Jorge Silva Melo (1948-2022) |
"Depois da bárbarie, tentou-se, em alguns pontos mais ricos da Europa, que o Teatro (que fora conivente mais do que resistente) fosse o lugar convergente de uma eventual cidadania (moderada, que o Poder exercia a sua Autoridade nos assuntos importantes, claro, dinheiros e trabalhos e tal). Em diferentes momentos, mas animados por uma esperança nova, o Berliner, o Piccolo, o Théatre Nactional Populaire ou a Royal Shakespeare Company, tocadas todas estas Companhias e de diferentes modos, pela clareza provocatória do trabalho de Brecht, tentaram que as suas salas fossem escola e laboratório, jornal e assembleia. Nas suas paredes ecoaram vozes do seu tempo revisto sempre à luz contraditória dos clássicos e dos modernos. Os poderes, inquietos com a repentina ascensão de outras classes, permitiram essas ágoras que se pretendiam contemporâneas, pacifistas, internacionalistas, patrióticas também. Os teatros queriam oferecer a um público de boa vontade matéria para reflexão. Montar A Paz de Aristófanes durante a Guerra da Argélia, como o fez Jean Vilar, ou trabalhar o Coroliano de Shakespeare, como tentou o Berliner, na zona de ocupação russa e no auge do culto de Stalin, serão exemplos desse gesto primitivo. Como os jornais, os teatros ofereciam a um público vasto mas atento "espectáculos de opinião" sobre temas de uma actualidade dilacerada.
"Teatro para os Novos Reis, religião dos Novos Papas", in "A Mesa Está Posta", Livros Cotovia,2019.
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