Amigo Doutor Mara,
Estava eu a estender as minhas meias
brancas no estendal, quando recebo inadvertidamente, e como se um taco de
basebol me acertasse no lombo, a sua última carta. Doutor Mara, Doutor Mara,
Doutor Mara… que deplorável espectáculo pirotécnico da escrita, com foguetes
atirados em todas as direcções, e alguns a rebentarem-lhe nas mãos. O doutor
mara navega à deriva no meio de um monótono oceano, e atirou um very light a pedir ajuda, só assim posso
compreender o seu desespero.
Mas dou-lhe uma sugestão: já que não
consegue parar de ingerir papel, experimente comer papel higiénico, quem sabe
não ajudará a higienizar o seu discurso. Outra possibilidade é ingerir dois ou
três livros de auto-ajuda, capa e tudo, acompanhados de uns goles de água para
amolecer as folhas e a sua retórica também.
Eu bem sei que estas cartas são
privadas (a não ser que as ande aí a publicar sem a minha autorização) e mal
não virá ao mundo com as suas imprecisões e perversas judiações, mas imagine um
dia que alguém as lê! É a destruição do meu património intelectual, é a minha
pessoa a arder em destroços num inferno de mil chamas, é enfim, o meu fim
Doutor Mara.
Ainda lhe pergunto, Doutor Mara, como
pode confiar na União dos Amigos de Eisenstein, quando o próprio foi alvo das
minhas severas críticas cinematográficas semanais quando escrevia para o
semanário que saía de semana a semana? Os estatutos dessa associação são
actualmente constituídos por um único artigo – “Artigo único: Esta associação tem como objectivo único e prioritário
prejudicar Janeiro Alves de todas as formas possíveis, promovendo o seu
enxovalhamento.” – em que a palavra enxovalhamento reúne em si os conceitos
de maculação, rebaixamento e emporcalhamento.
Por fim, uma interrogação: Belém?
Belém, Doutor Mara? Na última vez que estive fisicamente em Belém ainda nem
existiam os pastéis de belém! E metafisicamente já foi o ano passado. Fico
portanto estupefacto com estas suas invenções, que naturalmente só podem
decorrer do seu estado de debilidade, combinado com a sua precipitada tendência
para a fantasia. Há um mundo real à nossa volta, Doutor Mara. Se não consegue
acordar, meta o despertador.
Antes de ir aparar o bigode, acabo
esta carta com uma sugestão e uma confirmação. Sugiro-lhe que reveja a
medicação que anda a fazer. Começaria talvez por reduzir os comprimidos
amarelos, e aumentar a dose diária dos verdes. Por fim a confirmação: Marquei para
o final deste mês uma visita não oficial a Ponta Delgada para me inteirar do
seu estado de saúde, e para discutir consigo assuntos de extrema importância.
Levarei comigo um colaborador para tirar apontamentos, e outro para fazer a
reportagem, que culminará com a habitual foto do aperto de mão europeu.
Finalizo desejando-lhe as melhoras
da cabeça, e que da próxima vez não me importune com assuntos de menor
relevância.
Cordialmente,
Janeiro Alves
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