segunda-feira, 4 de abril de 2016

nunca se diz adeus

não dá melancolia, é uma saudade concreta, nada tem de nostalgia, ninguém se esquece de nada, a memória arrasta viagens, credos, angústias, glórias, a nossa fatia de vida lembra-se com força para marcar a fogo uma alegria inatingível e próxima como a fúria da água, tão distante como os passos numa órbita à descoberta de uma vocação

não estamos por ordem, apenas somos diferentes, há lixo da época ouro hoje, deitam-se fora coisas discretas da altura que agora nos deixam a pele em arrepio, fica o pavio duro e rígido, nem na morte (ou muito menos na morte) alguém é abstacto e até já nos esteja destinado o futuro

nada é impossível ou verosímil quando vem ter connosco sem pedir licença ou fazer cerimónia, e o amor, o amor, a essência mais perene, dura o que durar, para além de nós se lhe aprouver, somos apenas uma personagem – entre milhões – atentos ao momento exacto da nossa voz, somos líricos, somos tenazes, devemos louvar esse legado e bem querer-lhe.

nenhuma palavra ou imagem é definitiva, nenhum testemunho desaparece, nenhum gesto passa por aqui em vão, o tempo tudo regista e só os homens dão por isso. O mais frequente é o mundo alarve que nos cerca, alimenta e devora, não nos dar muita importância e um dia nos vir buscar quando já não estivermos à espera

nunca se diz adeus

Joaquim Castro Caldas in “Mágoa das Pedras”, Deriva Editora.

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