Eram cinco da tarde neste início
de Primavera, uma pessoa decide aventurar-se pelo interior adentro de um Teatro
antigo. Escondido, escuto os sons que saem das colunas. Ao fundo no palco está um
homem de cabelo e barba branca rodeado de músicos a disfarçar que tocam os seus instrumentos. Um
outro homem de carapinha e bigode filma-os enquanto o cantor baloiça na cadeira
como se fosse capitão de um barco agitado em pleno mar alto, rasgando a onda, cavando a vaga,
agarrado ao leme, sem nunca o largar. Sente-se ali uma vaidade contida,
inconfessável, gente que soube continuamente pertencer à ribalta, por muito que
estime o silêncio e o recolhimento. É a segunda vez que presencio aquele cantor
ao vivo, por certo naquele mesmo lugar. Os músicos repetem em playback as vezes
que forem necessárias para filmar um videoclip daquela canção. O realizador solicita mais luz ao técnico e os músicos perderam já o travão da entrega emocional. Os jovens músicos cavalgam a
encenação proposta pelo realizador do vídeo. Deito-me, entretanto, por terra. Não me
contenho de tamanha agitação marítima e abandono por instantes a sala do teatro. Parto em direcção
ao porto, ao lugar onde atracam os barcos e marinheiros. Parto à procura de
outros homens que me devolvam esse olhar desprendido, uma mirada solta, um
fitada que me leve, também eu, a querer partir. Há tempos conheci marinheiros
que traziam esse ímpeto de errância, aventura, partida. Demorei alguns meses a esquecê-los.
Homens que não conseguem ficar muito tempo parados no mesmo sítio. É desse desejo
inconfessável de partida que partilhei sob a forma de palavras e interrogação horas depois à saída do concerto.
Não sei se algum dia chegarei a perceber o porquê de tanta inquietação, somente a certeza de que é essa
ideia de beleza que nos move, que produz este impulso de mudança, alterar, enfim, partir. Enquanto
aquela voz ecoa dentro do mais fundo da leveza e da esperança:“Que
bom é partir, que triste é ficar"
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