Ficaria este seu mui
amigo descansado, se esta carta o encontrasse na plenitude das suas capacidades
intelectuais, sobretudo se orientadas para assuntos belos tais como a divindade
na botânica ou a higrometria insular, e não para devaneios anarco-sindicalistas
que já o prejudicaram no passado.
Escrevo-lhe no despontar
do Outono da varanda do meu quarto, onde pelo meio da folhagem tropical se
vislumbram excertos do pátio central desta magnífica casa de saúde
setecentista, enquanto com a mão esquerda afago os meus sapatos italianos de
cetim afivelados que tantas recordações me trazem da Eslovénia e de Trieste. Queria
saber como vai o meu amigo, mas posso desde já assegurar-lhe que bom, bom estou
eu. Naquele dia em que corria nu pela Praça D. Pedro V, firme e convicto na
minha luta contra certas e determinadas situações contemporâneas que corroem os
pilares da nossa sociedade, estaria longe de imaginar que uma camisa de forças
me transportaria a este idílico cenário de anjos, concertos de clarins e harpas
para coro de pássaros exóticos, ninfas e ninfetas que nos fornecem directamente
à boca os mais frescos frutos do bosque como se fossem comprimidos para a
inibição das consciências enquanto sussurram palavras de bonomia aos nossos
ouvidos, risos de cristal que ecoam nos claustros e balaustradas, e fontanários
de água celestial a correr como tónico capilar para o cabelo que me voltou a
crescer às golfadas. Isto constitui apenas uma breve impressão desta casa
magistral, pois tenho a certeza de que se fosse entrar em pormenores, o meu
Caro Doutor Mara estaria aqui já amanhã, de mochila às costas, a pedir que o
deixassem entrar. É uma pena que não estejamos autorizados a receber visitas, e
digo-lhe desde já que não sabemos bem onde estamos. Ser-lhe-á fornecido um
apartado, para o caso de o meu caro amigo ter a gentileza de responder a esta
carta.
Termino esta missiva com
um excerto de um poema sueco muito bonito, que partilho consigo pois aqui
ninguém fala essa bela língua: “Hjälp!
Rädda mig från denna tragedi”
Janeiro Alves
Sem comentários:
Enviar um comentário