Ilustração de Pedro Valim |
Não adianta debandar mas a verdade
é que deixaram aquelas pessoas sós. Demasiado desamparadas. Remediar esse
desapego dizendo que elas caminham sempre com as meias e os sapatos rotos. Que indigência
ver aquela gente necessitada de alma por ali sem rumo nem vitória. A sua vida
comporta químicos e líquidos e sobeja água incessante por todos os lados.
E nas gavetas os passaportes ainda que só viajem pelas ruas do seu país sob
protectorado. E vê-los ali, parados, sem tão pouco conseguir proferir os seus
pensamentos em português piegas quase dói. Bem podiam começar logo pela manhã a
escrever o seu primeiro poema com o título “Encharcados de Lágrimas” e propor às
editoras ainda existentes que abrissem os seus pequenos livros de poemas com
mais olhos do que barriga. Contos de barriga vazia. Sabe-se agora que escrevem
melhor prosa do que poesia pois descrevem memórias de outras paragens de forma
tão triste e pesarosa. Discorrem sobre partidas e amores quase todos eles
desiludidos e evaporados tal como o álcool nocturno consumido em bares de
cidades antigas, abandonadas. Sobreviveremos mesmo sem desejarmos, não tenhamos
dúvidas. Ou talvez estejamos já acostumados, anestesiados a essa certeza de
nada nem ninguém já querer patavina nem ninguém por aqui. É certo: escaparemos
deste lugar e exilar-nos-emos para lá do que está previsto. Confiaremos cegamente
nas estatísticas e em tantas imagens que nos injectam e assaltam diariamente e,
dia após dia, devagar, muito devagar, começarão todos a partir. E mesmo assim
estas pobres pessoas ficarão sozinhas, cada vez mais isoladas, nesse país à
beira-mar defenestrado. Por isso não devíamos ir embora nunca. Nem aceitar exílios
prolongados que permitissem que qualquer pensamento de mudança se perdesse em
calendas gregas, agora também irlandesas. Quanto ao mundo é normal que permaneça
cedido a engravatados de tráficos e demais comércios e aos comentadores das vagas e da incerteza. Desterrados de qualquer fé ou convicção já não incomodaremos
mais nada nem ninguém. Banidos das ruas e das praças é estimado que fiquemos quietos,
letárgicos e desanimados. Deportados de sentido ou de qualquer esperança. Apartamos de
qualquer força ou energia. Sucumbiremos a tanta vontade de nos movermos daqui para
fora. Assumiremos que mais grave do que exilar-se é o exílio dentro de nós.
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