quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Outono de Paulo Ramalho

Pensa que subitamente alguém te dá uma árvore nua
e lhe chama só outono. A seguir terás chuva
e mais chuva, pesar-te os ombros com nuvens
e o vento descarnará os teus cabelos ainda antes
de vindimares o verão. Depois habitares ao pé
desses galhos secos, perdido, alheio e triste
entre as pequenas rugas dos teus dias.
Transpõe as portas do frio outono apenas quando
todas as uvas tiverem amadurecido nos teus lábios.

terça-feira, 26 de novembro de 2024

sábado, 23 de novembro de 2024

A Deflexão da Luz nos Teus Olhos

Bebo ainda do azul que tu és de um modo diário
repartido pelos minutos quase comensal
como se mergulhasse todas as tardes no mar
com o teu nome nos pulsos
duas mãos cheias de sol
e o teorema do poema perfeito
Mas enquanto nado para longe de ti
o recorte do verso que comigo fende a água
traz inscritas as rugas desse sorriso
que penúltimas ondas ofertam às sílabas
 
Também nisso estamos juntos - a deflexão da luz
nos teus olhos é simétrica do meu cansaço ao nadar
 
Paulo Ramalho,
in Órbitas Elípticas em Torno do Silêncio, apresentação na Livraria Letras Lavadas, dia 22 de Novembro de 2024.

domingo, 17 de novembro de 2024

Hadsel: Lugares Aonde Ir

         
   Hadsel é um local do norte da Noruega, pontuado por quatro ilhas que, por esta altura, já tem alguma neve e faz algum frio. Zachary Condom, vocalista da banda americana Beirut,  sentia-se perdido, sem alma, e, depois de muitas viagens, aeroportos e  concertos, pensou que se fosse ali parar as coisas voltariam a fazer sentido. Um norte americano nos confins do norte europeu. Uma ilha em forma de branco no Inverno talvez o ajudasse. E como ele é  criativo, que muito gosta de se lançar em desafios  foi, então, que partiu para Hadsel em busca de um lugar para poder respirar novamente.
    Hadsel é, por isso, um álbum de recolhimento, à semelhança de uma doença que se instala e que necessitamos de tempo para o recobro, repouso, retiro. Tempo necessário para que que possamos voltar a estar connosco afastados do mundo e dos outros. É, pois, um álbum de incursão na interioridade e nessa forma  particular de insularidade nortenha. E é nisso que “Hadsel” surpreende, por ser de facto um mergulho na vida insular norueguesa, naquela igreja com um órgão de fole, um harmónio que o ajudou a reconciliar-se…com a vida, connosco, com o mundo.  A faixa “Island Life” é, evidentemente, o retrato mais puro desse retiro forçado que nos faz mergulhar nessa luz interior, no amor e na dor mais intensa. Esse lugar aonde ir.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

sábado, 9 de novembro de 2024

Verso de Tom Waits

Till yesterday is here  

Transportes Públicos (II)

         "Se pretende realizar uma viagem ao centro de Ribeira Grande, até ao centro da Lagoa não encontra carreiras diretas. O passageiro terá de ir a Ponta Delgada numa carreira, para depois apanhar outra carreira para a Lagoa, em empresas diferentes, o percurso poderá demorar cerca de uma hora. A qualidade dos transportes reflete "o estado" social, económico, cultural e ambiental de um território."

Maria Emanuel Albergaria,  in Açoriano Oriental, 8 de Novembro de 2024.

O Fim de Um Amor de Rui Machado

É assim a nossa história. Dá impressão de que nada 
Acontece quando tudo se espera: duas cadeiras vazias
Junto a uma lareira que ninguém aquece. E por isso
Inclino-me hoje especialmente para o silêncio 
Mesmo que tenham ficado pequenas lembranças 
Memórias que parecem coladas a alguma coisa 
Como as gravuras inscritas nas pedras.
Se servimos para alguma coisa, para quê as mãos no fogo?
E se esticarmos a luz pela tarde para quê a sombra?
As circunstâncias foram como foram, umas urgentes
Outras carregadas de malas ou adiadas para nunca 
Mas sempre excecionais na sua imperfeição. Entretanto
Escuta como se aquietou em mim o teu coração 
Num diálogo atravessado por distâncias. 


Horta, 11.12.2021.

Provérbio

Do São Martinho ao Natal, o médico e o boticário enchem o bornal

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Transportes Públicos

       “O uso de transportes públicos tende a aumentar se houver redução de custos, melhorias na rede e qualidade do serviço, maior consciência ambiental e políticas públicas que o incentivem. (…) Quem vive nos Açores é obrigado a ter carro próprio se quiser trabalhar. Isso ou fica à mercê de horários e rotas anacrónicas que há décadas não servem a preços astronómicos. E, se há falta de motoristas para garantir o serviço, como também se ouve por aí, por que experimentar pagar-lhes melhor e não os explorar?”

         António Lima, Açoriano Oriental, 7 de Novembro de 2024.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

"Três Haikais..." no Festival Curta Açores

      No dia 8 de Novembro, sexta-feira, iremos ter a oportunidade de ver, no Festival Curta Açores, no Teatro Ribeiragrandense, a curta-metragem “Três Haikais, um Peixe Surfista e uma Canção de Amor para o Areal”. A sessão é aberta aos cineclubistas presentes no Encontro Nacional de Cineclubes e aos restantes cinéfilos que habitam a ilha.
20h30 no Ribeiragrandense 
      Acreditamos, assim, que o sonho de quem cresce a ver cinema é, essencialmente, escrever argumentos, realizar filmes, colocar e pôr em prática essa paixão pela sétima arte, a sua cinefilia. O cinema é, assim, uma arte que junta e agrega muita gente em volta de uma ideia ou projecto. Foi, aliás, isso que aconteceu com o “Três Haikais…”, sobretudo quando a Gabriela Oliveira me acompanhou nesta aventura, dado que já tinha participado no Itinerário, o seu primeiro filme. A Gabi, com muita paciência, acedeu filmar os três lugares onde decorre a acção – o terraço caseiro, essencialmente, a visão daquelas três araucárias, a Cervejaria do Areal, com as já suas célebres partidas de matraquilhos e, por último, o Areal de Santa Bárbara, que trata ser o motor principal do filme. Seguiu-se, mais tarde, de convidar o Elliot Sheedy, um cineasta norte-americano a residir há largos anos em São Miguel, que compreendeu de sobremaneira o que estava em causa e empreendeu a ligação e montagem da narrativa subjacente.Pode-se confirmar, sem hesitações,  que com ele este poema visual obteve outro ritmo, forma  e contenção. Acrescente-se que, ao longo da montagem desta curta, ficou estabelecida uma cumplicidade com o músico Filipe Furtado, autor da banda sonora, dado ser este um açoriano de gema e conhecedor do objecto/lugar onde o filme foi filmado. O Filipe Furtado soube, com a mestria que lhe é característica, “encher” os espaços vazios de sonoridades melancólicas, ao mesmo tempo que compôs uma “Canção de Amor para o Areal”. 
         Por fim, fica aqui esta “ode à comunidade da Ribeira Seca” e às suas gentes, dado que nunca teria sido possível filmar sem a colaboração daquela comunidade que habita naquela freguesia da Ribeira Grande. Por esse motivo, um especial agradecimento ao senhor Manuel Furtado, proprietário da Cervejaria do Areal, bem como ao Fernando Raposo e a sua família que, ao ceder as fotografias do seu álbum familiar, enriqueceu a perspectiva histórica de tão afamada capital do surf. Em boa verdade, este documentário, para além de dar conta da mudança a ter lugar na costa norte da ilha de São Miguel, pretende também fixar este encontro com os seus habitantes e suas memórias. Saibamos assim ser testemunhas deste momento de transição bem como portadores de um tempo novo que, por certo, chegará. Bom visionamento!

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Música para Recomendar Novembro

-My Follish Heart - Waltz for Debby, 1962 - Bill Evans Trio 
-Farmer in the city - Tilt, 1995 - Scott Walker 
-El lado más Bestia de la Vida - Suppone a Fonollosa,1995- Albert Pla 
-The Weeping Song - The Good Son, 1990 - Nick Cave 
-Famous Blue Raincoat - Songs of Love and Hate, 1970 - Leonard Cohen 
-Satelite of Love - Transformer, 1973 - Lou Reed 
-Songs to the Siren - The Dreams Belong to Me, 1968 -1973- Tim Buckley 
-Time Raindogs, 1985 - Tom Waits 
-Winston Churchil´s Boy - At Least For Now, 2015 - Benjamin Clementine
-The Ribbon - Cavalo, 2013 - Rodrigo Amarante 
-Searching for Mr. Right - Colossal Youth, 1980 - Young Marble Giants 
-Winter - Schock of Daylight & Heads and Hearts, 1996 - The Sound 
-Sping Rain - Liberty Belle and Black Diamond Express, 1986 - The Go Betweens 
-Sketch For Winter - The Return of Duruti Collumn, 1981 - The Duruti Collumn

Agricultura

     "Os pomares dever ser estercados no Crescente e podados no Minguante, devendo protegê-los das geadas. Plantar cerejeiras, pessegueiros, pereiras e macieiras, no Crescente."
in Borda D´Água, Editorial Minerva, 2023. 

domingo, 3 de novembro de 2024

XV Festival Curta Açores

Programa do XV Festival Curta Açores 
Ribeira Grande 
4 a 9 de Novembro de 2024 
Clicar na Imagem
 

Sobreiro (Quercus suber)







        "É a árvore nacional de Portugal. O sobreiro mais antigo do mundo, plantado em 1783, fica em Águas de Moura. Chama-se Sobreiro Assobiador e em 2018 ganhou o título de "Árvore Europeia do Ano". A partir da casca do sobreiro obtém-se a cortiça, material resistente usado para vários fins, nomeadamente para a produção de rolhas. Mas o mais incrível é a cortiça ter sido usada na construção da Apollo 11, a primeira nave espacial a chegar à lua."
in "As Árvores Não Têm Pernas para Andar" de Joana Gama, ilustrações de Francisco Eduardo e música original de João Godinho














As Coisas Fora do Lugar de José Alberto Oliveira

A ausência medida neste rosto humano,
a boca desampara o segredo de um desejo 
que o olhar nega; noites rasuradas,

aflitas e sem partilha, no pendor torpe
que as coisas desejaram, por fora do lugar
comporem outra ordem que tememos.
 

in "O que Vai Acontecer", Assírio e Alvim, 1997.

XV Festival Curta Açores

De 4 a 9 de Novembro
Teatro Ribeiragrandense 






Ontem, escrito numa parede da cidade

 É mais arenga do que arenque

sábado, 2 de novembro de 2024

Cerejeira (Prunus x Yedoensis)

Ilustração de Francisco Eduardo 
   "É a árvore nacional do Japão. Em japonês, diz-se sakura. Nem todas as cerejeiras dão cerejas, mas todos os anos os japoneses fazem piqueniques nos parques para admirarem as cerejeiras em flor. Essa festa chama-se Hanami. As belas flores de laranjeira, que podem mudar de cor aos longo dos dias, duram muito pouco tempo. São por isso, um símbolo do Mono no Aware, uma certa melancolia associada à consciência de que tudo é efémero.

in "As Árvores Não Têm Pernas para Andar" de Joana Gama, ilustrações de Francisco Eduardo e música original de João Godinho.  

Provérbio

 Depois dos Santos, neve nos campos.
in Borda D´Água , Editorial Minerva, 2023. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Astrakan 79: Entre a Memória e a Fábula

   “Astrakan 79” é uma valente e agradável surpresa! Ainda não se sabia nada sobre o que se passava para lá da cortina de ferro, a Guerra Fria fazia o seu caminho ao impedir-nos de tomar contacto com essa realidade e do que existia para lá do Muro de Berlim, por isso viajávamos e vivíamos a ideologia sem saber muitas coisas. Quase nada. Pobres jovens politizados! Havia também quem alimentasse o sonho duma sociedade perfeita proveniente do Leste Europeu e dos respetivos amanhãs que cantavam. Entretanto, chegavam as primeiras experiências dos que lá tinham estado, mas havia sempre também quem desvirtuasse o conteúdo das afirmações de quem lá tinha andado.Inclusive, alguém que afirmasse a pés juntos que a propaganda ocidental era mais forte do que aquela que era alimentada pelo bloco socialista. 
Ver “Astrakan 79” é ser surpreendido pela sua sinceridade, até pela sua vontade em ficcionar um acontecimento marcante de uma pessoa como o Martim Santa Rita. Este trabalho sobre uma viagem de há quarenta anos à URSS, aliás, como qualquer trabalhando documental, é a constatação e evidência que neste processo há sempre uma boa parte de construção e efabulação. Sim, sabendo nós que a memória é uma construção contínua, incapaz de ser imune a qualquer reabilitação de factos e narrativas, como poderemos nós acreditar em factos vividos há largas décadas? Vemos, assim, Martim recordar na actualidade, isto é, com 58 anos, o período em que esteve na União Soviética, cerca de ano e meio, com 15 anos de idade. Os pais, militantes do Partido Comunista, viram com bons olhos a partida de Martim para o reino dos sovietes, augurando um futuro radioso junto de uma sociedade dita segura, com a promessa do cumprimento dos nobres ideais de uma sociedade socialista avançada. Durante ano e meio, Martim viveu na sociedade soviética as dificuldades de assimilação de uma cultura diferente, com os problemas inerentes à sua juventude: as paixões, os amores, a rebeldia, tudo foi possível experimentar, inclusive, a clandestinidade e a rebeldia. O dito "fracasso" ficou guardado na memória este tempo todo.
Daí o momento fulcral na "compreensão" deste documentário é o encontro no final entre pai e filho, quatro décadas depois daquela viagem iniciática. O filho, Mateus Santa Rita, tocador do som do mais grave dos instrumentos de sopro - o fagote - agradece o gesto e continua o legado, sabendo nós que qualquer escolha que façamos nunca é em vão ou que continua a ser fácil. A Olaria e a Música que o digam!

Fuso Insular: As Voltas da Memória!

      Terminou este domingo a 6ª edição do Fuso Insular no Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande. O fim de tarde de sábado serviu para mostrar os vídeos realizados durante os três meses de verão na residência criativa, frequentada por criadores a viver no arquipélago açoriano. No total, foram 7 os vídeos apresentados, revelando cada um deles ansiedade em mostrar o resultado final neste encontro anual no Centro de Artes contemporâneas. 
         À pergunta: o que fazer durante o verão açoriano? Os participantes do Fuso Insular, uma residência artística ligada às imagens em movimento, tiveram encontros semanais, delinearam ideias e argumentos, conceberam guiões e passaram para a captação e recolha de imagens e de sons. Tudo isto durante o abafadíssimo estio açoriano, com um orçamento residual e sem grandes recursos ou meios técnicos. Após reunirem o seu material e imagens, juntaram-nas e desataram a contar as suas histórias e “narrativas visuais”. Qual é a novidade, então, do Fuso Insular? É, essencialmente, o processo colaborativo entre os participantes e os formadores presentes, designadamente: André Laranjinha, Rachel Korman e Catarina Mourão. O Centro de Artes Contemporâneas cumpre aqui também uma das suas funções: promover e difundir a realização de obras de arte de criativos residentes nos Açores. É dentro deste esforço conjunto que se preparam estas apresentações públicas, realizando uma sessão própria para a apresentação destes objetos artísticos ao público.
       Assim, na tarde de sábado, dia 26, foram sete as obras apresentadas, cerca de sessenta minutos no total, tendo a sessão começado com o filme de Catarina Fernandes - “Ainda Bem que a Lua Existe”, uma narrativa afetiva envolvendo a sua memória pessoal e a sua ligação à mãe, um gesto de afeto carregado de sonhos, lembranças e canções pessoais. Seguiu-se “O Lado Sombra”, de Sandra Medeiros, um objeto fílmico sobre a invisibilidade, o reconhecimento de um corpo e das suas sombras, e ainda tudo o que guardamos cá dentro e queremos ocultar, na realidade um trabalho intenso, muito bem elaborado. Acompanhámos depois "Tudo Está em Tudo”, de Maria Emanuel Albergaria e que nos trouxe a vida vegetal e o envelhecimento sob a forma de cores fortes e intensas, vislumbrando a transformação que o tempo exerce sobre a existência. Quanto ao filme “De Marfim, Com Amor”, de Ana Cabral, este transporta-nos para um corpo de memórias fragmentadas, com objetos herdados de avós que nunca conheceu, questionando o seu legado no presente, numa visão final que comporta o regresso a uma lembrança uterina.  Depois, seguiu-se a proposta do coletivo Atelineiras, intitulado de “Ao Redor”, que consistiu na composição dum herbário construído, a recolha de plantas existentes na paisagem açoriana, jogando assim de forma dialética entre as “invasoras” e “endémicas”, como se as palavras se pudessem encontrar o dentro e o fora dessa diversidade. Continuamos, ainda, com “Migratórios”, Willian da Fonseca, um objeto que mergulha de filmar a travessia, a aventura migrante, ou a metáfora de uma imersão na liquidez e magma insular, interrogando as memórias que as águas carregam e as formas de nos relacionarmos com as misturas, o abraçar de novas crenças e fusões. A sessão fechou com “Movimentos”, de Maria João Sousa, um exercício sobre as deslocações humanas, podendo nós, espectadores, interpretar e decifrar os seus movimentos, o seu rastro e lastro na atmosfera, no espaço e no tempo, num registo bem-humorado.
         Nota final ainda para referir que, devido ao facto de estarmos perante uma residência criativa de curta duração, muitos dos trabalhos do Fuso Insular revelam, na sua maioria, um pendor autobiográfico, tendo muitos deles o território açoriano como denominador comum. São, pois, raros os trabalhos ficcionais, ou de carácter etnográfico, muito embora seja sempre entusiasmante assistir a cada conjunto destes filmes e percebermos o quão diferentes somos na absorção desta nossa experiência insular.

"Partias o Mar aos Joelhos"*

Fotografia Ana Monteiro 

     Podemos ser autênticos na análise, já que logramos acreditar na geografia, na história e no tempo longo que marca esta nossa ligação. Sabemos desde sempre da existência dessa paixão, muita dela transmitida pelos nossos progenitores, familiares,  dado que foram eles que nos concederam esse legado, essa herança, numa transmissão feita de muitos temores, dores e sacrifícios até. 
       Crescemos também a pensar que podíamos ter uma relação mais suave, mais intensa e prazenteira nessa aproximação ao mar. Certo ainda é que vamos acumulando poemas, canções, filmes, e até mesmo peças de teatro ou romances que falam dessa força da natureza. Há também quem pense que essa paixão, ou melhor, esse amor, em termos artísticos, ainda não é suficiente. Será? 
Escreveu, por isso, há dias, Nuno Pacheco, no jornal Público que “são meros e escassos exemplos num verdadeiro oceano de obras onde o mar, e em vários casos, também a pesca foram essencial inspiração”. Será que não conseguimos, à semelhança de outros povos (evoco aqui Bretanha, a Irlanda, ou mesmo França) de vivenciar/experienciar essa paixão de forma avassaladora ou tão  real tcomo acontece nesses territórios? É que seria tão  bom começar a partir o mar aos joelhos!!!

Ilhéus de António Cícero

uma onda pode vir do céu,
imponderável como as nuvens,
e cair no dia feito um véu
ou a tampa de um ataúde.
e nada impede que se afundem
neo-atlânticas e arranha-céus
ou que nossas cidades-luzes
submersas se tornem mausoléus.
em arquipélagos, os ilhéus
pisarão ruínas ao lume
do mar, maravilhados e incréus
e devotados a insolúveis
questões, espuma, areia, fúteis
e ardentes caminhadas ao léu.
 
                in A Cidade e os Livros, Rio de Janeiro, Record, 2002