domingo, 15 de dezembro de 2013

Três Poemas de Fernando Machado Silva

O amor não tem tempo para a traição


Diz tens a palavra não tenhas
medo deste pequeno monstro
teu par. O que para ele foi feito
Há muito acabou a esperança
está na ponta do cigarro que se esfuma
diz vem cá a tua mão cabe
na sua ela sabe adaptar-se
e pode guardar até ao dia
que a largares o que quiseres
diz chora ao leito todo o seu corpo
A tristeza a vergonha da morte.
Ele vai estar só aí só à quarta parte
e de novo volta. Sempre.
Mas diz que do silêncio
dele e dos outros
já está cansado.

A Infância que não foi tua
Mundo de aventuras
de leituras desenfreadas
em luta contra o tédio
das doenças de cama
na segunda infância
essa em que a imaginação
se torna o vulcão de toda a solidão
não foram amigos teus os cavaleiros
da távola da triste figura (catorze anos
separam a mudança das feições como hoje
tantas vezes a boca da gôndola
se arqueia no teu rosto de lua cheia).
Nada disso foi teu:
tiro aos pássaros
saqueamentos a árvores de fruto
mergulhos suicidas de rochas
ou de chaminés de barcos
destroçados. o medo e o amor
sempre te impediram os altos voos
de Ícaro. não és melhor
nem pior pessoa por falta
dessas memórias e não choras
pela infância que não foi tua



uma história saturada de mortos

eu agora trinta anos fumo bebo
rodeado de toda a tecnologia do homem
assusto-me com um grito de uma perdiz
ali fora na seara alentejana. Insones
os pássaros cantam pelas noites e dias
e choro
neste verso avesso por um verso
um filho qualquer que seja o seu sexo
mas não aqui connosco nós
não temos senão a morte
ao deitar

Fernando Machado Silva, in “Passageiros Clandestinos”, Companhia das Ilhas (2012)

1 comentário: