Dr.
Álvaro Bruma é um conceituado meteorologista insular, que ficou famoso pelas
suas polémicas teorias sobre o clima, de onde resultaram sentenças como “O
clima de suspeição que se vive em Portugal é mais elevado no Inverno devido a
factores psicológicos” ou “Altas concentrações de actividade sexual contribuem
decisivamente para o aquecimento global”. Depois de várias tentativas falhadas
por parte da nossa redacção, eis que conseguimos um exclusivo com Dr. Álvaro
Bruma, que assentiu a conversar um pouco com Alberto Ai, desde que o fossemos
buscar a casa e lhe pagássemos a viagem e o almoço. Apesar dos parcos recursos
desta redacção, achámos que valeria a pena o esforço financeiro. Alberto Ai e
Dr. Bruma almoçaram santola no Ramiro, e o resultado foi este:
Alberto
Ai: Antes de começar a nossa entrevista, queria-lhe agradecer o convite que me
fez para ir visitar a sua colecção de répteis. Começaria por lhe perguntar de
onde vem esta paixão?
Dr. Álvaro Bruma: Não diria bem paixão, mas uma volúpia de
trazer por casa. Uma inolvidável volúpia por tudo que tenhas asas ou capacidade
de trepar (os nossos irmãos brasileiros estão já escandalizados com este meu
arrojo linguístico) mas é, sobretudo, isso. É um prazer vetusto, com muitos
anos, sem dúvida, mas convirá dizer que foi muito tempo depois do surgimento da
anestesia.
AA:
Conhecidas que são as suas ideias sobre o clima de suspeição em Portugal,
considera que o clima económico desfavorável é um céu carregado de nuvens
negras, ou apenas neblinas e nevoeiros matinais de um dia radioso de sol?
DAB:
Creio que a suspeição num país de justiça lenta faz parte do ambiente geral. É
parte integrante do estado do tempo e, com frequência somos apanhados, não
pela justiça, mas sim pela instabilidade climatérica e pelas temperaturas
moderadas. Precisaríamos de justiça como de água no vinho mas a malta só tem
sede de justiça na esplanada. Depois, essa mesma malta bebe dois copos de tinto, vê e assiste a um
comentador desportivo e a coisa passa.
AA:
Há quem o chame de “eremita de Santa Maria”, que resulta do facto de viver
isolado no interior da ilha, não criando laços de afinidade com a população
local. Vive como quer, ou vive como pode?
DAB:
Vivo como quero e como quando posso, evidentemente, pois nasci no meio daquela
terra barrenta com odor a vaca por todos os lados. Actualmente, não há nada
nem ninguém que me consiga dar ordens. Produzo aquilo que bebo e como aquilo
que planto, sou mesmo auto-suficiente. De vez em quando, vou às grandes
superfícies ver as oscilações do preço das sementes e começo de imediato a
barafustar com os empregados, o que não é nada saudável. O meu nome já deve
constar das altas esferas da conspiração e espionagem internacional.
AA:
Qual foi a coisa mais surpreendente que viu na sua actividade de observação de
fenómenos atmosféricos?
DAB:
Foram as auroras boreais em Tromsø, ali na Noruega. Estava com a minha
companheira, a Celeste, uma minhota de olhos cor de amêndoa, estávamos na
presença de 230 cm de neve e a média da temperatura daquele Janeiro rondava
os-4 °C. Estávamos completamente gelados, a pingar do nariz e os ossos
petrificados, mas felizes. Não me lembro de mais nada assim.
AA:
Dr. Álvaro, o que faz nos seus tempos livres?
DAB:
Tenho sempre comigo um nefoscópio de reflexão onde vejo a direção e meço a
velocidade das nuvens. Passo horas com picos de ansiedade e quase me esqueço de
jantar. Há dias telefonaram-me para ir dar uma conferência sobre altas e baixas
pressões e eu não ouvi, pois encontrava-me a seguir uma nuvem denominada de
Altocumullus que ia em direção à Ilhéu de Vila Franca mas com um pendor
desviante para o ilhéu das Formigas.
AA:
O que levou o Dr. Álvaro a seguir esta actividade? Corrobora da ideia
generalizada de que para abraçar a profissão de meteorologista é necessário
ser-se um pouco apanhado do clima ou andar com a cabeça nas nuvens?
DAB:
Sim, é um facto. Eu fiquei conhecido na faculdade pelo Professor Doutor
Nefelibata. Cheguei mesmo a criar um conjunto musical intitulado “Bardos &
Nefelibatas”. Nunca ensaiamos na vida, mas fomos capazes de dar doze concertos,
já que havia a premissa de que só tocaríamos quando fizesse bom tempo. Curiosamente a banda terminou num
concerto em que fomos atingidos todos por um raio e sua respectiva trovoada que
deu cabo da mesa de mistura e dos instrumentos. É uma sorte estarmos vivos, é um
facto. Mais sorte tivemos quando soubemos que um dos nossos fãs decidiu pagar os estragos com uma herança de um bisavó,
o que não foi pouco.
AA:
O que pensa da dispensa de meteorologistas da televisão portuguesa, e da sua
substituição por mulheres bem delineadas de roupas leves, que ditam a previsão
do estado do tempo lendo o teleponto ao som de música erótica?
DAB:
Não vejo televisão desde o furacão Alex, achei que aquele embuste foi demais. Quanto às
roupas leves é uma das consequências das alterações climáticas, pois vamos
sendo despojados do essencial e qualquer dia teremos que andar com aquilo com
que viemos ao mundo. Quanto à música erótica, afianço-vos, meus amigos, que esta já teve
também melhores dias.
AA:
Por fim, e agradecendo desde já esta sua entrevista ao Interrogatório,
pedia-lhe que nos desse a previsão do estado do tempo para os próximos dias.
DAB: Alguma chuva, boas abertas, claro. E para vocês também.
Sem comentários:
Enviar um comentário