Il sorpasso ("A Ultrapassagem") de
Dino Risi é, sem qualquer dúvida, um filme para (re) ver nas férias de verão.
Podemos considerá-lo por diversas razões um filme estival, uma película leve,
propícia a ser vista ao ar livre, se possível com manta sobre os joelhos, caso o frio incomode. Dino
Risi filmou, há cinquenta anos, o verão italiano, a luz e o sol, a cidade e o campo, a praia e o
mar, a amizade e o amor. Para isso muniu-se de dois actores: Jean Louis
Trintignant e Vittorio Gassman e, muito embora com menor relevância, as actrizes: Catherine Spaak e Mila Stanic.
Dino Risi celebra o “Ferragosto”
romano por ruas e estradas vazias, o comércio e as casas fechadas, servindo-se
de um telefonema do fanfarrão Bruno Cortina (Vittorio Gassman) que assim irá perturbar o tímido estudante de
Direito, Roberto Mariani (Jean-Louis Trintignant). O Verão de 1962 italiano
cheirava a boom económico, o país crescia a olhos vistos e o automóvel era o epítome de bem-estar. Vemos em ritmo frenético um road-movie -dizem que terá influenciado Easy Rider (1969) - e que nos leva a viajar e a escapar pela Riviera de
Fregene de Capalbio da Castiglioncello até Quercianella, ao redor da capital e da sua costa.
A actriz Catherine Spaak |
O cineasta Dino Risi, com
formação em Medicina, começa por dar-nos a conhecer essa célebre expressão
italiana “Ferragosto”, um feriado italiano celebrado no dia 15 de Agosto e que é motivo de patriótica comemoração.
Inicialmente, estava associado à celebração da metade do verão e do fim das
colheitas nos campos. Com o passar dos anos, a Igreja Católica passou a adoptar
essa data para comemorar a assunção da Virgem Maria. Hoje, Ferragosto é um
feriado em que milhões de italianos abandonam as suas cidades origem e demandam outras paragens.
Aqui “Ultrapassagem” não é só o
acto de ultrapassar mas aquilo que se vive nas cidades desertas no estio e, que
por aquecimento e lassidão, se inclinam, tombam, caem e se deitam literalmente
sobre as praias, acampando e deambulando junto do mar. Logo nos momentos
iniciais do filme, um homem pára o seu carro desportivo junto de um fontanário
para beber água e telefonar, a cidade está completamente deserta em
Agosto (quem não conhece cidades assim?), o silêncio abafado pelo calor e a fadiga
que perpassa sobre os minutos e as horas do mês de Agosto, rendidos à rarefacção do ar e à
largueza dos dias.
Vittorio Gassman, que participou
em treze filmes de Risi, encarna a personagem do fanfarrão, mestre na arte de
saber viver, um homem de meia idade que se deixa ir com a ligeireza e a leveza
da estação dos grilos e das cigarras. Sempre com a resposta pronta na ponta da língua, ávido dos prazeres
terrenos e imediatos, acompanhado ao volante pelo som da mítica Klaxon e do seu Lancia
Aurelia B24, ao qual imprime velocidade e um ritmo estonteante, quase sufocante. O carro é aqui
a expressão da liberdade e da velocidade, inaugurando um tempo novo, repleto de comodidades, movimentações e deslocações. Como filmar a passagem do tempo que
se nos afigura tão veloz quanto o desejo de querer viver?
Dino Risi filma esta ausência de
limites sem moralismos, sem justificações óbvias para derivas comportamentais,
abraça inclusive as contradições do campo e da cidade, impregna de sensualidade
os momentos finais do filme e dá-nos a dose certa de tragédia num final
surpreendente. Nota também para rodagem dos minutos finais na praia Castiglioncello, que é magnífica. Cinquenta anos depois, a actualidade deste filme prende-se
com a rapidez da montagem e este filme consubstancia de forma quase carnal a
transição de um tempo, corporiza e cristaliza uma estação que tem os dias contados, daí este renovado e
auspicioso encontro do filme como novos e jovens espectadores.
Dino Risi a filmar Il Sorpasso |
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