segunda-feira, 27 de maio de 2019

Da Perda

“Cada qual procura o que sente perdido.”
Miguel Torga

A Festa


(imagem www.bertrand.pt)
“Não era, no entanto, uma humanidade alheia à festa. Com os mais chegados – e sempre à parte da obrigação do trabalho -, quase toda a gente do Antigo Regime fazia por divertir-se. Como e em quê? Os homens e as mulheres dessa época parecer-nos-iam, hoje, pessoas exageradamente sóbrias. O dia de trabalho prolongava-se de sol a sol, entre outras coisas porque muitos regulamentos locais, ou às vezes simples disposições normativas dos municípios, assim o exigiam, e é frequente que a narração da existência quotidiana dos indivíduos pouco importantes – a multidão que não é anónima, mas simplesmente pouco poderosa – no-lo provem de forma convincente. Os operários e os jornaleiros espanhóis de meados do século XVIII costumavam levantar-se pelas cinco horas da madrugada e trabalhar até ao anoitecer, e a sua diversão, no sentido próprio desta palavra, reduzia-se às poucas oportunidades que esta obrigação deixava: a conversa na praça pública enquanto esperavam alguém que os contratasse, ou à porta de casa, caída a noite, por vezes na taberna ou na casa de algum deles jogando às cartas no meio de uns copos de vinho. Os processos judiciais retratam frequentemente a mulher numa ocupação tão relaxante como estar à janela e fiar.
Entre os Europeus e os Americanos, por outro lado, a diversão que se pode classificar de comunitária continua a traduzir-se pela realidade pluriforme da festa, que parece consubstancial ao ser humano. Mas um acontecimento propriamente histórico, quer dizer característico deste período, consiste no esforço que fazem os governantes do Antigo Regime para submeter tudo à norma, facto já patente no século XV, mas sobretudo omnipresente nos séculos XVII e XVIII: refiro-me à submissão da festa à lei de que é exemplo importante, junto ao da marginalização dos loucos, os que se propuseram para ilustrar a tendência de sujeitar tudo à regra e marginalizar, isolar ou erradicar o que é alheio a ela.”

José Andrés – Gallego, in "História de Gente Pouco Importante”, Editorial Estampa, 1993.

sábado, 25 de maio de 2019

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Verso de Chico Buarque (Prémio Camões)

Olhos nos olhos, quero ver o que você faz

Revista LER nº152

         
              "A Companhia das Ilhas é uma pequena editora sediada na Ilha do Pico, um lugar altamente improvável para haver uma editora. Porém, é uma editora que já existe há alguns anos e faz um trabalho fantástico, não só de promoção de autores açorianos, mas também de outros autores. O Carlos Alberto Machado, o seu editor, tem um verdadeiro sentido de missão. No fundo, o que eles fazem é edição de serviço público, só que fazem essas edições com dinheiro privado. Quando encontramos pequenas empresas assim, com um compromisso tão grande com a cultura portuguesa e com a qualidade de editar livros bem-feitos e bonitos, se podemos construir parcerias neste país pequeno, acho que isso é muito importante."

Duarte Azinheira, in Revista LER, Inverno/Primavera, 2019, nº152.

Nómadas

Só o amor pára o tempo (só
ele detém a voragem)
rasgámos cidades a meio
(cruzámos rios e lagos)
disponíveis para lugares com nomes
impronunciáveis. É preciso percorrer os mapas
mais ao acaso
(jamais evitar fronteiras
nunca ficar para trás)
tudo nos deve assombrar como
neve
em Abril. Só o amor pára o tempo só
nele perdura o enigma
(lançar pedras sem forma e o lago
devolver círculos).

João Luís Barreto Guimarães, in O Tempo Avança por Sílabas, Quetzal, 2019.
(Poema inserido na revista LER, Inverno/Primavera, nº152)

Da Leitura

“Aquele professor não metia à força o saber, oferecia o que sabia. Era menos professor do que trovador – um daqueles prestidigitadores de palavras que frequentavam as hospedarias dos caminhos de Santiago e que cantavam canções de gesta aos peregrinos analfabetos.
            Como tudo tem de ter um início, todos os anos reunia o seu pequeno rebanho nas origens orais do romance. A sua voz, como a dos trovadores, dirigia-se a um publico que não sabia ler. Abria olhos. Acendia lanternas. Dirigia as suas gentes pela rota dos livros, peregrinação sem fim nem certezas, encaminhamento do homem para o homem.
-O mais importante, era ele ler para nós em voz alta, era a confiança que ele colocava imediatamente no nosso desejo de compreender…O homem que lê em voz alta eleva-nos à altura do livro. Ele dá verdadeiramente a ler!”
 Daniel Pennac in Como um Romance, pág.38, edições Asa.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Espera-me

Nas praias que são o rosto branco das amadas mortas
Deixarei que o teu nome se perca repetido

Mas espera-me:
Pois por mais longos que sejam os caminhos
Eu regresso.

Sophia de Melo Breyner Andresen, in Coral, Obra Poética, Caminho.

Hoje há Poesia Amanhã Não Sabemos*

...
"Eu queria cantar para dentro de alguém,
sentar-me junto de alguém e estar aí.
Eu queria embalar-te e cantar-te mansamente
e acompanhar-te ao despertares e ao amanheceres.
Queria ser o único na casa
a saber: a noite estava fria
E queria escutar dentro e fora
de ti, do mundo, da floresta.
Os relógios chamam-se anunciando as horas
e vê-se o fundo do tempo.
E em baixo ainda passa um estranho
e acirra um cão desconhecido.
Depois regresso ao silêncio. Os meus olhos,
muito abertos, pousaram em ti;
e prendem-te docemente e libertam-te 
quando algo se move na escuridão."

Rainer Maria Rilke, in Para Recitar Antes de adormecer. 
*Título que glosa o álbum da Banda do Casaco - "Hoje há Conquilhas Amanhã Não Sabemos"

segunda-feira, 13 de maio de 2019

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Compêndio da Folia (A, B,C, D, E, F)

"Pode haver momentos em que um abecedário nos parece poético.”

Frederico Lopoldo de Hardenberg dito Novalis in “Fragmentos” – Tradução de 
Mário Cesariny.



Fotografia de Jorge Fontes
(Fonte: DOP (Departamento de Oceanografia e Pescas)
Anthias anthias - Nome de peixe presente no mar dos Açores, também conhecido por folião ou canário do mar, bastante colorido por sinal. Habita nas águas atlânticas e, segundo os biólogos, avista-se a 20 metros de profundidade. É, pela sua constituição e porte, parente do mero e sustenta-se à noite comendo caranguejos e outros tantos peixes pequenos. Desconfia-se, assim, que, dado o seu perfil e coloração, deve ser bom para a festa rija.
BorguistaCultivador da borga, da boémia e da ramboia, isto é, da boa-vai-ela. Dado o carácter temporário da folia, é certo e sabido que ninguém aguenta muito tempo em modo borga. E, talvez por isso mesmo, não se deve recusar um bom mergulho na pândega.  
CabeçudosAndam sempre muito mais alto que toda a gente, portanto, caminham nas alturas a troçar das figuras políticas e outras personagens. Com o objetivo de tornar exagerado o movimento, fazem jus ao equilíbrio com o menear de andas e tremeliques.
DivertimentoÉ sinónimo daquilo que mais aparece associado à folia, já que é o estado mais elevado da diversão e, por isso, é marca comum de todos os foliões.
EuforiaÉ a condição que caracteriza a Folia, dependendo do “foliómetro” presente. Quem ainda não se sentiu como se tivesse tirado os pés do chão?
Folião–Nos Açores são também aqueles que cantam ao desafio durante as festas do Espírito Santo. A maioria dos “Foliões” tem, por vezes, a expressão facial demasiado séria, o que é contrária ao epíteto que possuem.

Ontem, escrito numa parede da cidade

-E que tal o Sporting? 
-Só vejo snooker...

embutido de Alberto Pimenta

numa sexta-feira treze ao meditar no
IRREMEDIÁVEL EMPOBRECIMENTO da poesia
caiu-me a alma aos pés. sábado cat
orze foi chamado o médico. o médico de
clarou que eu precisava de uma alma 
nova. o domingo não é dia de pôr almas
novas. na segunda dezasseis o médico
montou-me a alma nova. e declarou que
a partir de então eu deixava de me 
chamar Tibaldo como até então o que ve
io criar a grande incertidão da minha 
certidão que ainda hoje subsiste entre
os conservadores da minha identidade. 

terça-feira, 7 de maio de 2019

Oficina TRIM-TRIM


Há Cem Anos...

           
           "O peso da classe média na vida política, no funcionalismo, no jornalismo, na instrução e no meio empresarial introduziu uma nova dinâmica na vida micaelense. Jovens licenciados, oriundos  de estratos sociais mais baixos, foram marcando posição contribuindo para uma abertura mental, cultural e social que já se delineava no final da era de Oitocentos.
          Mas há um factor que é o grande responsável por alterações repentinas na liberalização dos costumes micaelenses. A instalação da base naval americana (1917-1919) teve um impacto extaordinário na pacata cidade de Ponta Delgada, com a presença diária de centenas de militares americanos e ingleses. A cidade fora bombardeada por um submarino alemão, a 4 de Julho de 1917, o que levou os americanos a acelerar a fixação nas ilhas para não perderem o controlo do Atlântico. Naqueles três anos, fundearam no porto de Ponta Delgada cerca de 2 mil navios estrangeiros e o movimento continuou no ano de 1920, com 480 navios entrados. 
            Proporcionar alimentos, diversão e bem-estar a esses hóspedes, facilitou um enriquecimento rápido de sectores da população que nunca imaginaram tanta fartura em tão curto espaço de tempo.
            Ponta Delgada, pela força das circunstâncias decorrentes da I Guerra, abriu-se ao mundo, aos gostos e so desejos dos visitantes, com a mira de captar os dólares e as libras que circulavam paralelamente ao escudo.
            A procura dos mais variados géneros e serviços, pagos em divisas e a bons preços pelos tripulantes das embarações referidas ou pelos que estavam aquartelados na ilha, dinamizou uma actividade comercial intensa com reflexos na vida quotidiana. 
        O primeiro sinal reflectiu-se no aumento do custo de vida, já de si inflacionado pelas consequências da própria guerra. Nos finais de 1917, o Açoriano Oriental conjecturava:"Daqui a pouco, só veremos americanos por essas ruas e por esses estabelecimentos. Não pesam sobre nós, mas a sua permanência torna os géneros mais caros". A previsão concretizou-se e, no ano seguinte, já afirmava que Ponta Delgada  tinha um aspecto de grande cidade, comercialmente falando. Os estrangeiros gastavam à farta e não regateavam preços.
             As centenas de marinheiros que circulavam pela cidade proporcionaram a abertura de cafés, restaurantes e outros espaços de diversão que alteraram o sossego do velho burgo.
         Em duas ruas contíguas, a do Frade e Pedro Homem, havia oito restaurantes, embora a maioria não tivesse condições higiénicas e, por isso, não sobreviveram. Mas outros eram mais requintados, um deles tinha até música durante as refeições, e os nomes deles são bem elucidadtivos da clientela a que se dirigiam: New York, Orion, United States, Winter Garden, Washington ou 20th Century.
      Novos cafés também surgiram, como o United States e o Picadilly. O negócio de comidas e bebidades prosperou imenso. A própria imprensa fazia eco exagerado dos preços praticados, como, por exemplo, cobrar 300 réis por um cálice de vinho abafado."
Carlos Enes in"O Fútil e o Útil - Apelos da Publicidade na I República"

sábado, 4 de maio de 2019

3/4: Música em Maio

Pascal Comelade -"Haikus en Pianos"
Há muita música para abrir o mês de Maio agora que sabemos que o Tremor só volta para o ano e...que edição interessante e animada foi a deste ano. Por isso, abandonem-se nostalgias e antigas memórias. Prepare-se agora o radar para o que existe em nosso redor, a máxima concentração e curiosidade para pensarmos no que aí vem. E o que aí pode amarar pode ser ainda mais interessante. E como é estimulante pensar que há tanta gente a fazer música, tanto em garagens como nos quartos, compondo e arriscandos ritmos e novos sons. É só necessário colocar os ouvidos à escuta nos lugares por onde passamos, mover a nossa atenção para sons oriundos da capital ou em álbuns e CD´s que pertencem a bandas e músicos que habitam na periferia do mundo, seja lá onde isso for. Há, com toda a certeza, muita gente a fazer música nos subúrbios de cidades como Porto, Gotemburgo, Barcelona, Manchester, Rosário, Pernambuco ou tantos outros sons provenientes de ilhas de antigos impérios.
          Maio promete assim muita música para ouvir, bem ou mal sentado, com um chávena de chã ou um copo de tinto, quem sabe abanar a cauda ou o capacete…música com alma para deixar o corpo fluir, escutar sob o signo da água e dos rios que correm em direcção ao grande mar, pois, é certo e sabido que ninguém ouve a mesma música da mesma maneira duas vezes…já dizia o filósofo antigo!

Um Verso dos Tindersticks

Mistakes I've made I know I'll live with them all my life

Dizer Sim

            "O mais difícil é dizer "não" a esses projectos, sobretudo porque vivemos num país onde deveria haver muito mais teatros capazes de dizer "sim"."
Tiago Rodrigues, Revista Expresso, 27 de Abril de 2019

quinta-feira, 2 de maio de 2019

¾: A Celebração da Primavera com os Maios

O “3/4”, o mítico café Caziff, celebra a chegada da Primavera.
Ah! A Primavera, o retomar da estação vital, alavanca do vigor e da força da natureza. Contigo chega também a tradição dos Maios. Tradição que se realiza anualmente em diferentes ilhas dos Açores e São Miguel não é excepção.
Este ano o ¾ comemora o advento da vida e da natureza com a colocação dos Maios no exterior da entrada do café. Os Maios são bonecos elaborados de forma artesanal, à semelhança das figuras humanas, mas maiores, desmedidos - para que todos possam observar o seu modo excessivo e expressivo.
O ritual não é de agora, Maia era a deusa da mitologia romana da Primavera, daí a evocação de festa pagã aponta para o despertar da vida: o aparecimento das flores, o semear das plantações para a colheita.
Por esse motivo, na abertura do mês de Maio aparecem os Maios, e junto a eles surgem sátiras, pregões, narrativas, que dão conta dos dias e da vida que por aqui se vive. Uma folia para quem passa e observa o divertimento ali presente.
Aproveitemos os Maios para homenagear o novo impulso no centro histórico, para um novo encontro de Ponta Delgada com a beleza e a recriação das suas tradições, enfim, um momento de alegria e júbilo do humano.

Absurdo (II)