quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dino Risi filmou o verão italiano

     
Vittorio Gassman e Jean Louis Tritignant

       Il sorpasso ("A Ultrapassagem") de Dino Risi é, sem qualquer dúvida, um filme para (re) ver nas férias de verão. Podemos considerá-lo por diversas razões um filme estival, uma película leve, propícia a ser vista ao ar livre, se possível com manta sobre os joelhos, caso o frio incomode. Dino Risi filmou, há cinquenta anos, o verão italiano, a luz e o sol, a cidade e o campo, a praia e o mar, a amizade e o amor. Para isso muniu-se de dois actores: Jean Louis Trintignant e Vittorio Gassman e, muito embora com menor relevância, as actrizes:  Catherine Spaak e Mila Stanic.
     Dino Risi celebra o “Ferragosto” romano por ruas e estradas vazias, o comércio e as casas fechadas, servindo-se de um telefonema do fanfarrão Bruno Cortina (Vittorio Gassman) que  assim irá perturbar o tímido estudante de Direito, Roberto Mariani (Jean-Louis Trintignant). O Verão de 1962 italiano cheirava a boom económico, o país crescia a olhos vistos e o automóvel era o epítome de bem-estar. Vemos em ritmo frenético um road-movie -dizem que terá influenciado Easy Rider (1969) - e que nos leva a viajar e a escapar pela Riviera de Fregene de Capalbio da Castiglioncello até Quercianella, ao redor da capital e da sua costa. 
A actriz Catherine Spaak 
    O cineasta Dino Risi, com formação em Medicina, começa por dar-nos a conhecer essa célebre expressão italiana “Ferragosto”, um feriado italiano celebrado no dia 15 de Agosto e que é motivo de patriótica comemoração. Inicialmente, estava associado à celebração da metade do verão e do fim das colheitas nos campos. Com o passar dos anos, a Igreja Católica passou a adoptar essa data para comemorar a assunção da Virgem Maria. Hoje, Ferragosto é um feriado em que milhões de italianos abandonam as suas cidades origem e demandam outras paragens.
     Aqui “Ultrapassagem” não é só o acto de ultrapassar mas aquilo que se vive nas cidades desertas no estio e, que por aquecimento e lassidão, se inclinam, tombam, caem e se deitam literalmente sobre as praias, acampando e deambulando junto do mar. Logo nos momentos iniciais do filme, um homem pára o seu carro desportivo junto de um fontanário para beber água e telefonar, a cidade está completamente deserta em Agosto (quem não conhece cidades assim?), o silêncio abafado pelo calor e a fadiga que perpassa sobre os minutos e as horas do mês de Agosto, rendidos à rarefacção do ar e à largueza dos dias.
     Vittorio Gassman, que participou em treze filmes de Risi, encarna a personagem do fanfarrão, mestre na arte de saber viver, um homem de meia idade que se deixa ir com a ligeireza e a leveza da estação dos grilos e das cigarras. Sempre com a resposta pronta na ponta da língua, ávido dos prazeres terrenos e imediatos, acompanhado ao volante pelo som da mítica Klaxon e do seu Lancia Aurelia B24, ao qual imprime velocidade e um ritmo estonteante, quase sufocante. O carro é aqui a expressão da liberdade e da velocidade, inaugurando um tempo novo, repleto de comodidades, movimentações e deslocações. Como filmar a passagem do tempo que se nos afigura tão veloz quanto o desejo de querer viver?
Dino Risi a filmar Il Sorpasso
    Dino Risi filma esta ausência de limites sem moralismos, sem justificações óbvias para derivas comportamentais, abraça inclusive as contradições do campo e da cidade, impregna de sensualidade os momentos finais do filme e dá-nos a dose certa de tragédia num final surpreendente. Nota também para rodagem dos minutos finais na praia Castiglioncello, que é magnífica. Cinquenta anos depois, a actualidade deste filme prende-se com a rapidez da montagem e este filme consubstancia de forma quase carnal a transição de um tempo, corporiza e cristaliza uma estação que tem os dias contados, daí este renovado e auspicioso encontro do filme como novos e jovens espectadores.

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