quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Dois Poemas sobre o Natal de Joaquim Castro Caldas

NATAL

já não sei o que é mais miserável,
se o esqueleto infantil da Etiópia
na TV sem acesso à água,
se um porco fascista de smoking
em Bruxelas a sortear putos.
já não sei o que é mais triste,
se procurar o menino jesus da UE
num palheiro, se ir ao hipermercado
enfardar uma virgem  maria made in China.
já não sei o que é mais obsceno,
se um jogador de futebol pago
pela NASA a chutar a lua contra o céu,
se uma intoxicação alimentar
em plena consoada no coração universal.
já não sei o que é mais pobre,
se a multinacional do Vaticano
recolher esmolas em camiões TIR,
se uma criança morrer ao colo
do nosso remorso a sorrir.
já não sei o que é mais feio,
se o sol ser içado por uma grua,
se uma pomba branca ter lá dentro uma bomba


REDACÇÃO


O natal é um lugar muito bonito para se passar o tempo a mudar
o ano. há sempre uma história lá em cima, confortável, ao colo
de uma árvore, a largar palavras. o regaço aberto da terra está
quente, as renas são fadas, os trenós aviões de neve e o rosto é
uma folha de papel, à lareira os olhos das pessoas vêem tudo
com toda a força, disciplinam a fúria do fogo, o coração ama a
natureza e arde tão devagar com a memória do último gesto,
como uma maneira de estar. amo o natal, vai só sorrateiro,
mesmo que faça frio, à alma do lado soltar a língua a um cão,
auxiliar uma gata a parir, abrir a liberdade a um passarinho. No
natal as casas deixam-se cair com uma lágrima a semear o
tudo bom, a carícia que faz de uma asa de tulipa a pétala de
uma borboleta. no natal o sopro do teu ar a passar à esquina  do
meu sorriso, mesmo que seja hipócrita, faz-me pensar: nem mais
uma criança no mundo com fome. empresta-me a tua música,
eu escrevo um poema.  de passagem pela felicidade.

Joaquim Castro Caldas, "Só Cá Vim Ver o Sol", Março 2004, Quasi Edições.

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