Fotografia: Eduardo Brito |
Um homem sonha deitado sobre nuvens. Quando um
homem abre os olhos tem a cabeça pousada sobre as nuvens. As nuvens não
precisam de almofadas. As nuvens por vezes escolhem a cor em que os homens se
deitam sobre elas. O vento sabe escolher as circunstâncias que sopram sobre o
homem que cresce a pensar as horas do dia em nuvens. Um homem que vive e sonha
nas nuvens é um nefelibata. Um homem que está nas nuvens não é deste mundo. O
homem que aprende a olhar as nuvens arrisca-se a cair. Um homem que gosta de
nuvens há muito que escolheu viver acima das suas possibilidades. O homem que
sabe distinguir as nuvens há muito que descobriu que o tempo não é bom
conselheiro. Um homem que sonha com nuvens sabe que a qualquer momento pode
chover. O que existe para lá das nuvens do homem que sonha?
Um homem que sonha com nuvens só acredita num
único gesto que lhe restituia a direcção desejada. Assim de uma única vez, num
único trago, de uma assentada. Como se o mundo parasse para a ver passar. Ponto
final, sem vírgula. Mudar de rumo, alterar a direcção, intuir o movimento,
alcançar a velocidade desejada. Há momentos na vida de um homem que ele quer
agarrar a nuvem e nem sempre consegue. Um homem deseja abraçar a nuvem e ela
desfaz-se. Um homem tenta por todos os meios acomodar-se e a nuvem desliza,
derrapa, escapa-se-lhe. Um gesto apenas e bastava. Largar tudo o que se tinha
feito até então, largar como se fosse um barco no mar, abandonar as coisas
desejadas apenas pela metade, pelos interstícios, pelo meio. Sem intervalos. O
que se começou e se abandonou, assim sem mais. O que se começou e nunca se
terminou. E assim se calaria no céu azul para sempre como a última nuvem. Em silêncio.
Sem rumor, apenas. Nem mais um som a ecoar, uma frase à superfície. Nem mais uma
metáfora para justificar o abandono das coisas pelo meio. Nunca mais o ensejo de
deixar todas as coisas pela metade, pelo meio, sem nunca chegar ao final. Da
cabeça aos pés, dos pés até à cabeça, do tronco até à folha, nem mais uma
palavra caída no Outono da vida.
Assim o homem que sonha com nuvens fosse como uma
seta que atravessasse e mudasse todo e qualquer rumo, alinhamento, direcção. E
que o caminho pudesse agora ter um fim, até à morte, e que esse final apenas
estivesse para lá da linha do horizonte. Até ao fim da estrada. Até ao fim da
vida. Nenhuma coisa, nenhum olhar, nenhum gesto, nenhuma nuvem negra desse
outro tempo pudesse ficar. Nada. Porque já nada interessa. Porque o homem que
sonha com uma nuvem renasce nos braços de outra nuvem, num outro sítio, num
outro lugar.
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