“Abril
não é o mês mais cruel, como dizia T.S. Elliot. Bem pelo contrário, é o melhor.
Pelo menos para nós. Também mistura memórias e desejos, como dizia o original.
Mas não faz germinar lilases: aqui, Abril é anuncio de jacarandás. E dos
cravos.
Começa
segunda-feira. Seguir-se um ano durante qual tudo se dirá, da cruel verdade ao
cómico dislate. Seminários, livros, programas de televisão, filmes, romarias,
investigações e evocações, nada faltará. Se forem poucas as liturgias e raros
os reflexos condicionados, talvez dentro de um ano, saibamos mais sobre nós
próprios.
Talvez
sejamos capazes de perceber melhor por que razões a ditadura durou tanto
tempo, por que motivos os portugueses deixaram que assim acontecesse.
Ou antes, por que não foram capazes de melhor resistir e mais combater. Talvez
sejamos capazes de saber melhor por que os portugueses ainda são mais
desiguais, pobres, analfabetos e resignados do que outros na Europa. E pode
também ser que venham mais argumentos que nos permitam compreender melhor as
razões pelas quais, no grande continente que é a Europa, este povo pequeno,
pobre e marginal resistiu, sobreviveu e insistiu na sua independência.
Se
o meio centenário de Abril não for simplesmente, mesmo em nome da liberdade, a
consagração dos actuais interesses, o respeito pela vassalagem e um festival de
vingança e de intolerância, talvez as festas tenham valido a pena. Abril não merece
louvaminhas, muito menos represálias e desforras. Abril merece liberdade,
tolerância e inteligência.
António
Barreto, in Público,
30 de Março de 2024.