"Mas, tratar-se-ia de amizade? Há uma relação para a qual, em checo, existe a palavra «souduzsdtvi» (soudrub: camarada), isto é, «amizade dos camaradas»; a simpatia que une os que travam a mesma luta política. Quando desparece a dedicação comum à causa, deparece igualmente a razão da simpatia. Mas a amizade sujeita a um interesse superior à amizade não tem nada a ver com a amizade.
No nosso tempo, aprendemos a sujeitar a amizade àquilo que se chama as convicções. E mesmo com o orgulho da rectidão moral. De facto, é preciso alcançar uma grande maturidade para compreender que a hipótese que defendemos é apenas a nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que só os indivíduos muito limitados podem fazer passar por uma certeza ou uma verdade. Ao contrário do que sucede com a pueril fidelidade a uma convicção, a fidelidade a um amigo é uma virtude, porventura a única, a suprema.
Observo a foto de René Char ao lado de Heidegger. Um, celebrado como resistente contra a ocupação alemã. O outro, denegrido por causa da simpatia demonstrada, em determinado momento da vida, pelo nazismo emergente. A foto data dos anos do pós-guerra. Estão de costas; boné na cabeça, um alto, o outro baixo, caminham na natureza. Gosto muito desta fotografia."
Milan Kundera, um encontro, Edições Dom Quixote, 2ºEdição, 2009.
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