Apreciei
abundantemente a ligeireza e a desfaçatez da sua carta, amigo Janeiro. Começo,
de facto, a ficar deveras preocupado com a sua falta de maneiras e inexistência
de delicadeza da sua parte. Serão, porventura, esses solilóquios junto da
natureza e da árvore de pinho que o fazem retroceder a essa força vital e
primitiva de outros tempos? Velhos, sim, foram os tempos em que o amigo Janeiro
se dirigia à minha pessoa com respeito e reverência. Um verdadeiro gentleman na
arte de congratular-se pelas bolas para o pinhal que tantas vezes lhe ofertei
em anteriores missivas. O que é que se passa consigo, meu bom amigo? Será a
febre dos fenos e seus respectivos esbirros e espirros?
A
verdade é que eu já desconfiava que o nome de “Janeiro Alves” pudesse estar por
detrás do enredo e consequente desaparecimento de mais uma obra prima de Miriam
Manaia. O que eu não sabia é que por
esse motivo o amigo Janeiro aproveitasse para viajar até à Rússia e apanhasse uma
valente bruega de vodka na bonita estação de Moscovo. Dizem, amigos comuns,
pertencentes à União dos Amigos de Eisenstein, que só faltou trautear Alfredo
Marceneiro e o “Playback”, de Carlos Paião, dado o fervor pátrio em que o nosso
amigo estava imbuído. E, por fim, ainda lamentou a nossa trágica sorte pela
perda das antigas colónias e os filhos e filhas que lá deixamos num manto de saudade
irreparável. Que triste, Janeiro Alves. O meu amigo talvez ainda não saiba, mas
tive uma fase da minha vida em que, também eu, chorava baba e ranho quando me
traziam uma garrafa de “groguinho” da Ilha de Santo Antão.
Deixe-me
dizer-lhe que sim, é verdade. Estou mal, muito mal, amigo Janeiro, pois sofro
de uma patologia para o qual soube há instantes não haver cura mas apenas uma
terapêutica preventiva. Padeço, portanto, de papiromania…um vício ignominioso e
obsessivo por papéis. A enfermidade é tal que me faz engoli-los ou
devorá-los consoante o momento em que os vejo ou encontro. Acordo sobrevoado de
papéis, deito-me com papéis e bebo a pensar ficar rodeado por estes que acabo a
julgar que, também eu, estou mergulhado até ao tutano nos célebres papéis do
Panamá. Nada a fazer, penso. Muito embora, a psiquiatra, a Doutora Alice Campos
Ferreira, me aconselhasse uma terapêutica de substituição: abrir uma conta no
Livro das Caras ou realizar diariamente três quilómetros de caminhadas junto do
mar!
Por último, espero que Janeiro Alves
se encontre bem aí para os lados de Belém. Coma, portanto, um pastel de nata
para diminuir a azia, o que certamente lhe fará bem às próximas missivas a
enviar e ajudará nas competências sociais a desempenhar.
Com um grande
abraço de amizade,
Doutor Mara
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