Ilustração de Pedro Valim |
Quem é aquele velho ali sentado
com cabelos compridos e roupa que mais parecem trapos? Interrogou-se a minha colega
de profissão que adora passar horas que junto do computador a elaborar grelhas
e gráficos. Uma profissional das estatísticas, sem qualquer dúvida, acredito. Comecei
entretanto a discorrer sobre o homem com respeito e admiração o que lhe parecia
estranho. Disse-lhe que o homem era uma mente livre e profundo de liberdade,
apesar do seu ar pobre, solitário e de anacoreta. Contei-lhe que homens
daqueles invulgarmente encontram cabimento nestas sociedades da produção e do
consumo. A minha colega ouvia e ria como uma criança para toda a esplanada
ouvir, exclamando que tudo o que eu dizia não passava de tontices da cartilha
esquerdista aprendida na adolescência, que eu era profundamente romântico na
minha visão de homens daquela estirpe. Acrescentei que o homem dos cabelos compridos era
um escritor de qual eu tinha lido alguns poemas, um verdadeiro outsider,
um daqueles puros que amavam a vida ao ar livre, gostava de ir aos estádio ver jogos de futebol e que não podia deixar de
viver junto dos outros através de conversas que vai tendo com os vizinhos, com a
leitura de muitos livros e de jornais. E, mesmo assim, ela continuava impassível,
metida consigo e disposta a passar para mim o seu ar blasé, mantendo o ar jocoso,
interrogativo sobre como eu era capaz de encontrar referência e admiração em
personalidades assim. Assim como? Referi mais uma vez que aquele homem era para mim um
Fernando Pessoa do nosso tempo, desconfiando apenas que ele fosse casto, dado
que o tinha avistado com duas mulheres feitas, ao qual nunca saberei se seriam
mãe e filha, ainda que estas se tratassem de forma terna e afectuosa. Não
sei. Pagámos a conta e cada um foi à sua vida.
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