Querida Miriam, adorei o seu singelo postal.
Sim, é verdade, vivo no interior de um vulcão
após ter dado um pontapé numa cratera e, talvez por isso, cá estou
usufruindo de uma certa paz interior, recusando assim por instantes a convulsão do mundo exterior e ainda o mundo moderno. Como
sobrevivo com tanto cheiro a enxofre? É certamente uma escolha arriscada pois vivo e adormeço no meio das ervas e das rochas, saindo apenas para recolher vegetais e frutas, bem como dar longos
passeios e meditar. Por vezes, vou até alguma casa de pasto mais próxima “abastecer-me” de líquidos e comer alguns citrinos que me permitam aguentar os próximos meses, quem sabe, alguns anos. Viver junto de um vulcão adormecido sempre implicou alguns riscos mas o facto de ouvir o barulho de um riacho que passa aqui perto faz-me esquecer este báratro interior.
Aparentemente está tudo bem por aqui pois tenho as minhas necessidades básicas satisfeitas, sendo uma sorte aquilo que me aconteceu, isto a propósito do seu postal, já que o carteiro procurava nas imediações do Farol pelo“professor doutor que se retirou da civilização”, enquanto eu tomava o meu banho de banheira mensal, uma benesse que me é concedida pelo faroleiro. Sorte a minha, portanto, em ter lido as suas notícias e ainda a novidade dos seus
mergulhos com animais de grande porte. Que risco, amiga Miriam, mas quem não arrisca não petisca, já dizia o ditado. E como deve ser engraçado ter o olhar e a corte de tanto"crocodilo amigo".E, enquanto eles não mordem...
Permita-lhe que lhe diga que não sei muito bem quando voltarei ao convívio do mestre Janeiro Alves, já que soube que se transformou recentemente num coleccionador de liras, um instrumento musical que
povoou os seus serões de infância e que lhe devolvem agora as suas memórias pueris nas primeiras notas escutadas. Sendo assim, quando souber do seu ímpeto viajeiro, acompanhá-lo-ei neste nosso desejo de mútuo reencontro.
Com consideração, alegria e estima,
(Professor) Doutor Mara
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