domingo, 31 de agosto de 2025

Burning Summer: África Minha!

     
     A pergunta impunha-se: como chegar a Porto Formoso? Tudo começa com um autocarro da CRP que faz a carreira diária que nos deixa mesmo à entrada da freguesia. A partir daí estamos entregues à natureza e à música, num cartaz que se mantém maioritariamente africano. 
Destaque-se no primeiro dia, dia 29, os concertos do agrupamento caboverdiano Mário Lúcio and The Pan African Band e dos Santrofi, oriundos de Acra, no Gana. O antigo ministro da cultura de Cabo Verde, sempre vestido de branco, provou que continua aí para as curvas. Mário Lúcio tem um crioulo bonito tal como a sua música é uma balança carregada de ondas, ora batem com agitação ora acalmam águas profundas. Os Santrofi trouxeram de forma competente ecos na nova cena musical da capital ganesa. No segundo dia, 30, assistimos ao concerto memorável de Dino Santiago & Os Tubarões, bem como de Bonga, que continua irrepreensível com o seu semba, nada falha, mesmo com a sua longeva idade. Por último, a cantora guineense Fattu Diakité que impressionou pela imponência da sua voz e uma presença magnética em palco. 
        Onze anos depois, o Burning Summer continua mais valioso que nunca, não só pela sua diversidade musical como também pelo enfoque especial que é dado à música de Cabo Verde, país onde brotam músicos e músicas em cada esquina do arquipélago.
       Uma referência, por fim, à utilização das casas de banho no interior do recinto dada a inutilidade da sua diferenciação entre os sexos, pois já não faz sentido a filas sem fim no que toca ao acesso feminino, ou já para não falar das senhas que ficam por consumir por falta de aviso do fecho do bar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Melancolia do Fim de Agosto

      Há um travo amargo quando Agosto termina, quando nos despedimos deste mês consagrado à lassitude e às cigarras. A rapidez com que este mês da canícula passa sobre nós é equivalente aos novos TGV. Por isso, quando atingimos os seus últimos dias avança sobre os corpos uma nostalgia que nos esmaga, tolhe o raciocínio, trava qualquer racionalidade. É, pois, uma despedida pesada, carregada de tristeza e sentimentos de culpa, sobretudo, por tudo o que ficou por fazer, as promessas por cumprir, os desejos por concretizar. Setembro fará depois o seu trabalho e, quando o Outono de calendário se enunciar, novos sinais de enfrentamento tornaremos claros, se assim o quisermos. 
       Desta feita, nada é mais desolador que o fim de Agosto, os seus despojos e sedimentos, o que ainda resta da voragem do tempo sobre a estação estival. Este começa sempre por afigurar-se prometedor - os seus dias longos e claros - até à contrariedade das manhãs de neblina e das noites carregadas de cacimba, nada se apresenta tão pesado e sombrio como os seus derradeiros dias. Nada nos resta senão fruir com sabedoria esta pequenina fracção deste Agosto por encerrar. Será isso a douta melancolia?

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Livre: Viagem à Albânia com Lea Ypi!

      Um livro pode aproximar-nos de um lugar, de viagens realizadas e de memórias intensas guardadas bem lá atrás do tempo e da existência. O país em questão é a Albânia, situado nos balcãs, no litoral do mar Adriático. Lea Ypi, a autora do livro, é uma professora de Teoria Política na London School of Economics, nascida em Tirana, em 1979. 
    "Livre" é um ensaio que retrata o período antes e pós comunista vividos pela autora e onde o passado familiar imprime uma marca profunda na sua visão do mundo (a autora dedica o livro à avó). E eis que, subitamente, somos transportados até à Albânia e é como se a escrita nos trouxesse de volta essa viagem, esses dias lá passados, uma existência partilhada.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Da Gentrificação

       «Veja-se a origem da cidade, os povos que a formaram, dos fenícios aos gregos, mais tarde os romanos e todos os outros que vieram com a expansão marítima. Lisboa sempre teve árabes e judeus. Tem uma identidade que foi sendo desenhada por essa diversidade de modos de vida e culturas", diz, lamentando o que vê como tentativas de rasurar a identidade múltiplice, substituindo-a por uma ditada esttitamente pelos interesses imobiliários internacionais. "A gentrificação é que é a verdadeira ameaça a Lisboa, não os imigrantes", conclui o vocalista dos Pop Dell´Arte.»

João Peste, in "Gentrificação é que é a verdadeira ameaça a Lisboa, não os imigrantes", Público, 19 de Agosto de 2025. 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Da Lucidez

         "E se aparece um tipo a berrar:"Mete-se tudo na cadeia" há uma quantidade de pessoas que vão atrás dele. Se aparece um tipo com um tambor e uma corneta e uma bandeira a desfilar pela rua fora, junta-se uma quantidade de pessoas atrás dele, e então elas vão até ao fim."

Zeferino Coelho, Expresso, 8 de Agosto, editor da Editorial Caminho. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Música para um Estio Quente

Uma Canção de Verão - Praia, Campo, Cidade e Montanha, 2025 - Montanha Mágica 
Alewa (Black or White)Alewa, 2020 - Santrofi 
Ka moun Kè - Beautiful Africa, 2013 - Rokia Traoré 
Madalena - Dor de Mar, 2012 -Tcheka 
Mi So - Migrants, 2023 - Mário Lúcio 
Ungdomen, röda kinder - Sex, 2024 - Anna Järvinen
Back to the Old House - Hatful of Hollow, 1984 - The Smiths 
Nothing´s Gonna Hurt You Baby - I. 2012 - Cigarrettes After Sex 
In a Matter of Speaking - Nouvelle Vague, 1998 - Nouvelle Vague 
Fogo Fera - 100% Carisma, 2020 - Vaiapraia  
Fiesta Triste - Dissidente, 2025 - Tó Trips & Fake Latinos 
Espanto - Leveza, 2023 - André Henriques
Fugitivo - Escritor de Canções, 1990 - Sérgio Godinho  
All Flowers in Time Bend Towards the Sun - 1996 - Jeff Buckley and Elizabeth Frazer
The Last Time I Saw the Old Man - Rainy Sunday Afternoon, 2025 - The Divine Comedy 
Smalltown - Songs from Drella, 1990 - Lou Reed, John Cale 
So Goodnight - So Goodnight, 2012 - Pop Dell´Arte 

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Do Jornalismo

         
Il Sorpasso de Dino Risi 
«Sembra una vespa (Parece uma vespa)» Rezam as crónicas da época que terá sido essa a exclamação de Enrico Piaggio, filho do fundador da marca, a dar nome a um dos mais icónicos modelos de motas da história, mas também um dos mais bem sucedidos casos de reconversão em termos de crise. Antes disso, a italiana Piaggio, fundada em Génova, em 1884, alimentava sobretudo a indústria aeronáutica, com a construção de aviões e componentes de aviação durante o período que abraçou as duas grandes guerras mundiais. Com o final da II Guerra, numa Itália com a economia e as estradas destruídas, Enrico redireccionou o foco da empresa, criando um meio de transporte simples, económico e elegante que logo ganharia fama mundial. 
        A Vespa é só um dos vários exemplos que podem ser encontrados em manuais sobre inovação em tempos de crise. Também ao jornalismo a necessidade de reinvenção tem levado à experimentação de novas fórmulas, novos projectos, novos modelos de negócio. Por entre o negro horizonte instalado, vão surgindo pequenos sopros de esperança, seja à boleia de projectos independentes, de plataformas colaborativas, de novos formatos (podcast, jornalismo de dados, factchecking....) ou de diferentes  formas de financiamento que sustentem a sobrevivência dos media.  

Rui Frias, in O Jornal, Retratos da Fundação, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Fevereiro de 2025. 

Fétiche Bélico de Sónia Bettencourt

A guerra é desde sempre o maior fetiche do homem
Ele até aposta a sua vida em como um dia matará alguém
que nunca sequer chegou a existir
 
Ah! criatura ensandecida, fascínio dos deuses
sem pactos nem asas!
 
A caminhar nos campos magnéticos do suicídio
como se o fim estivesse à saída de um disparo

 quando tem toda a sua vida por acertar.

sábado, 9 de agosto de 2025

Verso de Sérgio Godinho

Um homem corre na noite  

Burning Summer: Ecos Cinematográficos!

            
Porto Formoso
Fotografia de Frederico Rocha 
fredrocha.net

Agora que Agosto ainda vai no adro começam a aparecer os primeiros ecos do Burning Summer Festival, em Porto Formoso, São Miguel, sobretudo com o cinema na praia, sendo este uma parte integrante do programa. Desta feita, a edição deste ano, nestes primeiros dias do mês, privilegiou o cinema português com os filmes “Phil Mendrix”, de Paulo Abreu, "E Agora? Lembra-me.”, de Joaquim Pinto, "Ama-San" de Claúdia Varejão, sendo o filme “Postcards From Índia”, de Tommaso Dolcetta, o documentário de abertura desta bem pensada actividade cinematográfica ao ar livre na Praia dos Moinhos.  Quanto à sessões musicais, previstas para os dias 29 e 30, o programa é eclético como sempre, no entanto a diversidade musical é o factor diferenciador de um festival que aposta na exploração de distintas sonoridades e de concertos junto dessa força da natureza que é o mar. No primeiro dia, sexta-feira, teremos Rodhalia Silvestre & Mário Jorge Cabral, Anthony B & And The House of Riddim, Mário Lúcio and The Pan African Band, Santrofi e, no segundo dia, sábado, Dino Santiago & Os Tubarões, Bonga e Fattu Diakité. A abrir a contenda bailante, tanto no início, meio e fim, há musica oferecida pelos Dj´s de serviço: Mesquita & Laura, Milhafre, Quaresma, Pedro Tenreiro, Adrian Sherwood, & Omar Perry, Tape e Good in Da´ Hood.                 
Note-se, assim, que, dez anos depois, este festival que se realiza na Praia dos Moinhos continua a dar um destaque especial à música de Cabo Verde, lugar de proximidade cultural, curioso viveiro de músicos, canções bonitas, sentimentos de partilha e interessantes cumplicidades, dado que por aqui já passaram: Tcheka, Princezito, Ferro Gaita, Mayra Andrade, Fogo Fogo e Elida Almeida. Cabo Verde tem, há muito, palco montado em Porto Formoso. 
         Ainda uma recomendação para os primeiros dias Setembro, antes que a vida nos consuma com horários, rotinas e obrigações, desfrutemos de uma proposta deste festival intitulada – “Detetives Marinhos, Conhece os peixes que Comemos”, com o biólogo Luís Rodrigues. Um primor de descobertas dos ouvidos à barriga!

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Do Bom Carácter

        "Enquanto estão vivos, para mim é fundamental, que tenham bom carácter. Agora, o Wagner obviamente tinha um péssimo carácter mas isso pouco me importa: deixou uma obra extraordinária. O carácter de Beethoven tinha lacunas graves. O do Céline, nem falar.Mas é a obra deles que fica, não o que eles foram. O O´Neill, por exemplo, de quem eu estive próximo durante algum tempo, almoçávamos uma vez por semana: era difícil ser amigo dele. Muitas vezes saía de junto dele com a impressão de que ele não gostava de ninguém." 

António Lobo Antunes, Revista LER, 2008.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Matar o Tempo de Naná da Ribeira

A sentença é dita pelo guarda vidas 
uma bóia é tudo o que precisamos 
a neblina à distância de um palmo 
uma paisagem de escarpas e montes 
rebentam ondas e há ainda quem se atreva 
que ninguém se afogue e o tempo se ocupe
de mim, de ti e do que nos atormenta 
e, por agora, nos salvem
desta maré sem dor

Verso de A Garota Não

 Os rios juntam não partem metades 

Provérbio

Em Agosto toda a fruta tem o seu gosto

Esperar de Kol de Carvalho

Esperar de Kol de Carvalho 
4 a 8 de Setembro de 2025
Galeria da Ordem dos Arquitectos 
 

Lourdes Castro: Sombras no CAC.

         Lourdes Castro faleceu no Inverno de 2022, com 91 anos. A sua exposição em solo açoriano, no próximo mês de Setembro, é o acontecimento mais aguardado do CAC (Centro de Artes Contemporâneas), na Ribeira Grande, São Miguel. 
"Pelas Sombras", 2010
Catarina Mourão
       Recuemos até 2017, a uma sessão de cinema na Galeria Arco 8 e ao documentário “Pelas Sombras” (2010), filme extraordinário de Catarina Mourão que, à altura, ganhou o Prémio do Público no IndieLisboa. Nessa incursão fílmica de oitenta e três minutos, foi possível perscrutar o universo artístico de Lourdes Castro, artista plástica oriunda da Madeira que foi bolseira da Fundação Gulbenkian, que  viveu em Lisboa, Paris, Berlim e na cidade do Caniço, na Ilha da Madeira. A artista, a determinado momento do documentário, proferiu a seguinte frase :"Às escuras e em silêncio é que se trabalha." As sombras foram o motivo da sua longa presença e seu labor profissional. 
          Quem mergulhou neste admirável filme, conseguiu, por instantes, penetrar naquelas sombras, antever o mistério da sua criação artística. Curiosamente a obra de Lourdes Castro não se fixou na pintura, pois obteve ao longo da sua carreira várias configurações – sserigrafia, plexiglass, desenho, ilustração, colagens, assemblages, peças em tecido, acrílico recortado florescente, etc. Uma obra extensa também na sua diversidade de composições e plataformas. Esta artista fez também parte da KWY (movimento artístico com direito a revista homónima entre 1958/1964 e doze números), sendo que a sua obra encontra-se espalhada por museus nacionais e estrangeiros e colecções portuguesas e internacionais. 
          O CAC (Centro de Artes Contemporâneas) ainda não divulgou o conteúdo da exposição, no entanto esperamos que esta sirva para nos aproximarmos ainda mais de uma das obras artísticas mais consistentes e celebradas da cultura portuguesa e insular.