sexta-feira, 24 de abril de 2020

Carta a Janeiro Alves num Confinado Abril

Caro Janeiro Alves,

Meu caro amigo, prolixo, padrinho, pintor, profeta, poliglota, profícuo, pastor e profissional da escrita, diga-me: o que é que tem feito? Será que há novidades desse seu confinamento e isolamento social? Soube, entretanto, por fontes fidedignas, que Janeiro Alves se tem dedicado à pintura entre dez a quinze horas diárias. O que é que tem andado a aprontar nas catacumbas do seu ser? Perdoe-me esta minha curiosidade excessiva, mas anseio por novidades suas, tal e qual a chegada dos cagarros muito em breve.
Estamos ainda no mês de Abril e sabemos que é tempo de transformação e liberdade. Depois virá Maio que é, entre todos, o mês mais belo, superando em pulcritude os restantes meses. Poucas letras compõe o nome deste mês que irá robustecer os dias primaveris há muito aguardados. Daqui a muito pouco tempo, celebraremos a ascensão da temperatura e renunciaremos a roupa quente que, entretanto, guardaremos nas gavetas pesadas de bolor. Juntos permaneceremos na presença dos dias que admitimos maiores, ampliando o tempo ao gosto das horas e do calor. Assim, visionaremos a metamorfose do azul e contemplaremos luscos-fuscos memoráveis.
Eu, por aqui, vou conversando com a Miriam, que está de regresso após longa viagem pela Índia. Partilhamos a meias o Solar dos Manaias, ainda que nos encontremos somente no jardim para bebericar um chá verde, oriundo das melhores folhas de Camélia Sinensis. Sempre dá para dividir o pacote de bolachas Maria, ler o horóscopo e trocar impressões sobre as cores crepusculares do entardecer. Comunico-lhe que Miriam está diferente, mais bonita, é certo. A viagem tornou-a mais tolerante e dócil. No entanto, medita várias vezes ao dia, o que torna os nossos encontros demasiado dolentes e silenciosos. Às vezes julgo estar na presença de uma sombra, de um fantasma de outrora, sem rasgo ou chama. Quase ausente. 
Despeço-me com a sensação que talvez ainda possa chegar uma missiva na caixa do correio por estes dias. Regurgito, melhor, anseio por um passeio e pelo sorriso imaculado e galante das donzelas que despertam na fulgência primaveril. Por agora é tudo o que me ocorre, e quero, simplesmente, sugerir-lhe que me envie um tupperware com filetes de pescada confecionados pelo meu querido amigo. Será que é possível?
Com  elevado apreço e estima,
Doutor Mara

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