"É para isso que serve a educação. Educar é ensinar a escrever português. Deseducar é ensinar o que se deve ler, criar obrigações de ler os autores bons, tentar interferir no que se lê.
Ensinam-se as crianças a ler para que saibam ler ou para que saibam ler o manual de instruções que escrevemos e funcionem exactamente como nós queremos?
Posto de outra maneira, é lendo aquilo que queremos que leiam, que elas ganham o gosto de ler?
Para aprender a comer é a mesma coisa. O que é preciso ensinar é a escolher. Para educar uma criança é preciso ensiná-la a encontrar o que gosta. Não é enfiar coisas boas pela goela abaixo. Ou induzi-la a vomitar quando se delicia com coisas más.
Para educar uma criança é preciso ensiná-la a rejeitar o melhor queijo, e não o pior. É preciso ensiná-la a não gostar do melhor peixe, e não do pior.
Educar é ensiná-la a justificar convincentemente, aceitavelmente, as más escolhas que faz, as obras primas que rejeita , os pitéus consagradíssimos que detesta.
É armá-la para a rejeição. É rejeitando que nos definimos e identificamos"
Miguel Esteves Cardoso, in "O gato das botas", Público, dia 11 de Fevereiro, 2023.