Acolhi
a sua carta de fim de ano enrolado em cobertores e fui lendo as suas sentenças e
narrativas com o eflúvio das derradeiras brasas espargidas na salamandra. O meu
amigo Janeiro com a sua missiva à laia de
31 fez jus ao número e à atitude, confirmando com este seu gesto o que já é
uma longa tradição de décadas. Só não percebo, ainda que tenha feito mesmo um
grande esforço, quem lhe possa ter dito que eu fui cantando aqui e ali pequenos
trechos do Gingle Bells, quando na verdade interpretei (em plena avenida de
Santa Catarina) trechos intermináveis da Carmina
Burana, do germânico Carl Orff. Que sucesso retumbante!
Comunico-lhe, assim, que visitei durante alguns dias da quadra festiva uma estação termal de
São Pedro do Sul onde realizei banhos quentes, desta feita mergulhei em tanques
de vinho e chocolate muito quente, sempre a temperaturas simpáticas e bem
agradáveis, a contrastar com o gelo que fazia cá fora. Apesar do gosto pela
familiaridade e das corridas colectivas ao consumo propício da quadra, passei,
entretanto, jornadas de felicidade pura instalado nesses tanques aromáticos ou
então no recato da minha habitação rodeado de livros de poesia obscura, muita
música dita alternativa e um conjunto de filmes marginais. Sim, tudo isto foi o
bastante para me ocupar e afastar das compras e presentes natalícios. Por sorte, encontrei por lá a amiga e curadora, a estoniana
de origem francesa, a Annemarie Ripsmed, com quem partilhei chá verde e uma
caixa de queijadinhas da Ilha Graciosa.
Mencionado
este pequeno lembrete, e porque o ano já vai com algum gás, relembro-lhe que
agora estou já acomodado no meio do atlântico a recolher material para mais
uma obra ensaística e, quem sabe, um romance sobre a natureza das relações
humanas. Não gostaria de terminar esta carta sem lhe dizer que não me recordo
de alguma vez me ter emprestado cem euros. De qualquer modo, guardei o seu nib para o caso de
me sair alguns trocos na raspadinha diária que realizo no snack-bar do meu
bairro. Sei que o amigo Janeiro aprecia uma boa esmola despreocupada.
Digo-lhe
adeus como se estivesse fascinado por gladíolos ou impressionado pelo voo
secreto das mariposas, augurando ao amigo Janeiro um novo ano muito diferente
do anterior, sabendo que só poderei voltar a ouvi-lo em Fevereiro, o que muito
me encanta.
Obediências e cotejos deste seu amigo que não o esquece,
Doutor Mara
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