Charlas Quotidianas do Doutor Mara |
É evidente que muitas das
vantagens, se não todas, estão do lado primeiro. Sem dúvida que o cultivo
aturado de uma profissão – que bem pode ser uma arte – faz que se vão
descobrindo os segredos dela, e que horizontes mais vastos se vão rasgando.
Notemos, no entanto, que tal aprofundamento e tal alargamento são especificamente
do métier. Quero dizer: se em toda a arte há uma técnica própria e um conteúdo
humano (evidentemente que o conteúdo artístico é imprescindível, sem o que não
poderíamos falar em arte), a continuidade no exercício dela só pode, ou pode
principalmente, assegurar ao artista o domínio dos meios técnicos de a exercer.
Mas
a dramaturgia vislumbra-se, através de problemas técnicos, problemas humanos.
Não parece que a obrigatoriedade de fornecer empresas, o empenho de corresponder
ao agrado do público, a luta pela conquista do êxito sejam elementos
exaltadores da sensibilidade artística. O profissionalismo, assim concebido,
pode criar inibições no espírito do dramaturgo. A arte de escrever peças é das
que mais directamente estão sujeitas à aceitação do público que as paga para as
ver e ouvir. Mais do que nenhuma outra dependente do tempo e das oscilações do
gosto, não há nela margem para a reflexão que corrige as injustiças e reconhece
obras primas em produções que passaram despercebidas aos serem pela primeira
vez apresentadas.
João Pedro Andrade in "Reflexões sobre o Teatro Português" com Introdução e ordenação de textos de Maria Helena Serôdio.
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