sexta-feira, 23 de setembro de 2016

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O Mar em Grande Plano

"Falésias-do-Mar era uma estância balnear em decadência. De favorita da classe aristocrática do século passado, transformara-se, agora, num areal envergonhado, onde as famílias modestas levavam os rebentos nos domingos de descanso. As ruas estreitas tinham sido concebidas para os peões descansados ou, quando muito para alguma carroça que fornecesse os moradores da zona. Por isso, as centenas de carros que sazonalmente, infestavam os caminhos, atropelavam-se, inevitavelmente, num buzimbué infernal.
Era assim todos os domingos de estio. As melancias tomavam o lugar dos brioches enquanto as toalhas de plástico tomavam de assalto o lugar dos linhos antigos.
Em Setembro, finalmente, o povo resignava-se a voltar à mediocridade da sua vida e as coisas sossegavam. Os hotéis, quase a fecharem portas, baixavam as suas tarifas. E os descendentes aristocratas desciam de novo ao mar, embrulhados nas suas cambraias verdes e nos seus fatos brancos de linho.
Com a nobreza vinha, como antigamente, uma outra espécie: os artistas. Pintores, à procura de paisagens desertas; actrizes a descansar de uma temporada exigente; cantoras a dar ar à voz.
Esta colecção de gente instalava-se, quase toda, no hotel Almaroz, uma ruína modernista, a precisar de restauro. A carpete vermelha estava desbotada e os degraus da escadaria rangiam. Mas as suas janelas continuavam a dar sobre a praia e as estátuas de um famoso escultor permaneciam ali para deleite dos frequentadores mais sensíveis. Além disso, os seus preços de final de estação eram metade dos praticados nos outros (raros) hotéis.
Nesse ano, com as cantadeiras e os diseurs, chegaram um cineasta envelhecido, a amante e o filho dela.
Waldemar Guimarães era um realizador quase esquecido. Por razões que escapam à inteligência, tinha tido um grande sucesso com os seus filmes, vinte anos atrás. As criadas e os magalas faziam bicha à porta dos matinés para verem os seus medíocres devaneios. Outros tempos. Agora, só no Ministério da Propaganda e Fitas era conhecido. À custa de favores e diplomacia, lá ia fazendo um filme de dois em dois anos. Coisas inócuas, que nem chegavam às salas de montagem, quanto mais aos cinemas, mas que lhe iam pagando as mordomias.
Todo o santo ano lá vinha ele ajaezado de mulher bonita. “Há sempre uma estúpida para ir na conversa”, dizia ele e com razão, que as coisas são mesmo assim e quem tem unhas é que toca guitarra.
Gracinha andava à nora quando o encontrara. Dois dedos de tanga e a citação com meia dúzia de nomes conhecidos foram suficientes para lhe passar a perna."

in Materna Doçura, Possidónio Cachapa, Assírio&Alvim, 1998.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

DOUTA MELANCOLIA

4 ANOS

Die Wolken, die Wolken

Fotografia de André Almeida

Sala de Embarque: a Falta

Ensaios de Sala de Embarque- Galeria Arco 8
(Fotografia Carlos Olyveira)
          Hoje vamos à Antena 1 Açores falar sobre a peça Sala de Embarque, gravaremos uma emissão com o Williams Maninho Nascimento. O que leva alguém a querer fazer peças de teatro, a escrever, a ler? O que é que se passa para alguém repetir um texto diariamente, de forma exaustiva, e depois dizê-lo publicamente? Por vezes, com  uma actuação de uma só noite, duas, não mais. E o que leva uma peça permanecer somente dois, três dias numa sala? Estas são as perguntas que gostaria de saber responder. Vivemos num momento em que se generalizou o domínio da cultura do entretenimento, caracterizada pela ligeireza e pela mediatização, eliminando qualquer pensamento ou crítica. E porquê “Sala de Embarque”? Sim, porquê falar dessa ideia de instabilidade, inquietação, esse motivo de desconforto que se alojou num alargado corpo/célula, estendendo-se como um vírus generalizado de partida, individual, alastrando a sua mobilidade um pouco por todo o lado. A consolidação desse desejo de partida. Afirmar aqui essa falta e falar de nós, aqui neste tempo e espaço, é disso que iremos conversar. É esse o nosso maior ensejo.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Sala de Embarque: Celebrar Setembro!

O início do cartaz por Júlia Garcia
Há Setembros daquela infância que é legítimo agora recordar: afastávamo-nos assim o mais longe possível de casa para brincar com outros companheiros, perdidos pelos campos a comer fruta e espigas, ou então à deriva na praia do pescado no meio de poças de água com barcos de latão ou ainda as tardes passadas com as carripanas a deslizar nas descidas para logo a seguir brincar com caricas coloridas com os cromos da bola, mais tarde, com berlindes e abafadores. Tantos anos depois é normal que ainda permaneçam no corpo feridas, marcas e cicatrizes escondidas de uma possível irritação paternal. Isto tudo passou-se algum tempo antes das temporadas na cidade da Figueira da Foz, no interior das salas do Casino a ver filmes “esquisitos” no seu Festival de Cinema. Julgo, tantos anos depois, ter sido importante para a formação do gosto ou abertura para as ditas novas cinematografias.
É em Setembro que se anuncia também o esmaecer das folhas das árvores e o tempo fresco e, por isso, torna-se possível visitar a Tipografia Micaelense, situada na Rua do Castilho, número 33B, em pleno centro histórico da cidade de Ponta Delgada. No seu interior, já lá está a designer, Júlia Garcia, a desenhar e compor o cartaz e os postais para “Sala de Embarque”, com a ajuda do pessoal da casa: o Dinis Botelho e o Eduardo Furtado. Fundada em 1957, a Tipografia Micaelense é um universo tipográfico vivo, repleta de mistérios e subtilezas que permanecem no interior de cada gaveta. Aguardaremos ainda uma semana, pois temos algum tempo para a revelação de técnicas antigas de impressão e pelos tipos ali guardados e  horas de trabalho e de paciência necessários.
Os ensaios e preparação da peça atingem agora a velocidade de cruzeiro. Os resultados da repetição começam a dar os seus frutos e podemos ficar, entretanto, satisfeitos quando ouvimos dizer que aguardam a estreia. Em suma, fazendo uma analogia com outros Setembros, pretendemos que, também este, seja curioso e inventivo… 

Les Nuages, les Nuages...

Fotografia de André Almeida

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Sala de Embarque: o "Paraíso" da Dinamarca

Fotografia Carlos Olyveira
Seria tão bom podermos refrescar-nos por aqui, sobretudo pelo meio deste calor intenso que se faz sentir neste lugar de uma Santa Clara sufocante. Sentado, por instantes, na mesa solitária da esplanada do Restaurante “Calço”, é possível avistar um corredor de bandeiras vermelhas de um bairro em festa. Daqui a pouco há música com “barracas de comes e bebes” junto da igreja. “Inicialmente, esta festa realizava-se no dia 11 de Agosto, dia de Santa Clara de Assis. Contudo, pelo facto de sermos um “bairro piscatório”, nesta data os homens desta terra encontravam-se no mar. Estes homens eram em tão grande número que a igreja decidiu adiar as festas para o primeiro domingo de Setembro, data muito próxima do regresso dos mesmos. Assim sendo, não será muito difícil compreender o facto de esta festa durante muitos anos ter sido encarada com a festa dos pescadores. Era uma espécie de acção de graças por regressarem ao porto de abrigo, depois de seis meses de faina marítima.” conta-nos Elsa Santos, no seu livro “Santa Clara: Um tempo de Festa”, editado no ano de 2002.
Somos, entretanto, visitados pelo jovem actor dinamarquês, Tue Heiberg  Madsen, que  esteve por cá a assistir a um dos ensaios, tendo sido ele capaz – sem qualquer conhecimento da língua portuguesa – esclarecer a ligação entre os personagens e as intenções de cada um na peça. Surpreendidos, estivemos por ali a ouvi-lo falar do seu pequeno país, por sinal, “bastante rico e desenvolvido” e ainda o “acaso googliano” que o trouxe até aos Açores. No final da conversa, descobrimos que, também ele, partiu muito jovem para Londres para aprender teatro e que estará de volta ao seu país para se lançar e afirmar-se no mundo da representação.
Entramos nas últimas semanas antes da estreia, preparamos deste modo a recta final dos ensaios de “Sala de Embarque”, um trabalho contínuo evidenciado pelos diferentes contributos que fomos obtendo ao longo destes três meses de trabalho. O cenário está devidamente a ser ultimado e concluído tal como o trabalho de luz e de som. À semelhança daquele semblante da Margarida Benevides, numa bonita fotografia do Carlos Olyveira, o sonho de apresentar esta peça vai-se aproximando, isto é, mais três semanas e…já está! 

Viver entre...

A actriz que vive entre Lisboa e o Rio de Janeiro…
O designer que vive entre Porto e Nova Iorque…
O músico que vive entre entre Faro e Frankfurt…
O curador que vive entre Coimbra e Paris…
A Pianista que vive entre Braga e Viena…
O cineasta que vive entre Guimarães e Berlim…
A escritora que vive entre Ponta Delgada e Toronto…
A coreógrafa que vive entre Lagos e Londres…
O fotógrafo que vive entre Funchal e Caracas....

Canção d´Estio: September de David Sylvian

The sun shines high above
The sounds of laughter
The birds swoop down upon
The crosses of old grey churches
We say that we're in love
While secretly wishing for rain
Sipping coke and playing games

September's here again
September's here again


David Sylvian in Secrets of the Beehive (1987)

domingo, 4 de setembro de 2016

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O Rapaz da Última Fila de Juan Mayorga

         
     “Está bem. Até bastante bem. Se o que pretendes é que as pessoas se riam dos teus personagens . Mas isso é um objectivo baixo. A primeira pergunta que um escritor deve fazer a si próprio é: para quem escrevo? Para quem é que tu escreves? É muito fácil pôr em destaque o pior de qualquer pessoa, para que os medíocres, sentindo-se superiores, se riam dela. É muito fácil pegar numa pessoa e vê-la pelo lado mais ridículo. O que é difícil é olhar para ela de perto, sem preconceitos, sem a condenar antecipadamente. Encontrar as suas razões, a sua ferida, as pequenas esperanças, o seu desespero. Mostrar a beleza da dor humana, isso só está ao alcance de um verdadeiro artista.”

Germán, personagem da peça “O Rapaz da Última Fila” de Juan Mayorga, livrinhos de Teatro, Artistas Unidos/Cotovia, 2008

As Nuvens, as Nuvens...

Fotografia de André Almeida