Caro Janeiro Alves,
Escrevo-lhe de
uma nuvem de sonho em que estou imerso, por sinal de seu nome: Altocumulus. Ultimamente só frequento
nuvens e, como é do seu conhecimento, chafaricas urbanas de grande nível. É por
lá que me vou alimentando de sopas de alho francês e me dou ao trabalho de dar
duas ou três de conversa antes de regressar novamente ao meu estado nefelibata.
Recebi a sua
missiva com muito agrado e pertinência. Esta foi-me lida em voz alta pela minha
mui amiga Miriam Manaia enquanto me amaciava os pés com água bem quente
polvilhada pela erva-dormideira. Fico deveras admirado com tanta verborreia da
sua parte que a meio da sua epístola encravei uma unha na frincha da bacia e
tive de retirar o dedo mindinho com um alicate. Isto só possível após o
relaxamento do músculo e da polpa do dedo dado ter ficado petrificado com o seu
discurso. Tenho, sem dúvida, plena consciência que face ao momento crítico e
caótico que estamos a atravessar são necessários homens rijos e valentes. No
entanto, há muito que a comunidade de sábios da numerologia não conta comigo
para decifrar os mistérios da alta finança e do bolo-rei. Tenho muita pena,
portanto.
Permita-me que
lhe demonstre a minha total disponibilidade para esse nosso encontro há muito
aguardado, responsabilizando-me pelo transporte dos dossiers do célere e
afamado Congresso da Fajã bem como levarei comigo moedas de um cêntimo para o
crónico jogo da moeda. É possível que inicialmente não me consiga reconhecer
pois faço questão de me apresentar de túnica helénica e de óculos de mergulho,
já para não falar que irei com a cabeleira do Mancha. A palavra de código será –
Darandina!
Saúdo,
portanto, o meu caro amigo com um copo de tinto – palavra que em sânscrito significava
amado – e revelo assim a minha
sensação ilusória de felicidade momentânea que aguardo em breve podê-la
partilhar consigo.
Com as
respectivas saudações marianas,
Doutor Mara
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