Está ali sempre sentada. Basta-lhe uma mesa livre e sossegada numa
biblioteca pública sempre actualizada. Ela senta-se e, tal como numa silhueta
próxima das “Meninas”, de Velasquez, fica quieta a ler. Quem a vê, julga que está perante uma imagem muito antiga, parece avistar uma pintura de
um quadro de um século remoto, uma fisionomia singular ou parecença de um vulto
de um outro tempo. Não que ela queira ser avistada, ou que use as leituras para
se afirmar, mas sim porque aquelas leituras são o sinal da sua existência, a sua
vitalidade enquanto ser pensante, existente. É como se ela estivesse ali a cumprir uma função, por vezes
parece incumbida de uma missão ou no alcance de um desígnio maior para uma vida
rica e sábia. Vê-la ali a ler é
deveras um privilégio, pois são raras imagens com esta força, com esta subtil
presença. Uma leitora ávida numa biblioteca, só pelo gosto, pelo prazer de ler. Não há
bolsas para leitores mas, depois de vê-la tantas vezes a ler, bem que podiam
muito bem existir e que ninguém levaria a mal se ela a tivesse, se ela pedisse. Ela lê mais que
qualquer um de nós, ela já leu o que nós nem sonharíamos alguma vez ler e por isso
devíamos ter orgulho nisso. Nós, pobres leitores. Esta leitora lê tudo: jornais, livros, revistas,
boletins, anúncios e o que mais houver para ler. A esta leitora tudo lhe
interessa e por isso a vida continua, mesmo que o tempo ou a juventude arrogante diga o contrário. Descobrir
assim uma leitora é reviver o prazer inicial da leitura. A curiosidade não tem
fim. Esta leitora lê em silêncio, a maior parte das vezes numa mesa sozinha, com
os seus apontamentos, as suas notas, os seus provérbios, os seus pensamentos, a leitura em modo voraz. Tem nome de
flor e os seus cabelos parecem ondas de mar revolto, agitado, num rosto cavo,
frágil e umas feições que acusam o passar do tempo. As suas rugas contam muitas vidas, muitas histórias. Ela foi professora a vida inteira, daí que não possa perder tempo
com minudências, com coisas sem importância. Ela diz mesmo: “O que eu gosto
mesmo: ler e conversar”. Sem mais.
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