Caro
Doutor Mara,
Escrevo-lhe esta carta no último
suspiro de 2018, desejando que a mesma o encontre capacitado para as artimanhas
que um ano com a fisionomia de 2019 deixa antever. Todo o cuidado é pouco para
um ano deste calibre, meu caro amigo!
A razão desta carta é dar-lhe um
pequeno vislumbre da minha actual situação e das circunstâncias que a ela me
conduziram. Recebi um convite do Royal Hotel Magestic para a gala do fim de
ano, estabelecimento de grande categoria e reputação, onde curiosamente recebi
o galardão de autor da “Pior Obra Literária do Ano”. Preparei logo o meu fraque
Suiço e puxei todo o lustro que consegui aos meus sapatos italianos de cetim
afivelados. Até aqui tudo normal. O Doutor Mara sabe que me dou bem nos
círculos da alta roda. Mas eis que o mais inesperado aconteceu. Insólito mesmo,
para não dizer de uma estranheza teatral. Quando entro no grande salão
presidencial, deparo-me com mesas redondas de uma elegância inolvidável, com
pessoas de uma beleza de cristal já sentadas a conversar e a bebericar pequenas
doses do melhor champagne. Procurei o meu nome na lista de mesas, e foi então
que fiquei estupefacto. Na minha mesa estavam os seguintes nomes: Janeiro
Alves, Victor Klaus, Alberto Ai, Andar Carrasco, Fausto e Giorgio Delle Mare.
Imagine Doutor Mara! Estou neste momento sentado com todos eles a degustar
belas iguarias com acompanhamento vínico de gabarito internacional.
Como deve entender, agora não me
posso alongar mais, pois há um ano para passar, mas certamente dentro de dias
lhe enviarei informações detalhadas sobre este curioso encontro, que tem tudo
para correr bem, e tudo para correr muito mal.
É portanto com um nervoso miudinho
e ligeiros tiques no sobrolho que lhe desejo um excelente 2019, e uma noite de
Reveillon com toda manigância e prestidigitação a que já habituou os seus
convivas, desde que fez desaparecer a roupa interior da sua vizinha, fazendo em
seu lugar surgir uma sangria de frutos vermelhos pronta a servir. Bom ano Doutor
Mara, e até breve se não for antes.
No
limite da hora e com toda a estima,
Janeiro Alves
Prezado Doutor,
ResponderEliminarNão resisto deixar algumas notas, ainda que me faça falta um cigarro entre as mãos como terá, certamente, feito falta alguma companhia ao Janeiro na tal mesa em que se sentou...
Certa vez também eu sentei-me sozinho a uma mesa cheia de gente. Era a Table 63 num cruzeiro pelos Balcãs, antes de irmos dar ao Mar Negro. Não se viu quase nada.
Todos os outros passageiros à mesa eram de uma idade assaz avançada, ao ponto que muitas vezes eu cuidei estarem mortos. Era sempre um alívio quando se calavam eternamente. O bafio a antigo era de uma espessura inimaginável. Foram necessários talheres...
Quedei-me, na 63, apaziguado pelo vinho de excelente qualidade (pareceu-me que teria sido pisado por humanas benesses ancestrais - a Antiguidade ali tão perto...).
As vozes na minha cabeça foram a única companhia a dar alento à borda dos copos como se fossem corpos auto-sorvidos. A boca sempre sedenta. Os mortos por ressuscitar.
Imagino como se terá sentido, o nosso prezado Janeiro, com tantas vozes à sua volta na mesa reservada para o efeito. Quase cósmico, aposto, embora no meu caso, na Table 63, em vez que supernovas eu tivesse supervelhas. Sinas, provavelmente.
Votos de um Bom Ano para as vossas almas!
Estimado Marco Evo,
ResponderEliminarenobrecido fico por lê-lo no início de um novo ano.
Auguro-lhe um ano feliz!