Livro da Exposição Interior/Exterior
(Fotografia de Carlos Olyveira)
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Sobre a escolha das
obras de Ana Vieira
Falar
sobre estes dois objectos artísticos da exposição Interior/exterior é tentar (re) capturar a atenção de uma ausência,
o fluxo do invisível, essa improvável permuta entre a obra do artista e o olhar
atento do expectador. As obras por mim escolhidas são, por isso, uma caixa com
o vazio da garrafa e uma poltrona da artista plástica Ana Vieira. O que dizer
depois do lastro desse primeiro olhar?
A
escolha das obras da Ana Vieira pretendem assim dar conta desse olhar que não
se encontra, que também se perdeu, que se encontra ausente. Como exprimir o
deslumbramento desse olhar? E, claro, depois disso visualizar uma perspectiva,
tornar legível o sentir no deslocamento de um olhar que um expectador sente com
a intersubjectividade do seu corpo. Se possível, com o corpo todo. A obra de
Ana Vieira não é para ver mas sim para espreitar.
A obra de uma caixa com o invólucro/vazio da
garrafa remete para uma ideia de ausência, desse jogo da invisibilidade/visibilidade
a que o objecto está sujeito e da interrogação previsível de quem assiste, isto
é, ao questionamento do espectador. A garrafa não se encontra presente, apenas
a sua forma e por isso se torna possível imaginar que esta possa ter sido
usada, que esta possa ser fruto de uma vivência, a reticulação duma qualquer
marca, pegada, digamos, que ficou por esclarecer ou desvendar. Do mesmo modo
que uma poltrona exposta nos sugere o questionamento e envia para uma
invisibilidade física que faz pensar sobre o usufruto que alguém lhe possa ter
dado ou ter sido usada em casa por alguém ou dar lugar para alguém se sentar.
Quantas pessoas nela se terão sentado? Que memória guarda aquela poltrona?
Como
característica essencial do trabalho plástico de Ana Vieira: a criação de
espaços e de ambientes, a obra aberta. O expectador participa enquanto “espião”
de imagens e lugares, alguém que pressente o eco, esse sussurro do momento em que
algo lhe tocou os sentidos. O que é possível dizer ou acrescentar ao que não
sabemos, ao vazio que as representações nos sugerem? Mais importante do que as
sombras, ficam as tramas, o véu, o vácuo, os materiais que envolvem os objectos,
o que não é mostrável, esse lugar inacessível. Pode ser assim, melhor, existir
um diálogo com a obra de Ana Vieira, num jogo de ocultação/visibilidade,
investindo no questionamento da arte.
Curiosamente,
apraz-me concluir que a obra de Ana Vieira é-me muito apetecível pelo seu lado
da representação, daquilo que é encenado, intuído, evidenciado por esse jogo de
espelhos, tal como as sombras ou transparências... que evoca tantas vezes a arte teatral, que faz-nos ver o seu
trabalho de fora, com uma consciência em off.
Sem dúvida, uma artista com pergaminhos, que soube explorar esse lado subtil da
arte, delicada nos gestos e honesta na sua busca e percurso singular, ainda a
sua concepção de uma arte multidisciplinar, essencialmente na forma como esta
se percepciona e nos coloca perante os seus objectos artísticos.
*Texto
lido no dia 6 de Abril, na exposição Interior/Exterior, no Núcleo de Santa
Bárbara, Museu Carlos Machado.
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