O escritor Paul Bowles |
"Na
mesa do canto mais escuro estavam sentados três americanos: dois homens novos e
uma rapariga. Conversavam tranquilamente, e com modos de gente que tem todo o
tempo do mundo para tudo. Um dos homens magro, de rosto ligeiramente crispado e
ansioso, dobrava um dos grandes mapas multicolores que estendera pouco antes
sobre a mesa. A sua mulher observava os movimentos meticulosos que ele fazia,
com gozo e exasperação, os mapas aborreciam-na, e ele estava sempre a
consultá-los. Mesmo durante os breves períodos de estabilidade das suas vidas,
e que raros tinham sido desde o casamento doze anos antes, bastava que ele
visse um mapa para estudá-lo apaixonadamente e se metesse, quase sempre, a
planear qualquer nova viagem impossível, mas que eventualmente podia tornar-se
realidade. Não se considerava um turista; era sim um viajante. A diferença
reside em parte no tempo, explicava. Enquanto o turista geralmente está com
pressa de voltar a casa ao fim de algumas semanas ou meses, o viajante, não
pertencendo mais a um lugar do que a outro, move-se lentamente, ao longo de
anos, de um lugar da terra para outro. Na verdade, era-lhe difícil afirmar,
entre tantos lugares onde vivera, em qual deles se sentira mais em casa. Antes
da guerra fora a Europa e o Próximo Oriente, durante a guerra as Índias
Ocidentais e a América do Sul. E ela acompanhara-o, sem repetir demasiadas
vezes ou demasiado amargamente as suas queixas. Nesta altura tinham atravessado
o atlântico pela primeira vez desde 1939, com muita bagagem e a intenção de se
manterem afastados todos o mais possível dos lugares de guerra. E assim fora,
porque, pretendia ele, outra diferença importante entre o turista e o viajante
é que o primeiro aceita a sua própria civilização sem questioná-la, enquanto o
viajante, ao compará-la com outras civilizações, rejeita aquilo que não gosta.
E a guerra era um aspecto da era mecânica que queria esquecer."
in“O Céu que nos Protege”– Paul Bowles, 1949, trad. José Agostinho Baptista
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