“E uma nova civilização começou a erguer-se a uma velocidade inaudita
diante de nós e penetrou bem dentro de nós. Com as redes, todas as regras do
jogo político, sócio-económico e cultural foram profundamente afectadas ou
mesmo desintegradas. Uma rede sem centros e sem diferenciação do espaço e do
tempo constituiu um corte radical com todas as categorias da experiência
anterior à reticulação do mundo. Mesmo aquelas que designamos como “redes
sociais” nada têm a ver com aquilo com o que caracterizou até agora o social e,
definidas por antigos critérios, poderíamos dizer anti-sociais. O imenso caudal
de reflexões teóricas e análise de dados que têm como objecto a internet mostra
que esta suscita visões contraditórias: por um lado, ela é portadora de um
imaginário de emancipação e acesso livre generalizado ao saber e à informação;
por outro, traz consigo o lado mais negro da barbárie tecnológica. Não basta
dizer, utilizando a linguagem de Marcel Mauss, que a rede significou um facto antropológico
total. É algo mais do que isso: a nossa condição de indivíduos constantemente
conectados, determinou a viragem para uma antropologia do artificial e para uma
condição pós-humana. Estar ligado à rede, em permanência, significa também ser
continuamente interrompido e entrar no regime da comunicação desconexa e
fragmentada. A economia e a ecologia da atenção tornaram-se, assim, questões
maiores do nosso tempo. Mas as mais visíveis transformações operadas pela rede
são as do próprio sistema capitalista: nas modificações das formas de trabalho,
nas metamorfoses do poder (não apenas o
poder político, mas todo aquele que é hoje inerente a uma sociedade de controle)
e, muito especialmente, num aumento colossal de mercadorias cada vez mais
imateriais.”
António
Guerreiro e João Oliveira Duarte
in “Breve Léxico do nosso Tempo” – revista “Electra”, Março de 2018.
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