quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Metereopatia

DM: Caro Doutor Mara,  fale-nos aos estudos que tem vindo a desenvolver, pois temo-lo visto a passar pelo centro da cidade com muitos livros e, pouco agasalhado, o que não é normal para esta altura do ano.
Doutor Mara: Neste momento, fruto de uma pausa laboral imposta por este governo de sábios da numerologia, dedico-me ao estudo da Metereopatia.
DM: Doutor Mara, estamos atónitos, sinceramente, diga-nos, em primeiro lugar, em que consiste a Metereopatia?
Doutor Mara: Como a própria palavra indica refere-se à alteração que o estado do tempo provoca no comportamento humano - visível e invisível. As mudanças e variações que o estado do tempo provoca no eu individual e colectivo dos povos. Nós, portugueses, somos completamente dominados pelo estado do tempo e raramente temos consciência disso. Os suecos ganharam consciência desse facto e arranjaram formas de lidar com esse  problema. É impressionante o número de bandas suecas pop da actualidade  que cantam os verões do sul, por exemplo. Há, inclusive, uma banda intitulada "El Perro de Barcelona", já para não ir lá atrás buscar os ABBA. É uma forma de aliviar a pressão de muitos meses de inverno, passados dentro de casa ou fechados no quarto junto de computadores. A social-democracia sueca, por exemplo, foi muito longe porque na Suécia, não só devido à cultura e ética protestante, mas também devido a invernos longos e prolongados, pois as pessoas vivem muito isoladas e desenvolvem formas de autonomia, sobrevivência e independência muito maiores que no sul. A falta de luz no exterior faz com que se procure a luz no interior da comunidade.
DM: Por que é que decidiu dedicar uma boa parte do seu tempo a um estudo, uma parcela do conhecimento, com tão pouca cientificidade no nosso país?
Doutor Mara: Bom, há quem se dedique a estudar a influência da Vitamina B12, uma das componentes da sardinha, na dita melancolia e saudade portuguesa. Mas, foi sobretudo em dia de grande tempestade. Eu encontrava-me  no norte do país a mostrar uma cidade do litoral a um encenador lisboeta, chovia imenso, e era impossível caminhar pelas ruas da cidade, quando este me disse  que aquele dia de chuva intensa era propício à leitura de romances russos...um dia assim seria para ler na cama os romancistas russos, com Dostoievsky e Tolstoi à cabeça. Foi aí que pensei: "Há aqui uma mina de estudo para desenvolver". A partir daquele momento, revi os meus conhecimentos básicos da psicologia moderna e atirei-me de galochas para o estudo da Metereopatia. 
DM: E que dados concretos foi descobrindo?
Doutor Mara: O sério desta questão é que o estado do tempo tem uma influência de forma acentuada no eu, individual e colectivo. Vivemos numa sociedade com um elevado número de metereopáticos. Há pessoas que funcionam muito com a presença ou não da luz do sol nas suas vidas, pessoas que gostariam de não ter que se confrontar com nuvens durante algum tempo ou pessoas que se modificam, se reinventam, com a chegada dos raios de sol. Veja-se, por exemplo, o caso das nossas ilhas e a quantidade de escritores que estas já forneceram ao nosso país. Herberto Helder é o escritor  que é,  um escritor em tom maior, devido ao sol da Madeira, os Açores  tem uma bruma na literatura que não se vê em mais nenhum outro sítio. Ou então, ouçam-se os coros e os corais alentejanos para perceber que são tudo expressões e influência do estado do tempo, em que depois  a cultura e a música logo se encarrega de expressar. A Metereopatia devia ser tida em conta na economia e a verdade é que não é. Os povos do norte trabalham e produzem muito mais por uma questão de temperatura e depois bebem mais cerveja para compensar essa dedicação ao trabalho. Os invernos rigorosos e a impossibilidade de andar na rua no Inverno casa obriga a uma outra estratégia para lidar com a natureza e a sobrevivência. 
DM: Dizem inclusive que os povos mais felizes são os latino americanos, será que é por não estarem sujeitos à metereopatia?
Doutor Mara: Sim, completamente. Ali combina-se a temperatura e a lentidão do progresso económico e tecnológico. Tudo tem o seu tempo e depois há a música em tons maiores que faz com que qualquer sueco seja o melhor dançarino após a ingestão de uma cuba livre ou dois goles de tequila. 
DM: Doutor, uma pergunta muito pessoal:  considera-se um metereopata contemporâneo?
Doutor Mara: Sim, dentro do possível e de um quadro clínico ainda por desvendar. Em manhãs de nevoeiro, por exemplo, como sempre uma anona e, por vezes, uma barra de chocolate para aumentar os níveis de serotonina  no cérebro. 

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