Pergunto-me se nos
podemos tornar ilhéus ou se devemos
nascer numa ilha para o
sermos. Pergunto-me se é possível
adoptar uma terra mãe,
substituir o espaço falsamente infinito
pelo limitado, em troca
de um punhado de anos. Se serei sempre
um pedaço de espaço em
colisão com outros pedaços, asteroide
num mundo de água, ou, pelo contrário, poderei
ensaiar
coreografias
equidistantes, formando arquipélagos de números variáveis.
Aqui, ergo-me a observar
a barreira do mar ao alcance da mão.
Tornar-me-ei no rapazinho
de chupeta que vem à porta ver os carros que passam?
Na velhota que dia a dia
sobe e desce o declive da rua principal, pernas arqueadas, camisa
de flores, sacos nas
mãos? No rapaz rude que atira a beata para o espaço entre o passeio e o pé,
recusando a vida no gesto?
Feita de uma terra seca e
estirada, talvez nunca me transforme
em montículos, em vincos,
em bruma sobre os ombros. É possível que nunca o consiga, mesmo que tenha
plantado três bonitas sementes que me transformaram as veias em verde, verde
brilhante, verde húmido.
A mente–ou será a alma? – voa sem
pouso. Poder-se-á dividir
entre insular e continental? Poderei desenhar dois círculos e instalar-me a
viver na sua intersecção, com uma perna a balançar em cada lado? Terão as palavras
o dom de conciliar o irreconciliável?
in Neste Mar Imóvel, Araucária Edições, 2019.
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