quarta-feira, 20 de março de 2013

Três Sacrilégios no Peter

1.“Senor, is this Horta, is this Peter Island?” Não percebe nada de mar e veio aqui dar à costa, este inglesinho que, de certeza certa, fugiu à escola para brincar aos barquinhos. “And Faial Island, if you don´t mind”, digo eu. Não sossegou e acredito bem porquê: estou na catedral dos iatistas e pediu a Mr. Peter Azevedo uma coca-cola com muito gelo. Estava cometido o primeiro sacrilégio.
2.Sentado a uma bela e ossuda mesa de castanho roseira, ia deixando que o fresco gin me aquecesse a garganta “Lembras-te, José” – perguntava já meio tonto ao José que sou eu – “do Peter velho aqui ao lado com o velho Peter todo branquinho naquela cabeça a preparar gins porreirinhos às escondidas para ninguém saber o truque? Lembras-te, José, da tua primeira vez? Foi uma, foram duas, foram três e à quarta, pifaste! Tão novinho e pifaste José!.. Pifei, José!” – respondo eu ao José  que sou eu. Um puto em idade colegial e em férias pascais, entornar de uma só vez quatro torneiradas de gin-tónico, é cá um pifo e tantas. Sonhar com o que foi bom no passado, também é um sacrilégio. Este é o segundo da crónica.
3.Decididamente, não gosto dos “Cruzeiros”. Dói-me na alma olhar ali para a acrobática “Espalamaca” e vê-la na bancada, como menina trapezista de circo arrumada na prateleira. Sentado no muro em frente ao “Peter” e olhando defronte o Pico, falta-me as “lanchas” e os mestres e os marinheiros e os cestos de duas asas chegarem carregados de ameixas vermelhas e de homens e mulheres de chapéu-abeiro. E falta-me também aquelas testas tisnadas de mar do pessoal das “lanchas”. Nesta nostalgia, o terceiro sortilégio agora é meu: É pecado estar de costas seja para que altar for. É que eu já não sei se hei-de olhar para o Pico, ou vê-lo reflectido numa vigia do “Peter-Café Sport”.

José Daniel Macide, Junho de 1989, in Crónicas da Portugália 

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