terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O Regresso de Janeiro a Meio de Fevereiro

 Magnífico Doutor Mara,

Espero que esta aguardada carta o encontre dotado de todas as suas capacidade físicas e intelectuais, e que não se deixe deslumbrar pela ilusória circunstância marítimo-turística insular – é muito fácil cair em desgraça.
Lamentavelmente não lhe pude escrever mais cedo, pois não me ocorreu e como pode imaginar só eu próprio me poderia lembrar de o fazer. Por razões de segurança não lhe poderei fornecer a precisa localização de onde estive este mês e meio, mas para alimentar a sua fértil imaginação,  posso-lhe dizer que estive sediado num lugar a vários quilómetros daqui.  Fica portanto a saber que não estive cá. Mas o Doutor Mara, que é um rapaz curioso desde os nossos tempos de faculdade, deve estar a perguntar-se “mas que raio esteve ele a fazer tão longe?”. Descanse Doutor, que já lhe conto. Antes, abro um parêntesis para expressar a minha mais profunda preocupação com o facto de, na minha ausência, algumas destas cartas terem sido roubadas e publicadas publicamente, o que duplica a minha insatisfação e me deixa estupefacto, sobretudo pelo facto de você desconfiar que lhas tiraram do seu realmente sobretudo. Não querendo aprofundar este lamentável episódio, quero porém deixar claro que não concordo de todo com aqueles que falam da sua negligência e até conivência com os larápios, por forma a obter vantagem financeira pessoal ou qualquer outro tipo de favorecimento mais perverso que de tão perverso nem é digno de aqui ser redigido. Não. Não acredito nesses diz que disse, sei perfeitamente que o seu sobretudo está apinhado de bolsos e que nem sempre é fácil organizar a papelada. Fico porém piurso com a situação. Assim que soube dei um murro na primeira mesa que encontrei.
             Voltando à minha ausência, devo dizer-lhe que é mal empregue o dinheiro que paga aos seus informadores, pois nada do que diz a meu respeito corresponde à verdade. Não estive em campeonatos de jogos de azar. Com sorte fui a um ou outro concerto de música experimental, mas sempre com uma barba postiça e botas de camurça para não ser reconhecido. Na realidade, estive a conceber uma obra conceptual minimal, uma monumental instalação artístico-paisagísta de carácter híbrido, que irá estar patente num dos grandes museus de Lisboa em breve, e que me abrirá muitas portas. Julgo que começarei finalmente a ser convidado para os melhores cocktails da cidade em rooftops particulares cheios de gente queimada mesmo no inverno. Mas se quer saber mais, e mais e mais, terá de esperar um pouco mais, e mais e mais.
            Por fim, compreendo a sua incompreensão relativamente à presumível distinção da minha obra literária, pois julgo haver um verdadeiro e categórico equívoco. A única coisa que escrevi no ano de 2017 foi um compêndio geral de plantas exóticas, que foi um fracasso de vendas e me levou à rescisão de contrato com a editora do meu primo afastado Sousa Penetra. Mais uma vez julgo estarmos perante uma brincadeira de mau gosto lançada com o intuito de denegrir a minha imagem, mas eu não me vou deixar abater. Não sei de nada, não ouvi nada, acabei de nascer e mal sei falar.
Gugu, dada
Janeiro Alves

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