginosa. E de novo se despenham. E só desistem quando se lhes depara o mar pela frente.

in "O Poeta Nu", Poesia Reunida, Assírio&Alvim, Junho 2007

Do Amor

     "Quem fala de Amor não ama verdadeiramente: talvez deseje, talvez possua, talvez esteja realizando uma óptima obra literária, mas realmente não ama; só a conquista do vulgar é pelo vulgar apregoado aos quatro ventos; quando se ama, em silêncio se ama."

Agostinho da Silva 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Laudalino Pacheco da Ponte: o retratista da Maia!


        A Maia é uma freguesia da ilha de São Miguel com 1900 habitantes e conta com a Fábrica de Chá da Gorreana e o Museu do Tabaco. Era lá que vivia o Laudalino da Ponte, conhecido também pelo “retratista” da Maia. Laudalino da Ponte trabalhou durante muitos anos na Fábrica de Tabaco da Maia e, como atividade preferencial nas horas livres, gostava de fotografar pessoas, tirar retratos. A pé ou de mota, sempre com a sua máquina fotográfica ao peito, calcorreava a ilha e aproveitava para registar todas as celebrações de vida: baptizados, casamentos, aniversários, matanças do porco e festas do Espírito Santo. Era comum pedir às pessoas, aos locais, para serem fotografados. O seu espólio anda à volta de 157 mil fotografias e este conjunto vai de 1963 até 1975.  A Margarida Medeiros reuniu este "corpo fotográfico" que se encontra reunido neste livro, quase dois anos a compilar doze anos de imagens. O mundo de Laudalino da Ponte parece não existir mais, ainda que aquelas pessoas nos pareçam tão próximas e familiares. A edição deste livro é um gesto de delicadeza a uma comunidade, o enaltecimento da vida de alguém que documentou uma época, um período histórico específico, fixando uma experiência existencial numa ilha atlântica. Lá dentro, para além das fotografias a preto e branco, há textos de Maria Emanuel Albergaria e João Leal. A Blanca Martin Calero e a Araucária Edições (https://araucaria.pt/
) estão, obviamente, de parabéns!