terça-feira, 31 de janeiro de 2023

A Aventura de Michelangelo Antonioni (3)

Fotografia Museo Antonioni, Ferrara, 1960.

 

Performance no CAC: A Hora da "Loba"!

          Mariana Pacheco de Medeiros apresentou, neste último fim de semana, na blackbox do Centro de Artes, Arquipélago, Ribeira Grande, a sua performance teatral intitulada “A Loba”. Ao todo cinco sessões, sempre com a sala composta e com bilheteira esgotada algumas horas antes. Houve também tempo para apresentações escolares e ronda de debate e discussão pública.      
                 “Loba” recria em cena os rituais de passagem para a idade adulta, a afirmação da sexualidade e os valores da feminilidade, a necessidade de fantasia e ainda de transformação, associados à arte e evasão pessoal. O mote é-nos dado pela evocação do célebre “Conto do Capuchinho Vermelho”, sendo que a saída para o baile de debutantes rondará a “floresta” até ao cair do pano. Por momentos, observamos um corpo que dança e que se manifesta, como se o mundo estivesse suspenso perante os espelhos dos caminhos que se abrem e multiplicam. Qual é o destino desta “Loba”?
            A performer/actriz surpreendeu o público presente numa recepção íntima do banho, narrando num registo autobiográfico a sua visão de mundo, convidando a audiência a segui-la neste seu relato pessoal.  A audiência sentou-se, assim, diante de uma banheira ao mesmo tempo que se projectavam na parede vídeos em simultâneo que aludiam ao conteúdo sonoro  escutado. Enalteça-se, pois, a coragem e ousadia inicial desta “Loba” – a água como ritual iniciático e fundacional – despertando os sentidos para os elementos cénicos em disputa, mantendo sempre a tensão e o suspense sem nunca atingir o clímax. 
Deste modo, enquanto decorriam as várias projecções, escutava-se uma narrativa de permeio, permitindo à assistência ingressar naquela intimidade – memórias e lembranças daquele corpo feminino em crescimento, visualizado esse quebrar de convenções, esse desejo e ânsia de viver, um protesto libertador que visa acalmar e, por fim, "quando a barriga estiver cheia, adormecer".
          Porventura, alguma profusão e dispersão de imagens fosse desnecessária tal como a introdução da voz natural combinasse melhor com alguma artificialidade pela voz gravada e consequente distanciamento. No entanto, é caso para referir que este “Loba” é um gesto teatral/performativo forte e intenso, ao que parece tão radical e urgente num tempo de retrocessos e fechamentos.
       Por último, uma referência à música presente na “Loba” , dado que esta está carregada de dramatismo e balanço, com os devidos parabéns a Elliot Sheedy, tornando este momento altamente criativo, com relativa emoção e expressividade, deliciando e cativando a assistência que se deslocou à blackbox do Centro de Artes Contemporâneas, Arquipélago.

"A Decisão" de João Luís Barreto Guimarães

Vem Janeiro e
hesitamos no que fazer ao pinheiro
mais antigo
do jardim. Janeiro tem duas faces. Por nobre
que possa ser o
seu sumptuoso tronco
as pinhas e a caruma que encobrem
a erva rasa vão
criando um paraíso (distante das leis do fórum)
nada menos que
anárquico. Há anos que
o jardineiro lhe promete a motosserra
(detido pelo mau juízo do nosso
sim
definitivo). Nem é tanto pela mágoa de
trocarmos a madeira por meros
instantes de cinza é
não sabermos depois onde a Sombra
da árvore cortada
habitaria. 

in “Aberto Todos os Dias”, Janeiro de 2023.

sábado, 21 de janeiro de 2023

Um Poema de João Paulo Esteves da Silva

 (de impossível esta música)

Vem a música à procura…
sobre a poeira mais seca
de seus passos saltam peixes,
traz a tua vida no cantil que se derrama;
em água vestida de sede 
procura o que vai criando:

palavras e violinos. 

in "Notas à Margem", Poemas sobre "Habitar o Tempo" de Vieira de Freitas, Amores Perfeitos, Maio de 2002.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

FALTA#5: FAUNA e FLORA no Prelo!

 Chega, assim, como quem não quer a coisa. Com a temperatura amena e o vento da estação. É um facto: não está muito frio, dizem. Pelo menos por aqui ainda se avistam outras estações do ano, por pequenos momentos, é verdade. A água, essa, é sempre abundante, não tem parado de cair. Por vezes, o sol irrompe, há neblinas, tardes lentas e prazenteiras, árvores silenciosas, ainda que não tivéssemos notícias de que o ilustre compositor veneziano tivesse alguma vez passado por este território. 

Verso da Garota Não

 Sinto uma luz epistémica 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

"Prazeres"

O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado 
Rostos animados 
Neve, o mudar das estações 
O jornal
O cão
A dialética 
Tomar duche, nadar
Velha música 
Sapatos cómodos 
Compreender 
Música nova 
Escrever, plantar 
Viajar, cantar 
Ser amável. 

Bertolt Brecht 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Um Poema de Ana Paula Inácio

 Deixa a mulher indicar-te o caminho
atrás tens o lago 
à frente o destino

são páginas a mais 
eu sei,
desfaz-te delas
faz uma tocha 
alumiar-te-ei o caminho. 

Setembro de 2020, (Porto, Ilhas). 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

"Lobo e Cão": Esta Luz Crepuscular!

         
       Assistir a “Lobo e Cão”, uma longa-metragem focada no que é vital e diverso no humano, assinada pela realizadora Cláudia Varejão, no Cinema Trindade, no Porto, longe das ilhas, pode ser o segredo para um olhar distanciado propiciador de uma reflexão mais livre e descomprometida. 
         Comece-se, pois, pelo título que remete de imediato para um lugar de transição, essa linha ténue que vai da clausura à liberdade, a realidade entre o dia e a noite, do interior ao exterior, a divisão do feminino e masculino, no fundo, esse feixe de luz crepuscular em que tudo se transforma. Daí, ter sido muito feliz a escolha deste título na fixação efémera dessa passagem, dado que estamos na presença de três amigos adolescentes em mudança.  
      “Lobo e Cão” é, sem dúvida, um filme delicado, que não tem pretensões em dividir as águas, mas sim aproximar e dialogar com as diferenças, sem ser invasivo. A película aborda a comunidade queer de São Miguel, no que isso possa ter de "particular" ou “alienígena”, sobretudo para quem se limita a observar do exterior. No entanto, o seu olhar é feito a partir de dentro e com grande respeito pelas pessoas. É que Cláudia Varejão gosta de filmar, com vagar e proximidade, a assunção de personagens comprometidas com o seu corpo e os seus sentimentos, associados ao lugar de origem, refletidos na sua identidade. Por esse motivo, a realizadora filmou "Ana", Ana Cabral, com muito cuidado e sensibilidade, sendo que esta tem aqui um papel de enorme expressividade física e contenção sentimental. A “Paulina”, Marlene Cordeiro, a mãe de "Ana", transporta consigo o passado e o medo de ter falhado nos cuidados maternos, realçando um registo facial sofrido, de resistência e firmeza desmedida. Depois, há também Ruben Pimentel (Luís) e Cristiana Branquinho (Cloé) que dão oportunidades de sobra à realizadora portuense de tocar em emoções reprimidas, soltar afetos contidos, expressar perdas e outros tantos sonhos por cumprir. A imagem do filme absorve-os de tal modo que estes parecem dominar o mundo da representação há muito tempo, tal é o desembaraço perante as câmaras. No entanto, após o visionamento do filme, o embaraço é dos que continuarão a recusar a diferença dos que vivem e sofrem em silêncio com os seus desejos e anseios por realizar.
             Desta feita, esta primeira longa metragem de Cláudia Varejão, com a duração de 110 minutos, é um rico presente cinematográfico que nos devolve a ilha sob a forma de mosaico humano plural - para além da bonita fotografia - sendo esta filmada maioritariamente na freguesia de Rabo de Peixe, em São Miguel.
           Por último, sublinhe-se que “Lobo e Cão” já ganhou o prémio principal da secção Giornate degli Autori do Festival de Veneza e que contém uma banda sonora capaz de abarcar os mais diferentes registos sonoros: Xinobi, que traz três temas imponentes “Toute une Premier Fois” “Searching For” “Cruise Fort V2”, os Vive La Fête, com um dos temas musicais evocativos da narrativa - “Porque te Vas?”- num tema antigo de Jeanette, a britânica que adorava a cultura espanhola, o “Concerto em D Minor, BWV 974 II Adagio” de Johann Sebastian Bach, interpretado por Olga Schoeps, ou ainda o “Das Buch der Klänge”, de Hans Otte, tema mais que hipnotizante tocado aqui pela pianista Joana Gama.