“Disse-lhe que Portugal ainda tinha muitos
comunistas
mas o que ele queria saber era onde havia señoritas
que o levassem a dar uma volta.”
in A Naifa, disco “3 minutos antes da maré encher”, poema de Tiago Gomes.
A
Galeria Arco 8 há muito tinha anunciado
para o início de Novembro o concerto das Señoritas. Cumpriu-se a vontade e o motivo foi a
apresentação do álbum "Acho que é meu dever não gostar", o mais
recente projecto de Mitó Mendes e Sandra Baptista, cujo disco já tinha sido
estreado em Setembro do ano passado. Conviria recordar que o projecto “A Naifa”, banda anterior do
duo em questão e com impressão de Luís Varatojo, foi presença assídua em vários
palcos do arquipélago, tendo existido mesmo um concerto mítico, à semelhança
daquele dado no Teatro Faialense, em Maio de 2012, à altura carregado de grande simbolismo, pois tratar-se-ia do
primeiro concerto sem a presença do malogrado João Aguardela.
Na noite
de sábado, o público no Arco 8 foi maioritariamente feminino. As Señoritas despontaram em palco com a força e a segurança de quem
gosta muito daquilo que faz pois, segundo elas, continuam a ser livres de
gostar ou não. Mitó Mendes canta e toca guitarra, Sandra Batista toca acordeão
e baixo eléctrico e ambas socorrem-se dum 'leque' de programações que permite
intensificar e preencher as 12 canções do seu álbum debutante.
As
letras de Sandra Baptista são directas, com versos simples
e crus, a roçar emoções ferozes e com refrões disparados em revolta constante.
Depois da abertura com a canção que dá título ao álbum, o foco recai em “7
Pragas” e remete a audiência para um ambiente peculiar. Há, sem qualquer
dúvida, uma sensação de estranheza perante o arrojo minimal e que é traduzido
neste casamento entre um olhar português do século XXI com aquilo que se pode
chamar de pensamento urbano-feminista. A descontracção das duas em palco é bem
visível nas canções como “Mão Armada”, um tema sobre a tensão pós-menstrual, ou
“Nova”, que reflecte sobre quem recusa o envelhecimento, chegando mesmo a ouvir-se
um coro de gente a cantar em uníssono: “viver
bem/ sempre nova/ com os pés prá cova”. Pelo meio escutam-se outras
variações ou fábulas urbanas e eis que intuímos a religião impregnada de culpa
e de pecado em “Confesso” e “Confissão” - onde escutamos vozes gravadas em oração.
Há também um lado sombrio em marcha fúnebre quando se repete até à exaustão -
"Os funerais são os casamentos dos mortos", com uma letra a remeter
para uma existência dolorosa. Menos sombrias e com cadências ligeiras e soltas ouvimos a abordagem ao torpor dos órgãos em “Ciática” ou o regresso à infância com "Alice". A ousada proposta musical
parecia ter chegado ao fim mas a dupla, entusiasmada, sentia-se em casa.
Por
último, as senõritas regressaram ao palco para tocar os dois últimos temas,
despedindo-se com uma versão por elas tão bem conhecida – “Amanhã”- dos Sitiados, canção que nos elucida sobre uma vida sem conflito a que não podemos deixar de fazer frente:
“Alguém morre nos braços do mar/ alguém morre sem acreditar”. A verdade é que
ainda havia muito para dançar e desfrutar com o anunciado DJ Fellini,
certamente não o extraordinário realizador italiano, ainda que por
instantes pensássemos ter estado na cidade das mulheres.
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