A miúda mergulhava sobre vagas e
vagas alterosas, imitando com esfalfados gestos os golfinhos, permanentemente
inquieta e a perguntar, a indagar insistentemente, a desejar saber mais e mais
sobre a surpreendente ocupação laboral do mergulhador mais próximo em praia
deserta naquele mar de Outono, a oriente de um arquipélago no meio do
atlântico. Pergunta, miúda, pergunta, não deixes nunca de perguntar. Ela
interroga, ela ambiciona saber e, provavelmente, ela quer entender aquele
adulto mergulhador com trejeitos e tiques de adolescente que anda pela vida de
um lado para o outro, ao sabor do vento e do mar, a caminhar entre Herodes e
Pilatos, aguardando ansiosamente por ser atendido, à espera que alguém o
considere em silêncio, que alguém o escute na sua demorada prece, na eterna
expectativa que alguém solucione o seu problema. Não resolve, pois claro.
Compreendes, miúda, não compreendes, pois não? Separam-vos três décadas num
país à beira mar plantado e a ti hipotecaram futuro e o dele, é o que se sabe,
mas não se deve nem pode infundir de amargura e pessimismo ao vosso presente.
Nadaram ambos acima das vossas possibilidades, muita acima dessas vagas
económicas que vos cobrem e vos atiram pela areia fora, num redemoinho que vos
expele e expurga cada gotícula de esperança num mundo por vir, mas ainda há,
malgrado, outras ondas ainda maiores como as da Nazaré que hão-de certamente
resolver o vosso dilema do destino, algo que vos faça acreditar nos amanhãs que
cantam para lá da dívida e dos cortes num país sob protectorado. Ficar ou
partir? Não sabemos nunca. Ainda que se pressinta que com uma década de vida
estás no caminho favorável, miúda, essa fina curiosidade que não se cansa de
avançar e, que de tão permanente ajuda tanto a progredir noutros pontos do
planeta e, quem sabe, com a ajuda dela, também tu, consigas um dia partir e
atingir a tão almejada prosperidade e bem-estar afastada daqui. Correr mundo.
Quanto ao mergulhador que, já tinha idade para ter juízo, retomará o seu
pequeno gesto de responder ao absurdo quotidiano que lhe calhou viver ou
simplesmente ao desejo de entrar…no mar de Outono.
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
A Alegria de Quem se Deixa
Não
sejas pantomineiro, não pretendas o palco só para ti,
escorregou-te a língua para proferires aquela verdade que experimentavas
naquele momento num tempo que te parecia suspenso e indefinido. Adivinhaste assim
o teu ponto fraco, previste o âmago de algo surpreendente do que se viria a
desenrolar a seguir. Sentado numa esplanada da rua da Palha foi como se o
teatro tivesse ficado vazio, sem espectadores, sem gente para assistir, dar
conta de tamanho abandono a encetar. Naquela manhã quase desvendaste que dali a
pouco seria tempo de partir novamente. Era uma dor devida e nunca merecida. A
dor maculada da partida. E no entanto havia a aventura do recomeço que se
afigurava na linha do horizonte. Nada na
vida é seguro, exclamaste. Naquele momento vias nascer um segredo e era
como se o sol depositasse na sua incandescência uma eloquência hábil e farta.
O
anúncio de saída estava por uma questão de dias, horas, ao virar da esquina. A bondosa
nova entraria assim por dentro do visor do telemóvel, mexendo e remexendo na
vida daquele inesperado actor que, dentro de instantes, ficaria mais uma vez
sem palco, sem guião, sem ponto por onde se orientar. De nada adiantaria o
lamento tão pouco a convulsão sentida após aquela mensagem directa e fugaz. A
mudança a germinar no fundo do poço com um redemoinho das águas. Ou pomba morta
após delicado voo, como se a tua língua e o mundo em volta deixasse de existir,
de significar o que quer que fosse. Instalava-se assim a frieza como um
requinte inventado e esquecida pela voluntária incerteza criada. Petrificado.
Quase
em pranto, olhaste em volta. Nada te faria levantar com as pernas coladas à
cadeira nem mesmo a tradução de um manifesto desenhado ao longo do ano em que
ali viveste. Num desespero súbito satisfizeste a curiosidade e confiaste que aquele
fresco destino te seria favorável. Havia, no entanto, a pequena chama acesa
dessa recente geografia a apelar e a relembrar visitas oferecidas no passado em
geometrias variáveis, pueris e confusas. Acreditaste, por instantes, que à tua
volta já pouco ou nada fazia sentido e talvez viajando investigarias as
possibilidades que coubessem num bolso das calças bem como o resto da esperança
da difícil apreensão do mundo ou ainda a desconfiança completa e a infelicidade
gerada pela desilusão dos gestos em redor. A dor batia à porta. Outra e
outra vez. Regressarias à provisória casa sem riso, sem as prováveis palmas,
tão pouco os esgares espantados de uma plateia que te acompanhou durante
dilatado período de tempo. Tudo se desmoronou em segundos: o espelho dos outros
que não foram dignos desse olhar, o escangalhado quotidiano, a vetusta alegria
na derrapante vida com a visão do mar ao fundo, o quente sabor e cativante
proveniente daquela chávena quotidiana de café que ainda te segurava. O espectáculo, esse,
seguiria dentro de momentos, não importava onde. Olhaste de soslaio para aquela
rua da Miragaia e constataste que não mais usarias o motor do vento para a
subir, não mais escalarias a calçada com o intuito de aqueceres o corpo ou
secares a roupa com tantos e tantos pingos de chuva de um inverno infindável
que se prolongará até ao início do verão. Enfim, de uma coisa tinhas a
convicta certeza, é de que em todas as ruas em que viveste não olhaste poderes de vezes para os pormenores nem
detiveste o teu pensamento em disparates
das singularidades de um lugar. Por isso, muitas vezes espreitaste para dentro da
casa dos teus vizinhos e pensaste na forma como se entretinham ou resolviam os
seus problemas, estudaste e quiseste saber quem teria ali vivido: as suas
reclamações, as suas pequenas dores, os seus eternos vícios e as suas privadas virtudes. Houve mesmo um fim-de-semana
em que quiseste perceber como é que a música podia influenciar a vida dos teus
contemporâneos, percebendo aí a semelhança entre os músicos que habitavam nos
subúrbios de cidades do norte da europa e aqueles que agora ocupam as moradias das
ruas de ilhas de antigos impérios. Puseste-te a pensar nessa criação desmesurada que pode
ocorrer no interior das casas e dos quartos enquanto a água vai caindo no exterior,
marcada pela intensidade e o ritmo das estações, nesses lugares onde os mais novos já não têm
paciência para ouvir a mesma música duas vezes.Sonhaste.
Por fim, alçaste o corpo e,
momentaneamente, quiseste esquecer o pensamento de todos os idealistas desde Péricles e o que ainda resta das quimeras da
social-democracia de Olof Palme, as dunas e gaivotas das praias o´neillicas e as
preces e cânticos religiosos dos marujos açorianos. Abandonaste assim o lado
esquerdo da vida e, errantemente, seguiste em frente sem olhar para trás, pensando que nenhuma estrada ou
recompensa é mais forte do que a alegria de quem se deixa.
Trinta anos depois...
Há trinta anos foi publicado o livro “Arquitectura nos Açores: subsídios para o seu estudo” do investigador e coleccionador terceirense Francisco Ernesto de Oliveira Martins. Muita coisa mudou em três décadas...este inventário ajuda-nos muito a perceber o que está à nossa volta.
domingo, 27 de outubro de 2013
O Dia Perfeito...
"Oh, it's such a perfect day/I'm glad I spent it with you/Oh, such a perfect day/You just keep me hanging on/you just keep me hanging on."
Lou Reed
Ainda o Angrajazz...
Ainda há ecos desse festival que ocorre, há quinze anos, no início do
Outono na Ilha Terceira. Sabe-se que Manuel Jorge Veloso envia bons augúrios ao festival ainda que nunca tenha
estado presente no festival por razões de ordem aérea - não consegue andar de avião - ou ainda a memória do músico Esbjorn Svenson que não chegou a
pousar as malas no Hotel Caracol sem antes mergulhar na piscina salgada
da Silveira ou também as memórias infindáveis de quem ouviu e viveu os concertos no pátio coberto do Museu de Angra do Heroísmo. Estas foram algumas histórias que se ouvem contadas pela voz avisada de José Ribeiro Pinto, digno membro da Direcção da Associação
Cultural Angrajazz, que todos anos se orgulha de trazer à Terceira grandes
nomes do jazz internacional. E que todos aqueles que este ano assistiram ao monumental concerto do Trio Azul (Carlos Bica, Jim Black e Frank Möbus) podem e devem alegremente agradecer.
Foto retirada do sitio-de-sons.org |
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
O Experimentar...
Cartaz de Aurora Ribeiro |
O Experimentar editou em 2012 "2:
Sagrado, Profano" e vem apresentá-lo um ano depois à ilha de São Miguel. O
segundo disco, à semelhança do primeiro, obteve o reconhecimento e aplauso da
crítica musical portuguesa. Amanhã é dia de concerto e de voltar a ver no
Teatro Micaelense esta banda que junta em palco: Aurora Ribeiro, Zeca Medeiros,
Pedro Gaspar, "Pietá" Miguel Machete, Jácome Armas e, obviamente,
Pedro Lucas. Por lá, andarão também as canções de José da Lata e as recreações
de Carlinhos Medeiros - quando é que há reedição do "Cantar Na M´Incomoda"? - bem como um cheirinho do que poderá vir a ser o terceiro
tomo deste arriscado e original projecto da renovação da música tradicional açoriana.
Uma terra...
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
No Movimento Diplomático do Outono...
Caros leitores e leitoras,
durante os meses da canícula estive alegremente apartado deste espaço e deveras
retirado do mundo das letras. Foi preciso o dealbar do Outono e o retomar da
melancolia - os dias encurtaram, o sol rareia, é certo - daí que é desta forma
triste e acabrunhada que regresso ao vosso caloroso e apelativo convívio. Como
devem imaginar é necessário ficar arreigado do movimento diplomático do
Outono, tão necessário ao meu espírito luso para que as palavras se alinhem e
enfileirem engrossando este mural de lamentações bem como alguns lampejos se
lancem na atmosfera e ganhem respectivo corpo e movimento. Durante a minha
ausência, o mundo esteve muito calmo, demasiado até, vivemos num mundo
comovente sem qualquer comoção. Sim, eu sei, ao contrário do mundo da alta
finança e da especulação que continua desvairado e louco, mas nesse âmbito
sempre me mexi com muita dificuldade, tendo ouvido recentemente uma declaração de
uma vítima desse desastre declarar: "Estou morto mas ainda fungo!". Tenho,
portanto, dedicado a minhas parcas horas de ócio à recolecção de sonoridades
perdidas no fundo do tempo. Acredito que o mundo sem música seria um
desperdício. Um amigo de longa data diagnosticou-me instabilidade crónica no
meu espírito, pensa ele que se deve em muito ao terreno geológico que agora
piso e às constantes divagações das quais resultam charlas e fait-divers que não lembram ao vosso
familiar mais estranho. Ultimamente, a minha alimentação é bastante modelar,
sigo à regra uma dieta alimentar baseada em bifes de atum, chicharros, iogurtes
florentinos e umas suculentas meloas de Santa Maria…quem sabe não são estas que
ainda me prendem ao quotidiano ou mesmo à dura e esdrúxula realidade em que nos movemos. Em suma, espero que
amanhã ainda tenham vontade de me ler.
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