Algumas semanas depois da invernia ter começado, eis o Doutor Mara num
tugúrio citadino mal-afamado, ainda por cima com uma bandeira nacional sobre os
ombros e, acreditamos dizê-lo sem qualquer tipo de ofensa ou má criação, que o
digníssimo se encontra encharcado em vinho tinto da cooperativa. Debaixo do braço do doutor Mara, o livro de
Willy Helpach, “Geopsiché – l´ame humaine sous l´influence du temps, du climat,
du sol et du paysage”, numa tradução francesa muito velhinha da editora Payot,
de Paris. Doutor Mara, sem querer imiscuir-nos na sua vida pessoal, celebra-se
alguma coisa por estes lados nesta noite chuvosa?
DM: Há alguma razão
para trazer a bandeira portuguesa aos ombros, Doutor Mara?
Doutor Mara: Alguma lata e
algum descaramento, pois claro. Mais
concretamente a bandeira serve para eu me poder encostar com segurança ao
balcão. Aqui o taberneiro, o meu amigo, Gonçalo Pratas, um homem de armas como
vocês podem ver, não pode ver nada sujo e está sempre a deitar detergente e
líxivia para cima do balcão. Com esta sua atitude, já me deu cabo de umas
quantas camisas de cor compradas nas melhores boutiques de ocasião. Já se sabe,
a bandeira protege das nódoas e esta foi comprada por alturas do Europeu e já
está um pouco desbotada…as manchas não ofendem a pátria, pelo menos não tanto como
aqueles que andam agora com um pin na
lapela.
DM: Doutor Mara, há muita gente que gostaria de transmitir respostas e
anseios ou então apenas devaneios chamados de torrente de ideias sobre o que
vão lendo das suas charlas quotidianas. Tem noção do impacto que cada charla do
Doutor Mara tem na nossa sociedade?
Doutor Mara: Deixem-se de bajulices, já vos tenho dito, qualquer
dia deixo de conversar convosco e então será o fim do mundo. Pensar, reflectir
e escrever são partes de um processo longo e do qual não tenho feito outra
coisa ao longo da vida. O importante seria que cada cidadão pensasse e agisse
por si próprio, que fosse aquilo que a sociedade ilustrada do século das luzes
sempre sonhou: um cidadão atento, activo e participante nas decisões da polis. O
meu grande amigo George Orwell tinha uma posição mais crítica sobre o que se
publica por aí, pois este dizia que “jornalismo é publicar aquilo que alguém
não quer que se publique” e que “o resto é publicidade”.
Doutor Mara: As palavras ajudam-nos a definir e a organizar o mundo
em que vivemos ao mesmo tempo que nos ajudam a situar e a perspectivar o lugar
de onde queremos vê-lo. O mundo está permanentemente a ser recriado pelas
palavras, pois são estas que permitem novas significações. As grandes ditaduras
e as sociedades capitalistas usam diferentes formas de manipulação das opiniões
públicas, mas tocam-se no essencial: a propaganda e a publicidade. Podia ter sido pescador, mas fiquei em terra, a tecer redes de palavras...
DM: A conversa já vai longa. O que é que gostaria de transmitir aos
portugueses, Doutor Mara.
Doutor Mara: Em primeiro lugar, que bebam vinho de qualidade. Que
sejam exigentes e que leiam sobre os novos vinhos que tem vindo a ser feitos
nas diferentes regiões vitivinícolas. Depois, não devem ter medo de oferecer às
namoradas/os, amigos e amigas caixas de vinho ou mesmo garrafões de cinco
litros de vinho, desde que sejam de qualidade, claro. Pode ser que, entretanto,
baixem o preço das garrafas. Haja saúde.
quinta-feira, 14 de março de 2013
Enomatria
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