segunda-feira, 20 de maio de 2013

eva surrealista

o teu corpo ossificado
menina vaidosa, mulher precoce
sem tempo para ser menina

asfixia cosmopolita, vírus de silicone no cérebro
menina beleza-agulha-e-destruição
o teu perfil de náusea dourada
menina cocaína - inferno calculado em gramas
impotência cultural, desmaio sociológico
saltos altos, claustrofobia da arte, mente dietética
menina a morrer na pista de dança,
balança, o corpo que avança, esqueleto epiléptico
no calendário, na capa da revista
na telenovela bioquímica
a entreter a inteligência do povo

o teu seio flor plástica, feminina
menina mecânica, tripas neuróticas
óculos escuros e deleites
coxas lipoaspiradas
o coito perfeito - tecnologia sofisticada

eva, criança
hábil golpe de beleza
acelera o pedal da economia. 

Sónia Bettencourt 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Edição de Em Maio Florimos Melancolia, letras e desenhos d´Angra Líquida



“Em Maio florimos Melancolia letras e desenhos d´Angra Líquida” é o título de uma colectânea de poesia a ser editada dia 18 de Maio, sábado, pelas 21h30 pelo colectivo de poetas da Casa do Sal. Num período em que os poetas fazem edições de livros entre cento e cinquenta e trezentos exemplares, a Casa do Sal / Oficina d´Angra reúne trabalhos de poetas a residir em Angra do Heroísmo e dá-los a conhecer ao público leitor. O lançamento desta colectânea coincide com a apresentação do número 85 do Boletim Cultural Fazendo dedicado à Ilha Terceira e que assim se dá a conhecer aos seus leitores terceirenses. Por esse motivo foram pedidos três poemas a Tiago Rodrigues, Luís Silva, Luísa Ribeiro, Sónia Bettencourt, Fernando Nunes, Paulo Serrão, Hernâni Candeias, Bianca Mendes, seis florilégios a Ana Paula Inácio e uma canção ilustrada a Paulo Branco. Os desenhos de Inês Ribeiro e Phillipa Cardoso ilustram esta edição de cinquenta exemplares, todos numerados e com carimbo da Casa de Sal/ Oficina d´Angra.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Insustentável Leveza do Ser

(imagem retirada de www.livre-se.com)

       Theresa: Thomas, em que é que estás a pensar?
  Thomas: Estou a pensar no quanto sou feliz.

in A Insustentável Leveza de Ser, filme de Philip Kaufman e livro de Milan Kundera

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Antologia de Autores Açorianos Contemporâneos

      “A ilha poderá ser, antes de mais, esse espaço de estar (e “estar” é muito mais verbo para ilhéu do que “viver”, escreveu Nemésio) e onde se assiste ao fluir do tempo dissolvendo contornos e arestas. Espaço demasiado próximo o corpo, dorido e doloroso também, confrangedor e paradoxal nos horizontes ilimitados que deixa antever sem realizar, daí o confronto que na escrita se encena entre o efémero, a finitude da ilha e o Absoluto como miragem do desejo, daí também esse jogo entre o perto e o longe, o concreto e o inatingível, que em Rui Duarte Rodrigues, por exemplo, deixa o inevitável rasto de uma subtil melancolia.”

Urbano Bettencourt in “Dos Açores e da sua literatura: errância e permanência”, pp.64-70, Lisboa, edições Salamandra, col. Garajau, 1999). 

O Fazendo apresenta-se na Ilha Terceira


O boletim cultural FAZENDO(https://issuu.com/fazendofazendo)apresenta-se ao público de Angra do Heroísmo no dia 18, na Casa do Sal, pelas 21h30, dando assim a conhecer aos leitores o número 85, no seu quinto ano de existência. A sessão, para além do lançamento da edição de Maio, conta com as apresentações musicais de Paulo Cunha, André Narval e Nuno Sardinha, uma exibição de vídeos do Experimentar Na M´incomoda, da autoria de Aurora Ribeiro, uma exposição de capas desta publicação e ainda a apresentação do primeiro fanzine de poesia do Colectivo Poetas do Sal intitulado “Em Maio Florimos Melancolia, letras e desenhos d´Angra Líquida”. Diga-se que o "Fazendo" deve muito da sua existência à vontade, empenho e dedicação dos seus colaboradores e, essencialmente, ao seu núcleo directivo. Este número oitenta e cinco é totalmente dedicado à Ilha Terceira, uma edição repleta de artigos, desenhos e ilustrações sobre a vida cultural terceirense, o que torna o Fazendo cada vez mais insular e plural. 

terça-feira, 14 de maio de 2013

ALENTOS

(Sephi alter)

I

a amendoeira
acho que é dia
vou entre línguas
que ninguém sabe
amarga e branca
em pleno inverno
o sol já vinha
florescia
fora da amêndoa
dentro das línguas
ninguém sabia
que despertava
com a flor primeira
acho que é dia

 II

mexe mexe damasqueiro
ainda sem  folhas ali
com as origens à mostra
todo o por dentro de fora

que até se vê através
das flores que não vieram
toca no que ainda dorme
mexe no mês de Janeiro

fica desarmado um ninho
onde o tronco se bifurca
desabitado  uma roda
de restos em turbilhão

mexe dentro da origem
toca na polpa do alperce
invisível mas que vem
relâmpago no caminho.

 III

se te lembras da China
ou se já tudo esqueceste, diz,
amoreira tão alta, cansada de
tudo. cantas  agora em silêncio,
escuta-se   
a tua altura sem neve.
lembras-te ao menos do verão
da fadiga, folha após folha
dizendo amoras amoras
dizendo tudo da seda da fruta.
cantar, diziam amoras
nos sinais do Outono
a cair a cantar

 IV

querem as uvas sair daqueles meandros
daquelas matérias mortiças;
vide dormindo sem presença
passa despercebida
tempo concentrado, vida escura
querem que  pague a fé na sepultura

que hás-de florir
dar sombra verde uma turba de mãos
estender-te velocíssima
agarrar trepar aumentar invadir o espaço
fazer brotar cabelos de bagaço

sei por ouvir dizer
por histórias contadas repetidas
coisas do teu futuro
cachos sumos bebedeiras
bondades crimes carreiras.

acreditas que sonhei
estar sentado à tua sombra
num socalco de Lisboa
e depois vinha uma abelha
de Évora com um ferrão
(daqueles que suicidam qualquer abelha em qualquer lugar)
para me comer à mão?

 V

nespereira
não pereira
que já seca
que já arde
na fogueira
pêra seca
sobre a mesa
desespera
a noite inteira
dizes freira
sempre verde
gargalhada
não esperada
cócegas dentro da nêspera
tragédias de Inês Pereira
nome doce
no caroço
abrasivo
na dentada
riso vivo
amarelo
como a casca
como a chama
alaranjada
quatro nozes
vinte vozes
contra a alma
mil algozes
no regresso do Japão
casa queimada não gozes

João Paulo Esteves da Silva 

Ser adulto...


      “Queria abordar o tema do que é ser adulto. Baseei-me num tio meu, de que gostava muito, que saía completamente das normas que a sociedade hoje exige a um adulto: ser bem sucedido, ter uma família, filhos, uma casa, um emprego…o tio Tomás era completamente fora disto: não era casado, não tinha filhos, nem família, nem emprego fixo. E no entanto, ele era importante para mim. A ideia que eu gostaria de passaria – vou ver se consigo – é que não preciso de fazer nada de extraordinário para ser excepcional para alguém. Foi com esse tio que aprendi desenhar.”

Regina Pessoa, in Público.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Escrever como quem mergulha

Fotografia de Tiago Rodrigues 




Escrever como quem mergulha
À falta de vaga e de espuma
E dentro do escafandro observar
A profundidade dos dedos dos pés...

Indispensável

       "Os poetas são as únicas pessoas para quem o amor é uma experiência não só crucial, mas indispensável."
Hanna Arendt (1906-1975)

sábado, 11 de maio de 2013

Balada para Angra


Fotografia de Tiago Rodrigues
"É pecado dizê-lo, amor, mas se eu fosse Deus, serias irremediavelmente minha namorada. Apanharia com doçura a tua mão esguia e os teus dedos breves como as madrugadas azuis do nosso silêncio saberia, então, encostar-me à tua baía de todas as bonanças. Se eu fosse Deus, amor, ia percorrer-te a cada instante nas tuas marginalidades e nos teus epicentros sempre prontos a bulir e acabaria, irremediavelmente pecaminoso, ancorado a uns lábios de um luar saboroso até que o mar acabasse. Amor, se fosse Deus, iria ajoelhar-me no fim de tudo para te levar, com glória, para um reino que não é deste mundo.
Decerto que endoideci de paixão. Em vez alguma poderei entrançar-me nos teus cabelos longos e lindos e belos, nem adormecer sossegadamente no teu colo de verdura tenra. Levou-te o mar para presente aos Oceanos."

José Daniel Macide, in Diário Insular, 18 de Junho de 1996

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Aos 39 anos a democracia…


        “-Vamos fugir das grandes palavras, mas há realmente uma prioridade que é a prioridade da comunidade financeira, que se apoderou de todos os centros de irradiação de ideias e de todos os centros de poder. Vemos isso na Europa. Ou nos impõe uma globalização como forma de nos sonegar a possibilidade de escolhermos o que quer que seja. Somos obrigados a sobreviver num quadro que é o quadro que resulta da globalização. Temos que lidar com a globalização vista como um tremendo constrangimento histórico. E depois temos a Europa e a ideologia dominante sob a forma disfarçada de competência técnica, de sabedoria de esferas inacessíveis e tecnocrática que nos é imposta como solução única. Se todos os partidos, com histórias diversas, aceitam converter-se em serventuários dessa cartilha, a democracia converte-se num ritual vazio e isso dá cabo de tudo, dá cabo de políticos e dá cabo de partidos.”

Sérgio Sousa Pinto, in Público, entrevista de São José Almeida e Nuno Lourenço, dia 9 de Maio de 2013.

O que disse Nicolas Hildyard, em 1991:

        “Ser privado de poder é bastante mais do que ver-se impedido de exercer o direito de voto ou sem estruturas de governo formalmente democráticas. Deter um poder real, o poder que confere a uma comunidade a competência para resolver as decisões que afectam a sua vida quotidiana e o seu futuro, implica mais que o simples gesto de introduzir, de cinco em cinco anos, um voto na urna: exige que a comunidade como um todo seja capaz de exercer um controlo significativo sobre os assuntos económicos, sociais e políticos.”

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Jazz na Ilha Terceira

“A década de 40 marcou a verdadeira eclosão do Jazz na Terceira, que pela primeira vez se fez ouvir ao vivo através de orquestras militares, inglesas e de espectáculos realizados na base das Lajes por Glenn Miller, Frank Sinatra e Stan Kenton, ao mesmo tempo que chegava pela rádio em filmes pontuados pelas grandes orquestras de Swing. Foi neste período que a distribuição discográfica ganhou reais contornos em Angra do Heroísmo, cidade onde se formou a célebre Olmmar Band”
In Jazz na Terceira, 80 anos de História, por João Moreira dos Santos e António Rubio, pp.31.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ao Cair do Tarde Não Sei Bem…


Fotografia de Tiago Rodrigues


         Talvez fosse ao cair da tarde que te avistei, já não me lembro bem, sei que trazias um vestido azul-escuro no teu corpo quase adormecido. Quando surgiste diante de mim, pareciam ondas que entrevia e me faziam pensar em palavras e promessas antigas. Tantas palavras que falámos e discutimos sobre tantas coisas que eu não sei. Não sei porquê apenas me lembro de dizeres que gostavas do mar e das flores. Eu gostava disso. Gostava de gostar das coisas que nos parecem simples e verdadeiras. Mostrei-te músicas que trago neste peito de coração ao vento, ali junto da maresia com a luz dos candeeiros por acender, com a Primavera por chegar. Tu parecias também gostar, uma canção de cada vez e soletravas baixinho os nomes dos grupos, não te fosses enganar. O teu tom de voz flébil quase me fez dormir enquanto falavas. E choraste quando te falei dos males do mundo, da conspiração económica que aí vai, ainda do universo financeiro em colapso e dos malandros à escala mundial que nos governam e que fazem de nós marionetas. Do mal que nós julgamos ter triunfado. Da rotina de todos os dias, das canseiras de todas as horas, do desperdício de todos os minutos. Da falta de liberdade e do que seria a vida se todos fossemos livres e sensatos. De uma nova ordem mundial mais justa em que gostaríamos de viver. Choraste tanto que pediste para me calar. Disseste-me que tudo isto é mau de demais para acreditar e que nós acreditamos porque queremos acreditar. Acreditamos tanto que já não olhamos o que nos rodeia, já não somos capazes desse gesto simples de olhar o mundo à nossa volta, dessa pequena acção diária que é estarmos atentos e subirmos as escadas sem olhar para trás. Temos ambos vertigens. Sofremos os dois do medo antecipado, do medo cultivado, do medo por esventrar. Eu apertei-te a mão. Apertei-te com tanta força que tive medo de te magoar. Sorriste e partiste sem dizer quando nos voltaríamos a ver. Não sei se voltas. Não sei se um dia irás voltar. Não sei bem. Talvez isto tivesse acontecido ao cair da tarde. Não sei bem. Pois bem. Eu queria muito querer-te bem.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Conhecer as pessoas que o vivem...

Pinha Bausch
(www.pinterest.com)


"O mais importante é conhecer as pessoas que o vivem. É preciso tempo. O mais fácil é estar com alguém que nos possa levar a ver o que está fora dos circuitos turísticos. O mais importante é deixarmos que essas pessoas nos façam descobrir o que para elas é bonito ou difícil de ver. É através delas que chegamos às coisas verdadeiras, às coisas de todos os dias. Por mais bonito que seja, um monumento construído há muito tempo não me diz muito sobre os que hoje passam por ele ou o visitam."


Pina Bausch