De
volta ao norte, à cidade atlântica de seu nome Póvoa de Varzim, hoje,
sossegada, longe das catervas de gente em passeio dito alegre, afastada desse
estio com praias repletas de gente em veraneio, a paisagem agora parece outra.
É uma cidade líquida, com chuva, frio e uma calmaria interior que se instaura.
Por isso há passagem pelo renovado Cine Teatro Garrett para espreitar a
programação do Cineclube local pertencente ao “Octopus – Grupo de Investigação
Científica e Animação Cultural”, que com este ano novo que se anuncia celebrará
40 anos da sua actividade ininterrupta, percorridos por diferentes gerações que
souberam prestar serviço público na divulgação da ciência e das artes que mais
gostavam. E, para quem por aqui andou nos idos anos 90 do século passado, sente
nisso uma enorme admiração, o orgulho de já lhe ter pertencido e, entretanto,
reparar que pouco ou nada mudou neste espírito subjacente à sua acção. A isso
acrescente-se uma programação cuidada e actual na escolha dos filmes e ainda um
espírito cineclubista digno desse nome. Basta ver a lista de filmes do mês de
Dezembro, que começou logo com “A Fábrica do Nada”, de Pedro Pinho, uma
película portuguesa galardoada em muitos festivais por onde tem passado,
seguiu-se a longa-metragem dos irmãos Safdie “Good Time” (Quem ainda se lembra
de “Vão-me Buscar Alecrim”?), depois veio “O Outro Lado da Esperança”, do
finlandês Aki Kaurismäki, e, por fim, o vencedor da edição deste ano do
Festival de Cannes – “O Quadrado”, de Ruben Östlund. Este último com a sala
praticamente cheia, caucionada pela qualidade de uma projecção cinematográfica
irrepreensível.
Relativamente
à premiada obra de Ruben Östlund, apelidada com o curioso título de “O
Quadrado”, podemos concluir que se trata de um filme deveras instigante,
dilemático, e, porque não dizê-lo, inteiramente hodierno. Logo para começar,
vê-se que é um filme atento e "observador" da arte dita contemporânea e da influência social que gira em
torno do mercado da arte e dos seus fiéis seguidores. A trama gira, portanto,
em torno de um curador bem sucedido que no decorrer da preparação de uma
exposição se vê espoliado da carteira, telemóvel e botões dos punhos do avó à
saída do metro. Este acontecimento aparentemente perturbante irá funcionar como
bola de neve para novos episódios que se sucedem em catadupa não permitindo ao
espectador respirar. Aqui entram, pois, os diálogos dilemáticos de Ruben
Östlund, nada é dado como garantido e as certezas vão sendo lentamente postas
em causa, aproximando-se do caos e da permanente tensão até à alucinante cena
que ocorre durante o jantar de apresentação.
Este
filme, por sinal sintoma e expressão de uma Europa polimorfa e diversa,
atente-se na origem e feições faciais dos actores e actrizes, deveria ser
motivo de orgulho a presença dum cineasta que interroga as convenções, põe em
causa a redoma em que vivemos e permite-se inclusive duvidar do "lugar de
onde cada um de nós fala", convocando-nos para uma reflexão sobre o
"outro", porventura, aquele que excluímos dentro de nós. A parte final
é reveladora dessa humanidade que tarda em chegar, esse reencontro connosco que
só assume clareza pós a queda e onde não nos devíamos esquecer do princípio que
nos devia reger: a dignidade. É essa dignidade que não precisa de nenhuma
figura geométrica para se demonstrar, melhor dizendo, do lugar onde estamos nem
sempre nos é permitido qualquer redenção!
Totalmente de acordo quanto ao filme, Dr Mara, só é pena não termos estado no mesmo quadrado nessa noite. Abraço G.
ResponderEliminarE cheguei a questionar o seu paradeiro...o filme é como se costuma dizer um murro no estômago. Venham mais coisas destas do Norte!
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