"O Miúdo e a Bicicleta", filme Jean Pierre e Luc Dardenne |
Há dias ficamos a saber que Cyril
(Thomas Doret), o actor do filme “O Miúdo e a Bicicleta”, andou com o seu
frenesim e agitação cicloturística pelo canal 2 da RTP (em qual é que poderia
ser?). Andou? Aos doze anos não se anda, corre-se, neste caso pedala-se e
muito, vai-se até ao fim do mundo, inquietamo-nos com os pés, desinstala-se o
medo, atiram-se pedras à boca e com o coração nas mãos e com a língua de fora,
ninguém mais nos segura até sabermos as razões, ou mesmo sem elas, somente para
que nos digam o porquê de nos terem abandonado. Porquê? Digam, por favor.
Podiam ao menos dar uma razão, uma explicação que seja, façam alguma coisa para
travar esta aflição. Estranhos, estes adultos. O que é que será que é preciso?
E, logo numa casa de acolhimento, porquê? E por isso vamos com ele até ao fim,
atentos ao que acontece, à espera que alguém desate o nó. E…lá está a câmara
frenética dos irmãos Dardenne sempre atrás dele e da sua camisa vermelha
(porque terá sido o vermelho a cor escolhida?). E lá vai ele, sempre ele, a
pedalar, como um pequeno cavalo ofegante na esperança de desatar aquele nó, ao
alcance do pai. E o certo é que não o desata. É que a explicação não vem, a
resposta não chega, mas há, entretanto, a almofada que Samantha (Cécile De
France) lhe estende à espera que corra tudo bem… apenas por enquanto, o valor
do sorriso e o colo de quem se coloca na pele do outro, e bem que podia ser
qualquer um de nós a tentar compreender, a exortar uma clarificação, a aspirar
por uma justificação. Sorte, portanto, haver esta Samantha, cabeleireira de
profissão, com um sorriso doce e maternal, disposta a passar com ele os
fins-de-semana, primeiro, e depois a travar o desassossego de Cyril quando a
corda rebenta e a estação de serviço quase explode…de raiva. É ela quem
consegue apaziguar tanta dor e revolta. Cyril vai ter que aprender a viver com
aquela nódoa no coração. É assim quando somos abandonados, à força das
circunstâncias ou intencionalmente. Não é fácil, mas vale a pena tentar. E por
isso é que nós agradecemos aquele passeio de bicicleta – belíssimo momento de
cinema! - com direito a lanche do “casal” bem já perto do final, pois, como nos
diz a Hanna Arendt, “nada nos introduz mais no universo vivo do que o amor”.
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